Uma coisa é clara: eu não puxei à minha mãe.
A parte em que eu carregava uma espingarda, vestida de jeans e botas, com a cara amarrada enquanto pressionava o gatilho?
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Com certeza isso veio dela.
Mas ela conseguia acertar entre os olhos de uma cobra a 40 passos de distância quando usava sua calibre 22 preferida, que ela me deixou de herança quando morreu há 20 anos. Há algum tempo no Campo de Tiro Beretta, em Dover Furnace, Dover Plains, em Nova York, eu não acertaria os alvos cor de laranja fluorescente atirados para o alto nem que eles fossem do tamanho de uma abóbora.
Ir a esse lugar a 90 minutos de Manhattan para atirar em pratos de cerâmica com minhas amigas nova-iorquinas Suzanna Frosch, Marjorie Galen, Katrina Stair, e Rebecca Clark, uma americana que vive em Paris, pareceu uma boa ideia na época.
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“Meninas armadas”, dissemos quando estávamos levemente embriagadas em uma noite de junho, pra poder contar vantagem para alguns homens da vizinhança, que haviam começado a caçar.
A gente também queria atirar. Só não queríamos atirar para matar.
Os membros de nossa equipe contavam com habilidades bastante diferentes. O rifle da minha mãe estava trancafiado há anos, mas eu fui criada em um sítio no Kansas, onde as armas ficavam largadas pelos cantos da casa ou na caçamba das caminhonetes. De tempos em tempos, Katrina ia ao campo de tiro com o marido e o filho, ambos excelentes atiradores, como sua mira podia provar. Marjorie se dava muito bem nas aulas de tiro dos acampamentos de verão, enquanto o forte de Rebecca era atirar em garrafas quando estudava em Vermont.
Suzanna, por outro lado, nunca havia segurado uma arma e não tinha certeza se queria fazer isso pela primeira vez.
– Com tudo o que está acontecendo no mundo, esse parece um momento tão inoportuno para começar a atirar nas coisas – afirmou.
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Eu já falei do medo de nos ferirmos? Não ajudou nem um pouco o fato de eu ter acabado de conhecer uma mulher cujo primeiro encontro com uma arma de fogo havia resultado em hematomas na parte de dentro do braço, como se ela tivesse sido atropelada por um carro.
– Comecem a levantar pesos de 2,5 quilos esta semana. As armas são mais pesadas do que vocês imaginam! – aconselhou Katrina por e-mail.
Suzanna respondeu:
– Eu tenho medo que o tranco acabe quebrando meus velhos ombros e que eu precise de operação. Sem falar no incidente com Dick Cheney.
No dia combinado, dirigimos por uma estrada de terra até uma área de floresta que costumava abrigar um acampamento de verão para crianças carentes. As ruínas de um forno de pedra de 11 metros, construído para derreter metal em 1881, dão o nome ao lugar.
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– Talvez nossa história seja a de como chegamos aqui e demos meia volta – afirmou Marjorie, ouvindo o eco distante de tiros ao fundo.
O campo de Dover Furnace pertence a Jim e Jeanne Muncey e é patrocinado pela Beretta, empresa italiana que fabrica armas há 500 anos. Depois de assinarmos termos de responsabilidade, Chris McClelland, o instrutor-chefe, nos apresentou a espingarda de ação semiautomática de 20 tiros, Beretta A400, que aprenderíamos a usar. Mais leves que as espingardas comuns e operadas a gás, ela é feita para que o tranco seja mais suave.
A Dover Furnace se especializa em tiro ao prato olímpico, uma modalidade trazida da Inglaterra nos anos 1980, com a época da formação da Associação Esportiva de Tiro Ao Prato Olímpico dos EUA em 1985, ano da realização do primeiro campeonato nacional. Muitas vezes chamado de “o golfe de espingardas”, os percursos de tiro ao prato olímpico incluem estações de onde os alvos são atirados em diferentes trajetórias, velocidades e distâncias para imitar o movimento dos pássaros.
Embora alguns atiradores contem com os pratos para manter a mira afiada enquanto se preparam para as estações de caça, muitos gostam do jogo – simples o bastante para os iniciantes, mas complicado o suficiente para desafiar os mestres – por conta da diversão.
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Então, Chris colocou as espingardas em carrinhos de golfe adaptados, enquanto nos dirigíamos à parte menos difícil do campo, onde há dois percursos com 15 estações de tiro.
– Parece que estamos indo para uma Guerra Civil – afirmou Suzanna ao ouvir os tiros na floresta. Rebecca estava visivelmente assustada.
Na primeira estação, Chris mostrou a forma correta de manter a estabilidade do tiro, como posicionar a espingarda no espaço natural entre o ombro e a clavícula, e como alinhar o cano da arma ao alvo, sem tentar olhar diretamente para ele.
Também aprendemos os pontos mais delicados do “método para atirar de forma controlada”.
– O que você quer fazer quando o cano da sua arma e o alvo ficam alinhados é ajustar a velocidade do alvo à velocidade da arma. Então, basta se afastar lentamente dele para ajustar e, quando sentir que é a hora certa, puxe o gatilho – afirmou.
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– Prontas? – perguntou.
Olhares furtivos. É… mais ou menos.
A audaciosa Katrina se adiantou. Chris iria apertar o botão para liberar o alvo; ela o acompanhava enquanto ele fazia os ajustes necessários para a forma física dela. Em seguida, ele lançou outro alvo. Ela mirou, apertou o gatilho – e errou.
Mas logo em seguida ela começou a acertar, estilhaçando três daqueles pratos.
– Ela está com tudo – gritou Rebecca enquanto as outras aplaudiam.
Rebecca foi a próxima – e gritou quando o estojo vazio pulou de dentro da arma e passou perto de seu rosto. Mas depois de algumas tentativas, também começou a acertar os alvos no céu, assim com Marjorie, com a mesma mira de quando era criança.
– Meu Deus! É por isso que eu queria atirar – exclamou Suzanna, depois de acertar o alvo na segunda tentativa.
Então chegou a minha vez. Achei que eu já tinha praticado bastante e que tinha os genes de atiradora da minha mãe, o que tornaria tudo muito mais fácil.
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Eu estava errada.
Sou destra, mas curiosamente, meu olho esquerdo é o dominante, e tive dificuldades para alinhar a arma com o alvo em movimento, adiantando-me o bastante para poder acertá-lo, não importa quanto eu tentasse compensar minha fraqueza.
À medida que passávamos de estação em estação, atirávamos em quatro alvos cada, a ângulos de 45 graus; tiros cruzados com inclinações de 75 graus à direita e à esquerda; ou direto para o alto. Existe até mesmo um alvo conhecido como coelho, que rola pelo chão.
Depois de minha sucessão de erros – passando sempre de raspão – o tranco no ombro era a parte menos dolorosa.
– Muitos atiradores inexperientes são mulheres e crianças – afirmou Jeff Maiorino, gerente geral da Dover Furnace, que estimou que 30 por cento dos clientes são mulheres, embora só tenhamos visto mais uma mulher durante o dia todo.
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– Acho que existe muito mais informação a respeito dos esportes de tiro, e as pessoas estão começando a chegar às próprias conclusões, ao invés de deixar que a sociedade dite o que elas devem fazer a respeito das armas. É uma ótima forma de ensinar a respeito da segurança, especialmente em família.
Os fabricantes de armas fazem tudo o que podem para atrair o público feminino, mas Maiorino acredita que armas e munições cor de rosa só servem para afastar.
– As mulheres querem fazer da mesma maneira que os homens, e com os mesmos equipamentos – afirmou.
É, quer saber, queremos mesmo.
Além disso, afirmou, o tiro ao prato olímpico é muito mais do que apenas atirar: o esporte é um estilo de vida, com armas que custam entre US$ 1,2 mil e US$ 250 mil, além de casacos, malhas e calças xadrez para dar um pouco mais de estilo.
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Pense em Balmoral, Land Rovers e na realeza. Ou, nas palavras da filha de 14 anos de Rebecca, Juliette:
– Maman, é isso que o príncipe faz?
Duas horas depois, Katrina, Marjorie, Rebecca e Suzanna tinham acertado pelo menos um alvo – ou uma porção deles. Mas eu só tinha estilhaçado minha autoestima.
Pelo menos, não havia hematomas, nem ossos quebrados, ninguém se feriu, nem se arranhou. Mas nossos passos estavam cheios de orgulho e não pensávamos em outra coisa.
Quando devolvemos o equipamento, sentimos o seu poder.