Eu devia ter uns dez anos quando percebi como o mundo era capaz de invadir aquilo que me era privado. Estava eu numa festinha de criança, olhando pela janela do quarto da aniversariante, junto com os outros convidados, com olhos curiosos assistindo-a a desembrulhar os presentes. Eu tinha o sorriso aberto de orelha a orelha quando senti o estômago gelar: num susto, uma mão intrusa tinha se esfregado em cheio onde ninguém mais tinha o direito de tocar. Olhei para trás, a tempo de ver os dentes brancos do Lobo Mau, arreganhados em minha direção, como se debochasse da minha ingenuidade e da minha falta de reação. O lobo, neste caso, tinha cinco anos a mais que eu. Mal podia eu imaginar que aquela situação, incômoda, desconfortável, indesejada e invasiva se repetiria muitas vezes durante a minha vida de mulher. Que motivos levam o outro a se achar no direito de romper as fronteiras que ditam que o corpo de uma pessoa é propriedade sua, exclusivamente, e fincar sua bandeira como se fosse um desbravador a conquistar novos territórios?
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Na última semana, o caso José Mayer ganhou as redes. Eu me pergunto como um homem que poderia usar todos os artifícios que tem para abordar uma mulher e conquistar sua permissão para tocar seu corpo se deu ao desplante de simplesmente enfiar a mão na genitália de uma colega de trabalho e ainda soltar uma ¿justificativa¿, dizendo que fez o que sempre tinha tido vontade de fazer. Que mundo é esse, onde a vontade masculina justifica o ato de invadir o corpo feminino sem prévia permissão?
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O caso não é único, não foi o primeiro, não será o último (infelizmente). MC Biel protagonizou uma cena de assédio contra uma jornalista que o entrevistava e acabou perdendo contratos valiosíssimos. Vin Diesel excedeu os limites ao continuar ¿cantando¿ uma youtuber que estava nitidamente desconfortável após a segunda, a terceira, a quarta vez que ele interrompeu a entrevista para elogiar seus atributos físicos, o que começou uma campanha na internet para boicotar seu filme (não surtiu o efeito desejado, dado o dinheiro investido no marketing hollywoodiano).
O que se tira disso tudo é que a sociedade está mudando. No caso José Mayer, as atrizes da Globo apareceram na emissora usando camisetas com os dizeres ¿Mexeu com uma, mexeu com todas¿ – e eu acredito que o caminho é esse, mesmo. Mulheres, união é a saída.
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* Andreia Evaristo é escritora e professora: www.qualquersentido.com, qualquersentido@gmail.com