Camila Borba Soares trabalhava com internet quando se tornou mãe. Veio a pandemia e a solidão da nova realidade tomou corpo com o isolamento. Ganhou aconchego em outras mulheres que passavam pela mesma situação. O laço do grupo de WhatsApp se tornou um collab, chamado Casa Múltiplas, no centro de Florianópolis. Hoje, recebe de braços abertos mulheres e mães para clube de livros, yoga em família, café com espaço kids e produtos de 15 marcas locais de empreendedoras. A programação na casa sempre tem espaço para o filho Ben Soares Roecker, de cinco anos.

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As necessidades para capacitação, carreira, maternidade, sustento e até mesmo os gaps emocionais das diferentes fases da vida unem mulheres, de todas as idades, para movimentos como os de Camila. São collabs considerados embriões de cooperativas que ganham forma, unem forças e impulsionam novos caminhos.

Roberta de Souza Caldas é uma das líderes do cooperativismo no país – começou como caixa e atualmente é presidente da Transpocred, cooperativa do sistema Ailos. Atualmente, mais de 70% da equipe é composta por mulheres. Para ela, os grupos de mulheres que se unem em busca de um objetivo em comum são uma forma de introduzir esse modelo de negócio para quem ainda não conhece.

– O cooperativismo está ligado ao DNA feminino. Nós mulheres já estamos acostumadas a servir, quando somos mães, por exemplo. E cooperativismo é isso. É servir as pessoas, os negócios, as empresas (…). Eu acredito que onde tem união, mulheres juntas, se fortalecendo para atingir um objetivo comum, tem cooperação — diz a presidente da Transpocred.

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E é um sistema onde todo mundo ganha. Como explica a consultora de imagem, Bia Schmidt, 41 anos. Ela se apoiou no projeto da amiga Grasi Medeiros, fundadora do movimento Conecta Migra, para encarar o desafio de largar a venda de semi-jóias e empreender no visagismo, consultoria de cores e estilo pessoal:

– O grupo de mulheres dá visibilidade para o meu negócio. Em cada encontro são 50, 60 pessoas conhecendo minhas habilidades. Ainda que não tenha reversão em venda direta, crio contato, crio conexão. As pessoas só contratam quando têm uma relação de confiança. E quando tenho mais oportunidades de conhecer tantas mulheres de perto, fazer trocas reais, tenho oportunidade de ser contratada.

Sem minimizar os benefícios emocionais, o empreendedorismo e a capacitação são as principais portas que as mulheres buscam entrar com o apoio das outras. Uma pesquisa do Sebrae Nacional sobre empreendedorismo feminino aponta que as mulheres encontram na abertura do próprio negócio uma oportunidade de transformação em suas vidas. Em um cenário ainda desigual no mercado de trabalho, com menos oportunidades de ascensão e salários mais baixos para as mulheres do que para os homens, empreender torna-se uma alternativa para que as mulheres conquistem a independência financeira.

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A última pesquisa sobre o perfil do Empreendedorismo Feminino em Santa Catarina (2022) realizada pelo Observatório de Negócios do Sebrae/SC, em parceria com o Sebrae Delas Mulher de Negócios, identificou o perfil das empreendedoras catarinenses, comparativamente ao de empreendedores homens. As questões sociais e de gênero sofridas pelas mulheres, como os impactos na renda e a desigualdade racial, ficaram evidentes nesse levantamento. Em relação à gestão do negócio, a pesquisa mostra que elas são mais inovadoras, têm mais facilidade em gerenciar equipes e têm maior preocupação com a governança e com a sustentabilidade, além de dar ênfase aos valores e princípios do negócio.

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Incubadora de pequenos negócios

Criada há seis anos, a Enxame é uma loja colaborativa que trabalha apenas com pequenas marcas de Blumenau e região. A empreendedora Maria Eduarda Boaventura oferece o espaço físico e aluga nichos para as marcas exporem produtos dentro do local. Dessa forma, os negócios que ainda estão engatinhando podem se dedicar principalmente na produção e divulgação de produtos, e a loja faz gestão de venda presencial.

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Roupas, bolsas, acessórios para pets e até trajes para a Oktoberfest estão entre os produtos vendidos. Apesar de não ter iniciado com o propósito de ser uma loja exclusivamente feminina, a fundadora da Enxame conta que hoje a maior parte das 23 marcas são de mulheres.

– A ideia do Enxame inicialmente não era trabalhar só com mulheres, mas foi algo que foi acontecendo naturalmente e acho que cada vez faz mais sentido. Hoje 95% das nossas marcas são só de mulheres e outras são de casais ou famílias. Acho que o fato de acontecer naturalmente demonstra a força do empreendedorismo feminino – conta Maria Eduarda.

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Impulso para o salto do empreendedorismo

Foi a partir de uma necessidade pessoal que Grasi Medeiros plantou a semente para o Conecta Migra, que hoje ajuda 90 mulheres e tem a perspectiva de alçar voos ainda maiores. Depois de trabalhar 14 anos com carteira assinada, começou a dar forma ao sonho de ter uma de roupas. Se viu sozinha, sem amparo e com dificuldades.

– Era eu por eu. Comecei a me aproximar de mulheres que também estavam começando. E passamos a nos ajudar trocando experiências. Depois tivemos a ideia de uma divulgar o trabalho da outra. Logo criamos um grupo e passamos a nos encontrar, e dali surgiram muitas outras ideias e projetos. Literalmente é um ecossistema onde encontramos produtos que nós mesmas precisamos no dia a dia. E isso nos fortalece nos nossos negócios.

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O Conecta tem encontros presenciais, grupo no WhatsApp e eventos, onde cada uma faz a apresentação do seu serviço para um público externo.

– Sei que se eu precisar, muitas mulheres do grupo vão me dar as mãos. Me sinto mais forte, mais feliz. É literalmente uma rede de apoio estruturada.

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Capacitar, mas, sobretudo, fortalecer

A Laís Fernanda Santos começou com um serviço de banho de cachorros nos fundos da casa do irmão, na comunidade do Monte Cristo, na Grande Florianópolis. Ela trabalha de carteira assinada em horário comercial, e das 18 as 22 horas e aos finais de semana, empreendia. O desejo de ser a dona do próprio negócio sempre foi um sonho. Em determinado momento ela até tentou, mas não deu certo.

Foi uma tentativa frustrada, foi em um momento que não era favorável. Sofri uns 5 anos a dor da perda do negócio. Depois disso voltei a trabalhar de carteira assinada relembra.

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Um curso de vendas e marketing, oferecido de maneira gratuita pela associação de mulheres empoderadas do monte Cristo – AMMO, foi o combustível que faltava para que a fantasia se transformasse numa realidade segura. Atualmente, o sustento dela e dos três filhos vem da sua prória petshop.

O medo de não dar certo, me deixava com muito medo de empreender Mas quando eu fiz os cursos, eu botei meus sonhos no papel e tive uma visão mais ampla da onde eu queria chegar. Quando eu terminei os cursos eu saí do me emprego de carteira assinada, eu só queria começar logo no meu negócio. Eu fui preparada para me sentir segura, me capacitaram disse.

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Mas casos como o da Laís, dentro da comunidade – uma das mais vulneráveis da capital catarinense – eram raros até o ano passado. Mesmo oferendo capacitação gratuita em diversas áreas para as mulheres, a AMMO não via o conhecimento ser transformado em negócio e, consequentemente, em empoderamento e emancipação feminina.

Em 2021 a gente qualificou mais de 200 mulheres com cursos profissionalizantes. Em 2022 a gente foi em busca dessas mulheres que tinham se capacitado conosco, a gente viu que nem 30% dessas mulheres estavam de fato empreendendo ou no mercado de trabalho. A gente começou a entender, a partir de um curso de desenvolvimento sócio emocional com jovens, que a gente tinha que começar a trabalhar mais o emocional para que de fato essas mulheres conseguissem se enxergar e assim se empoderar para receber uma qualificação profissional destaca Jaqueline Ribeiro, gestora de projetos AMMO.

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Katya Lichtnow, que também é gestora de projetos da AMMO, reforça:

O empreendedorismo é algo complexo, não é algo simples, não é algo que tem um manual como uma empresa ou uma profissão tradicional que você segue um script. O empreendedorismo exige que a pessoa enxergue 360° e trabalhe e seja também 360°. E ele é bem desafiador principalmente pras mulheres e, principalmente, para mulheres que tem já várias outras amarras sociais, psicológicas e mentais. Elas não conseguem se enxergar neste lugar, elas não tiveram apoio, uma oportunidade, um preparo para enfrentar esse mundo e também para empreender.

Desde então associação oferece rodas de conversa e dinâmicas de autoconhecimento. As atividades são realizadas de 15 em 15 dias, aos sábados, e são abertas tanto para mulheres estão realizando cursos quanto para o restante da comunidade. Entre 50 e 70 mulheres participam das atividades e o impacto, segundo a Katya Lichtnow – gestora de projetos da AMMO, já começa a ser sentido dentro da comunidade.

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Percebemos que quem participa dessas rodas de conversa se desenvolve muito mais profissionalmente. Elas conseguem aproveitar esse conhecimento em prol da geração de renda afirma Katya.

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Hoje você pode oferecer a melhor qualificação profissional mas essa pessoa não se compreender não se entender não conhece não esquecer ela não vai acessar essa qualificação esse conhecimento. E aí quando a gente traz um curso de qualificação profissional pra essa mulher que já está preparada para receber, a adesão de 100%. Ela consegue absorver esse conhecimento, ela consegue empreender. Hoje a gente tem mulheres que já passaram por essa trilha e estão conseguindo empreender, por quê? Porque elas aprenderam a se conhecer, a se desenvolver reforça Jaqueline.

A Anita Malacarne é uma das mulheres que não perde nenhum destes encontros. Ela que sempre fez pequenos consertos de roupas, inclusive para conhecidos, tá pensando em ir além. Desde o início do ano participa do curso de corte e costura oferecido pela associação. Atualmente, já faz peças de roupas – como blusas e calças. Orgulhosa, ela veste uma das peças durante a nossa entrevista e afirma que o plano de abrir o próprio negócio já está começando a ser estruturado.

Nas rodas de conversa, a gente fala de tudo que você sentindo. Você escuta o problema da outra pessoa e pode contar os teus. Falamos do que cada uma sente, o que você está aprendendo. Lá você pode ajudar uma pessoa e também ser ajudada. Na nossa comunidade a gente precisa disso. Eu hoje pretendo abrir meu negócio. Eu já consegui uma máquina. Vou ver se eu consigo comprar uma outra máquina mais eficiente, para eu poder abrir alguma coisa lá em casa conclui.

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A AMMO aposta justamente na potência, força empreendedora e colaboração feminina para quebrar o ciclo de vulnerabilidade na comunidade.

A gente entende que pra mulher florescer o dinheiro não é o suficiente. Ela precisa se entender como ser humano, como ser independente, livre e autônomo. Donas dos seus sonhos. Para também poder fortalecer a próxima geração que ela traz. Para que a mulher consiga se curar e melhorar de dentro pra fora, pra depois pensar na geração de renda e nos outros processos que nosso mundo exige finaliza Katya.

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