Será que existem profissões de homens e outras profissões de mulheres? Por muitos anos, as normas sociais diziam que sim: que atividades que exigiam força eram masculinas e tarefas relacionadas ao cuidado eram femininas. Mas essa realidade vem mudando: cada vez mais, as mulheres estão desafiando esses preconceitos e conquistando seus espaços.
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Há dois anos, a catarinense Jessica Krieger, de 26 anos, trabalha como técnica de telecomunicações na Grande Florianópolis. No dia a dia, ela faz instalação e manutenção de internet, sobe em postes, mexe em fios e carrega escadas. Única entre os colegas de trabalho, ela chama a atenção por onde passa.
— Cotidianamente, eu escuto: “Legal, nunca vi uma mulher!”. Ou: “Nunca vi uma mulher subindo um poste”, “nunca vi uma mulher trabalhar com isso” e tal. Escuto pelo menos uma vez por dia — relata.
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A rotina dinâmica da atividade foi o que chamou a atenção de Jéssica. Além das telecomunicações, ela trabalha também como eletricista e atendente em uma feira de orgânicos.
— Quero mostrar que a gente pode estar onde quisermos. Gosto quando as mulheres me veem passando, em cima do poste, e dizem: “Que massa!”. É esse brilho que eu gosto de ver nas pessoas. De tipo: “Uma mulher tá fazendo isso!”, sabe? E eu fico tipo: “Exatamente! Estou aqui e nós podemos” — complementa.
Assim como Jéssica, a engenheira mecânica Fernanda Royse é a única mulher no seu local de trabalho. Ela é professora do curso técnico de Manutenção Automotiva no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), em Florianópolis.
— Hoje, aqui no curso, a gente só tem duas alunas entre as 108 vagas que disponibilizamos. Temos poucas mulheres na área. Pouquíssimas. Acompanho algumas mulheres na internet que trabalham com mecânica, mas elas estão distantes e espalhadas — conta.
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Para ela, a presença feminina faz falta no setor:
— Acho que as mulheres se encaixam muito bem. Existe muito espaço para nós, porque temos algumas habilidades que são muito requeridas no mundo automotivo, como por exemplo, o nosso detalhismo, o nosso foco.
As mulheres são apenas 22,7% do total de estudantes matriculados nas graduações de engenharia, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na área de TI, são ainda menos: 15%. Entre os cursos de Matemática e Estatística, também são minoria, correspondendo a 38,5% do total de alunos.
Ainda assim, as mulheres acessam o curso superior mais do que os homens no Brasil. Elas correspondem a 60,3% do total de concluintes em cursos de graduação, chegando a representar 91% dos alunos da área de Bem-Estar, que inclui cursos como Serviço Social.
Fernanda vem tentando mudar essa realidade. Em 2019, criou o projeto Oficina de Mulheres, no IFSC, aberto à comunidade. As aulas ensinam manutenção básica de carros, como troca de pneus, de óleo e avaliação de motores.
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— Elas chegam aqui na primeira aula muito tímidas. Na segunda, um pouquinho menos. E na última elas estão realmente transformando suas vidas. Algumas não necessariamente entram para o mercado automotivo, mas o curso na vida delas acaba sendo um elemento transformador. Já vimos mulheres que começaram a se posicionar de maneira diferente dentro de casa, percebendo que são responsáveis por suas próprias vidas — orgulha-se a professora.
A partir do curso, as mulheres se aproximam de uma área que, para muitas, ainda é hostil.
— Como se tem essa ideia de que mulher não entende de carro, você acaba sempre ficando para trás. Eu queria entender o básico — relata a aluna do curso, Samantha Lobo, de 22 anos.
Criando espaços
Uma das alunas da Oficina de Mulheres foi Karine Martins Vasconcelos Nunes, de 31 anos. Filha de mecânicos, ela decidiu fazer o curso após o marido abrir uma oficina no bairro Areias, em São José. Acabou gostando. Atualmente, atende mulheres na oficina do casal:
— Tive uma ideia: “Por que não fazer um atendimento especializado para mulheres?”. Comecei colocando acessórios e enfeites femininos para vender na loja na oficina. E, depois, eu fui colocando serviços. Conforme eu ia aprendendo, ia incrementando.
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Karine também criou um perfil no Instagram, o Garagem da Suki. Por lá, ela explica manutenções básicas, dá conselhos a clientes e compartilha um pouco da rotina na oficina.
— Elas gostam, e eu acho que no lugar delas também gostaria. A gente se sente mais acolhida e segura. Sente mais confiança do que tá sendo passado para a gente, de que é um problema real do carro. Porque o mecânico ainda tem aquela fama de enganador, de que “não dá para confiar mecânico” — diz ela.
A técnica de telecomunicações Jéssica Krieger gosta de inspirar outras mulheres com o seu trabalho. Para ela, a ideia de que há profissões masculinas e femininas não passa de preconceito:
— Costumo dizer que a mulher só não domina o mundo porque ela não quer. Os homens têm mais estrutura, realmente, para fazer um trabalho mais pesado. Porém nada é impossível. Só basta a pessoa querer. Olha eu aqui, sou um exemplo: tô pegando uma escada que 90% dos homens pegam. Se dizem “ah, é pesado demais”, a gente junta duas, três mulheres, e fazemos o serviço.
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