“Admirável Mundo Novo” era o mundo do porvir, imaginado pela usina de ideias de Aldous Huxley, que criou em 1932 a fábula da sociedade sem ética ou religião, controlada pela pílula da felicidade. Mas haverá um mundo real, daqui a poucos anos, que recriará o próprio homem, graças as pesquisas com células-tronco. Elas estavam proibidas “por lei” até que um dia um político influente necessitou de uma língua nova. E de um cérebro um pouco melhor do que o seu. Pronto. Aí, liberou geral.
Continua depois da publicidade
Políticos inflacionaram o comércio de novos órgãos, comprando fígados para suportar os “comes e bebes” das campanhas – de sopa de brodo a rabo-de-galo, de filé de jegue a picadinho de cobra. Fizeram mais: compraram todos os corações – para serem reeleitos até o final dos tempos – todos os cérebros, todos os estômagos e todos os “bolsos” do mundo – aqui entendido o “bolso” como o órgão mais sensível de corpo humano.
Com o sucesso da regeneração celular pelas células-bebês, foi inventada a “imortalidade”. Não aquela, frágil e imperfeita, das Academias de Letras – que é apenas literária. Mas a biológica, que permitirá a um homem chegar próximo dos mil anos, trocando de órgãos vitais a cada 20 anos.
***
Até as primeiras auroras do século 21, prevalecia a rudimentar técnica dos transplantes de órgãos humanos, sempre rejeitados pelos códigos sanguíneos. Corações, pulmões, estômagos, fígados, rins, intestinos, órgãos sexuais – tudo podia ser trocado na nova e, claro, mercantilizada medicina. Uma laringe nova, uma epiglote, um céu da boca, itens comuns, custavam mais baratinho. Mas um coração, um rim, dois pulmões e uma “benga” – uma bengala masculina, nova, se é que me entendem, podiam sair bem caro.
Continua depois da publicidade
Depois de 2030, a Medicina Substitutiva se tornou o principal ramo da Ciência de Hipócrates. Organizações de consumo, visando o barateamento das peças anatômicas de reposição, passaram a funcionar como os antigos consórcios de automóveis. Pessoas usando um órgão-substituto não despertavam qualquer preconceito. Pelo contrário. Eram tidas como pessoas “normais” – e o público aceitaria com naturalidade o conceito de que alguns doentes precisariam comprar mais de uma peça de reposição, a fim de manter o organismo em perfeito funcionamento.
Não tardaria muito e um deputado mafioso acabaria flagrado com um estoque de 200 línguas e 380 fígados. Comercializados “por fora” dos controles sanitários e “com ágio”.