Para muitas mulheres, ir às compras é sinônimo de frustração. Elas não usam nem P, M ou G, mas gostam de vestir as últimas tendências, que geralmente não estão disponíveis nos tamanhos delas. As lojas especializadas em modelagens maiores, ou plus size, surgiram para atender as necessidades dessas mulheres e abriram portas. No entanto, o caminho é longo ainda para as pessoas se livrarem do olhar viciado em padrões, e para que as marcas e a sociedade como um todo abracem os mais diferentes corpos.
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Depois de fazer diversas dietas malucas e desenvolver transtornos alimentares para tentar emagrecer e se encaixar no padrão que o namorado e a família esperavam, Lorena Coelho, 31 anos, se deu conta de que ser gorda não é sinônimo de falta de saúde, pelo contrário. Ela aceitou o próprio corpo e hoje tem orgulho de mostrá-lo, mas relata a dificuldade para encontrar as roupas que deseja.
— Algumas lojas, principalmente de departamento, quando tem tamanhos plus size são roupas muito feias que escondem o seu corpo. Eu não sou uma pessoa que gosta de esconder meu corpo. Gosto de usar cropped, calça com a cintura marcada. Geralmente são uns camisões gigan- tescos, com cores neutras. Não têm cores vivas, nem estampas. É só para ser funcional, não uma peça de moda. A gente sempre tem que garimpar muito para achar lojas e marcas legais que nos acolham — desabafa Lorena.

Thais Macedo, 29 anos, tem as mesmas queixas. Para ela, a roupa que veste faz mui- ta diferença na autoestima, principalmente ao vestir uma lingerie ou biquíni, quando o corpo fica ainda mais exposto. A pedagoga lembra que, mesmo dentro da moda plus size, há controvérsias, o que mostra ainda uma resistência para sair do “padrão”.
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— Muitos catálogos de roupa plus size têm modelos que são mulheres grandes. Elas têm uma estrutura grande, seios, qua- dril, mas elas não têm barriga, não têm do- brinhas nas costas, não têm gordurinha nas coxas. É um corpo grande, mas não neces- sariamente um corpo considerado como gordo. É como se fosse um novo padrão — declara.
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Para a psicóloga Tássya Costa, que atua atendendo pacientes com distúrbios alimentares, a insatisfação em relação ao corpo está ligada a sensação de pertencimento, de ser visto, de ser amado. A lógica da sociedade é padronizar, e quando uma pessoa não se vê nas fotos do Instagram, ou nem encontra roupas que sirvam, tem uma sensação de não pertencimento.
— É uma pauta que está tão impregnada na gente que aparece nas nossas relações cotidianas. As pessoas acabam emagrecendo ou ganhando peso por conta de situações específicas na vida delas. Por exemplo, eu perdi alguém, e não consigo comer. No dia a dia do trabalho, alguém pode dizer: “Nossa, como você emagreceu, como você está bonita”. Olha só que violência. A pessoa emagreceu porque não está bem. Então nós precisamos passar por uma reestruturação, de uma certa forma, social — explica.

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Moda e autoestima
A psicóloga Tássya Costa explica que na terapia com pacientes que sofrem de insatisfação com o corpo é essencial fazer a pessoa se amar. Para isso, é necessário ter uma boa rede de relações que vão incentivá-la a aceitar o corpo. É difícil mudar o comportamento da sociedade, então é preciso olhar para dentro e construir um amor próprio tão grande que será difícil o ambiente abalar essa pessoa.
— Amor próprio é muito mais do que skincare. É saber os seus limites, o seu corpo, saber aquilo que você gosta. Quanto mais a gente trabalha nossa individualidade, melhor conseguimos lidar com as questões que são colocadas socialmente. Vai na frente do espelho, olha pra você, e não problematiza as questões que você não gosta, ou o que viu no Instagram que você não tem. Olha pra você no sentido positivo. Quais são as coisas mais bonitas que eu tenho? — questiona a psicóloga.
Para Geanne Manzo, criadora da marca Donna Calcinha, gerar identificação ajuda na autoestima das mulheres, e a moda tem um papel essencial neste quesito:
— Como vou falar para uma mulher que ela tem que comprar uma lingerie da minha marca pra se sentir mais bonita se não crio essa ferramenta pra ela, de fazer uma lingerie que serve no corpo dela? Se vou atrelar o meu produto com essa experiência da autoestima, tenho que fazer uma peça que ela vai vestir e falar: “Nossa, não tem nada de errado com o meu corpo”.
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Foi essa a sensação que Lorena Coelho teve ao fotografar para a marca pela primeira vez:
— Quando eu olhei as fotos eu falei: “Como eu sou linda”. Eu sempre ficava em dúvida, mas quando você olha as fotos e vê que a lingerie ficou boa, está num tamanho bom, valorizando o seu corpo, a tua autoestima vai lá pra cima!

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Padrões de roupa para corpos despadronizados
Pensando na mescla de estruturas corporais, durante dois anos, técnicos do Senai/Cetiqt escanearam quase 7 mil brasileiras que vestem do 34 ao 62 nas cinco regiões do país. A pesquisa foi encomendada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o resultado surpreendeu: o corpo da mulher brasileira não é aquele conhecido como “violão”. Na verdade, 76% têm o formato retangular (busto, cintura e quadril alinhados).
A pesquisa mostrou que há na indústria da moda um nicho de estar atento ao formato de corpo predominante das brasileiras. O corpo que encontra roupas com mais facilidade é o “ampulheta” (cintura marcada, busto e quadril em proporção), que apenas 6% das mulheres possuem.
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A dificuldade para encontrar roupas motivou Geanne Manzo, 29 anos, a criar uma marca de lingerie e biquini sob medida, a Donna Calcinha. Apaixonada por costura desde nova, o objetivo dela foi criar roupas com o propósito de ajudar mulheres que não encontram peças para o tamanho delas.
Ela desenvolveu a própria tabela de medidas, que costuma ser muito maior do que a do mercado. Por exemplo, segundo a estilista, existem pessoas que vestem GG no mercado e na Donna Calcinha vestem M. Por isso, as clientes costumam mandar as medidas para a confecção das peças.
— As duas maiores preocupações que tive para criar a minha marca foram: pri- meiro, trabalhar com sob medida, porque os corpos são diferentes. Cada biotipo vai apresentar características diferentes, en- tão não tem como usar uma mesma tabela, mesmo padrão de modelagem, que não vai servir a todas as mulheres. E outro ponto muito importante foi trabalhar com tamanhos maiores. Porque hoje a nossa tabela de medidas veste do tamanho 34 ao 56 — diz.

Outra característica importante da marca de Geanne é como ela faz a divulgação das roupas. São mulheres reais que fotografam para as campanhas no Instagram, com os corpos despadronizados e imperfeitos.
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— Ainda hoje, marcas renomadas estão usando modelos que vestem 36 para divulgar um produto que deveria ter uma mulher tamanho 50 representando. Esse padrão existe dentro do mundo plus size também. Temos que trazer corpos reais que vão gerar essa identificação. Não fazer a foto de uma mulher que veste 46 toda tratada, tirando a celulite, as marcas de estria. O corpo real não é assim — destaca a estilista.
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Não há motivos para ser cruel comigo mesma
A comunicadora da Atlântida, Larissa Guerra escreveu um manifesto para ressaltar a importância de uma moda mais inclusiva que atenda a todos os corpos:
De quantas coisas nós mulheres já nos privamos por vergonha dos nossos corpos? Eu poderia passar horas aqui enumerando situações.
Sou uma mulher gorda, fui uma criança gorda, uma adolescente gorda. Fiz todos os tipos de dietas — a primeira, aos nove anos de idade e com 11 eu já tomava remédios controlados para emagrecer. Toda essa pressão para ser magra e me encaixar nos supostos padrões do que era aceitável para o meu corpo provocaram um dano imenso na minha autoestima.
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Como resultado, por muito tempo me escondi. Dizia que não gostava de praia, me escondia na hora de fazer alguma foto com minhas amigas, ou então fazia só aquela selfie marota com o rosto para não expor demais meu corpo.
Tudo foi mudando conforme comecei a procurar inspirações em outras mulhe- res com os corpos parecidos com os meus. Ao observar como elas se vestiam, como elas viviam a vida plenamente — indo à praia, praticando esportes, construindo carreiras, namorando, casando, separan- do, tendo filhos — passei a enxergar como meu corpo é absolutamente “normal”. Não tem nada de “errado” com ele. Errado está quem pensa o contrário.
Algumas iniciativas na moda também me ajudaram, de certa forma. Tecnicamente falando, sou o que a indústria da moda chama de “mid size”, ou seja: minhas roupas estão entre o suposto 42 e o suposto 46. Se vou comprar uma peça, fico sempre atenta à descrição das medi- das. E aceito que em muitos casos terei que fazer ajustes para que a roupa fique legal pra mim.
Além disso, ver marcas, especialmente com empresas locais lideradas por mulheres, diversificando a grade de tamanhos criam uma sensação de proximidade e acolhimento imensas. Como uma amiga querida sempre diz, não temos que servir à roupa, mas sim a roupa nos servir.
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Hoje em dia, honestamente, acho meu corpo lindo. Com todas as características. É com ele que conheço o mundo, que expe- rimento sensações, que tenho prazer. Não tem motivo para ser tão cruel comigo mesma. Definitivamente não tem motivo.