A Justiça analisa um caso que veio à tona no final de 2017, que envolve um ginecologista que atende em Florianópolis. O consultório dele foi alvo de uma operação policial, depois que pacientes o denunciaram por abusos sexuais que teriam sido cometidos, segundo elas, durante exames. Na tarde desta sexta-feira, mais uma mulher foi à Delegacia da Mulher com denúncias ao médico.

Continua depois da publicidade

A reportagem do Jornal do Almoço conversou com cinco mulheres que afirmam ter sido vítimas do médico, três aceitaram gravar depoimento. O advogado do médico Edison Fedrizzi nega as acusações, diz que tem provas da inocência dele, mas não quis comentar o caso. O processo corre em segredo de justiça.

O Conselho Regional de Medicina em Santa Catarina (CRM) determinou a abertura de uma sindicância para apurar a conduta de um ginecologista de Florianópolis na tarde desta sexta.

A Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Santa Catarina explica que todo médico precisa deixar claro para o paciente os procedimentos de qualquer exame.

Mulheres quebram o silêncio

As mulheres decidiram quebrar o silêncio. O médico que elas acusam de abuso sexual é o ginecologista e obstetra Edison Fedrizzi. Ele é especialista em HPV, o vírus que pode causar câncer no colo do útero, e professor universitário. Mas o motivo que levou essas mulheres a falar não tem a ver com o currículo renomado, mas com o comportamento dele no consultório.

Continua depois da publicidade

"Esse não é o papel do médico, né? Ele tá cometendo um crime", diz uma mulher.

"Ele não é um profissional. Uma pessoa que faz isso não tem condições de trabalhar com ser humano", conta outra denunciante. "Eu não tenho palavras pra descrever isso. Porque é um caso completamente…é um absurdo o que ele fez".

Em 2017, cinco pacientes dele procuraram a delegacia da mulher com relatos bem parecidos.

"Quando ele foi fazer o toque vaginal, ele falou assim pra mim: ah, começou falar de orgasmo, não sei o que do Ponto G, sendo que eu não tinha perguntado nada disso em nenhum momento", relata uma paciente.

Logo depois das denúncias, em dezembro de 2017, a Polícia Civil esteve no consultório do médico, no bairro Pantanal, com um mandado de busca e apreensão. Os policiais encontraram preservativos, calcinhas e gel lubrificante. Foram apreendidos também: computadores, prontuários médicos , celular e medicamentos de controle especial.

Depois da investigação da polícia, o Ministério Público de Santa Catarina denunciou o médico à Justiça por violação sexual mediante fraude, artigo 215 do Código Penal. Um crime diferente do estupro, que é quando há violência.

Continua depois da publicidade

A Justiça aceitou a denúncia, e em janeiro deste ano começaram as audiências de instrução no fórum da Capital. Só três mulheres constam na ação como vítimas. As outras duas entraram como testemunhas de acusação, porque no caso delas as consultas aconteceram entre 2007 e 2008, ultrapassando o prazo legal de seis meses para registrar a queixa-crime, segundo o Ministério Público, o que não impede as mulheres de mesmo assim denunciarem.

Além disso, o médico também responde na Justiça pelo artigo 273, por manter em seu consultório o Cytotec, medicamento controlado que tem efeito abortivo, sem comprovar autorização pra isso.

Cinco mulheres afirmam ter sido abusadas pelo médico durante consultas. Três delas aceitaram gravar entrevista sem mostrar o rosto.

Ponto G

Uma das mulheres que levou o caso à justiça conta que era paciente do ginecologista há cerca de um ano e meio. "Começou a fazer uma abordagem mais voltada à questão sexual, perguntando se eu já tinha tido orgasmo, se eu me masturbava, quanto tempo que eu já tinha tido a última relação".

Continua depois da publicidade

"Essas não eram as minhas dúvidas, a minha consulta era de rotina, era só pra coletar o preventivo…então ele insistiu nisso", lembra.

"E aí ele disse assim: 'ah, fecha os olhos e relaxa, que eu vou te mostrar onde é que é o Ponto G'. Daí eu peguei e falei: 'não, né?'. E me levantei da maca. E aí nessa hora ele ficou todo vermelho, assim… e aí ele viu que eu tinha notado que aquilo não fazia parte da consulta", fala a denunciante.

Assim que saiu do consultório, ela ligou pra uma médica de confiança, contou o que tinha acontecido e foi orientada a procurar a delegacia da mulher.

"Não é na primeira consulta que ele fez isso comigo, eu já tinha consultado duas ou três vezes com ele, e assim, eu tomei a frente de denunciar porque eu acho que ele não pode fazer isso e outras vítimas não podem sofrer isso", conclui.

Continua depois da publicidade

Primeira consulta

A outra mulher não está entre as denunciantes. Ela conta que foi vítima do médico, em 2002, aos vinte anos, na primeira consulta dela sem a presença da mãe.

"Eu nunca tinha ido, nunca tinha feito um exame ginecológico assim, e eu achei que não tava muito certo, porque ele começou a estimular, né? Começou a me estimular, e… eu olhei assim pra baixo, e vi que ele tava ficando vermelho e suado assim, e com aquele olhar, assim, com um olho meio estranho. Eu fiquei bem constrangida", relata a mulher.

"É bem complicado dizer isso, mas até hoje eu nunca tive uma única relação sexual que eu não tenha pensado nisso, nesse dia".

"Eu sou casada há 12, 13 anos, e eu não permito que meu marido use as mãos pra me tocar, ele não me toca". Ao terminar a consulta, ela lembra que o médico foi além. "Aí ele disse: 'ah, então é assim, ó, na verdade eu acho que tu precisa é de um homem de verdade".

Continua depois da publicidade

"Eu vou te dar meu telefone aqui, ó… e daí quando tu 'quiser', assim, que eu te ensine alguma coisa, tu pode me ligar, a gente sai, e daí eu vou te ajudar, aí tu vai aprender como é que é que faz", lembra a mulher.

Ela nunca mais voltou ao consultório e conta que teve medo de denunciar na época. Mas que depois que soube de outros casos, resolveu falar.

"Eu achei que algumas mulheres podiam ter medo, podiam estar passando por isso, podiam estar, assim como eu, remoendo isso. Então eu achei que, se eu falasse, elas também poderiam criar coragem", ressalta.

Paciente por 4 anos

Outra mulher conta que foi abusada em 2014, quando já era paciente do médico há quatro anos. Mas ela só procurou a delegacia pra denunciar o médico nesse ano depois que soube que havia uma investigação.

Continua depois da publicidade

"Nós fomos pra outra sala pra fazer o exame propriamente dito…e num determinado momento ele começou a acariciar meu clitóris, me ensinando os pontos, a velocidade, a pressão que eu deveria fazer pra conseguir atingir um orgasmo". "Em momento algum eu pedi conselhos, sugestões, pedi que ele me ensinasse", conclui.

"Esse assunto voltou à tona, começou a me incomodar profundamente, e eu resolvi tentar ir atrás e tentar colocar um ponto final nessa história, né? E resolver essa situação, por uma questão pessoal e também pra tentar estimular, encorajar outras mulheres que estão sofrendo a mesma coisa que eu sofri", desabafa.

Posição de entidade

"O exame ginecológico, diferente de um exame clínico geral, ele é numa área mais íntima, e que ele tem que ser feito com todo cuidado. E, sobretudo, com a explicação de tudo que vai ser feito. Cada passo do que se faz deve ser explicado pra paciente", disse Jean Louis Maillard, representante da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Santa Catarina

A sociedade reforça ainda que toda mulher que se sentir incomodada com algum comportamento médico deve denunciar o caso.

Continua depois da publicidade

"Toda e qualquer paciente que porventura sentir que houve um excesso ou alguma atitude que não seja médica e técnica, ela tem todo direito de fazer denúncia nos conselhos regionais. Ela pode ir lá no CRM e denunciar que ela se sentiu invadida, que isso vai ser investigado, pra ver se isso realmente aconteceu, ou se foi um mal entendido que aquela pessoa não entendeu o que foi realizado naquele exame", completa o representante.

Médico divulga nota sobre o caso

Na noite desta sexta-feira (15), a defesa do médico divulgou nota sobre o caso. Leia na íntegra:

"Com profundo respeito às mulheres, à medicina, à categoria médica à qual pertenço, e em especial à minha família, venho perante a comunidade da Grande Florianópolis, esclarecer que:

• estou me defendendo em processo judicial por suposta conduta que teria extrapolado minhas prerrogativas profissionais

Continua depois da publicidade

• afirmo peremptoriamente, livre de qualquer ânimo de omitir a verdade, que a conduta que me imputam não representa a realidade;

• esse processo corre em segredo de justiça, portanto não posso me defender das acusações em público sem maculá-lo, e sem ferir também a ética profissional e o sigilo médico-paciente.

• infelizmente, esse silêncio me faz refém do que de mim se falou.

• meus argumentos e provas devem – e serão – apresentados no Fórum, perante o digníssimo representante do Ministério Público e ao excelentíssimo Magistrado.

Por ora, diante do constrangimento e da dor imensa de me sentir difamado sem nada dever, e de saber que haverá quem, sem saber do todo, condena-me já apenas pela parte que ouviu, peço que haja serenidade e que se espere pela apuração e julgamento dos fatos na Justiça. Por fim, reitero meu mais absoluto respeito à classe médica (jamais a envergonharia), e às famílias da Grande Florianópolis, da qual a minha faz parte, assegurando-lhes que sempre respeitei e respeitarei meu juramento profissional e minhas pacientes.

Continua depois da publicidade

Florianópolis, 15 de fevereiro de 2019"