A companheira do pai do adolescente supostamente agredido por um policial militar em São Francisco do Sul no dia 12 de fevereiro conversou pela primeira vez com uma equipe de reportagem nesta semana. A mulher, que também é proprietária do comércio onde ocorreu o episódio, relatou ao jornal “A Notícia” que a abordagem foi excessiva.

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Ela conta que o pai e o adolescente chegaram ao estabelecimento por volta de 21 horas do dia 12, uma sexta-feira. Eles ficaram no lado de fora do comércio, onde havia outras pessoas. Os estabelecimentos comerciais em volta também estavam abertos e movimentados.

Após alguns minutos, chegaram ao local a viatura do patrulhamento tático, três motocicletas e uma viatura descaracterizada da Polícia Militar. De acordo com a madrasta, os policiais desceram dos veículos ordenando que todos colocassem as mãos na cabeça e encostassem na parede.

O fato de o enteado se virar na direção dos policiais no momento da abordagem teria sido o suficiente para que ele sofresse a agressão. Segundo a mulher, o cabo da PM teria golpeado o garoto na boca com a mão aberta. Com a violência do golpe, o adolescente caiu.

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A mulher conta também que familiares e conhecidos do jovem foram impedidos pelos policiais de se aproximar e socorrê-lo enquanto a abordagem não terminasse.

Depois de verificar os documentos de todas as pessoas abordadas, os policiais deixaram o local sem fazer qualquer prisão ou apreender algo ilícito. Uma jovem que teria filmado a ação do outro lado da rua desistiu da gravação após supostamente ter sofrido retaliação dos policiais. Desde então, o jovem está internado no Hospital Infantil de Joinville, sem previsão de receber alta. O adolescente apresenta falhas na memória e dificuldades para falar.

A reportagem tentou ouvir a versão do policial acusado de agressão, mas a corporação informou que ele ainda não prestou depoimento. A corregedoria pretende ouvir primeiro as testemunhas de acusação. O cabo da PM continua atuando no patrulhamento em Joinville. No dia do ocorrido, ele estava atuando na Operação Veraneio, em São Francisco do Sul.

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Vídeo confirma a dificuldade de de comunicar do adolescente

A reportagem de “AN” teve acesso a um vídeo gravado no hospital, mas não fará a divulgação das imagens para preservá-lo. Na gravação, um familiar do jovem pede para que ele repita algumas palavras. Porém, o adolescente tem dificuldade para completar as palavras e esquece rapidamente o que foi dito. O garoto também não consegue se lembrar do nome de pessoas próximas, como primos e amigos. Ele se esforça para responder às perguntas, mas se irrita quando não consegue ter sucesso. A atividade foi proposta pela equipe médica para exercitar o raciocínio dele.

Caso é investigado pelas Polícias Civil e Militar

Um inquérito policial-militar foi instaurado para verificar se houve excesso na atitude do cabo da PM. A corregedoria está tomando os depoimentos das testemunhas de acusação. Na próxima semana, devem ser ouvidos os policiais que também participaram da ação. O policial suspeito pela agressão será ouvido por último. O prazo para encerrar a investigação é de 40 dias, podendo ser prorrogado por mais 20 dias. Um boletim de ocorrência também foi registrado na delegacia de Polícia Civil. O delegado responsável pelas comarcas de São Francisco do Sul, Araquari e Itapoá deve verificar o andamento da investigação na segunda-feira.

“A pancada arrebentou a boca dele”

A Notícia – Quando os policiais fizeram a abordagem, eles explicaram o que estava acontecendo?

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Madrasta – Eles chegaram, desceram do carro e já falaram assim: “Todo mundo com a mão na cabeça e na parede, isso é uma abordagem”. Não falaram nada. Perguntei de imediato se era uma denúncia de alguma coisa, o porquê daquilo, mas não responderam. Faz dois anos que tenho o comércio aberto, nunca tive nada de irregular. É um estabelecimento em que vai bastante família.

AN – Por que o adolescente foi agredido?

Madrasta – Quando ele (adolescente) ouviu (o chamado do PM), virou o rosto para olhar e ali ele recebeu a pancada de mão aberta que estourou a boca dele. Foi automático. O pessoal que estava do outro lado da rua falou que escutou a pancada do tapa no rosto do menino. Depois da pancada, ele foi caindo, bateu no braço de um rapaz que estava em pé e ficou no chão.

AN – A polícia não permitiu que vocês prestassem socorro ao menino?

Madrasta – O pai dele tentou ajudar, mas o policial não deixou. Disse que era uma abordagem e que era para colocar a mão na cabeça e ir para a parede. Não deixava a gente falar nada e ele (adolescente) ficou ali, desacordado, no chão. Depois, o meu neto, de 12 anos, levantou ele e ficou do lado, mas ele estava tonto ainda. A boca ficou bem machucada, enterrou o aparelho (ortodôntico) no dente. O lábio inchou na mesma hora. Na testa, ficou um caroço. O pai viu o nome do policial na farda e falou: “Vou procurar a Justiça, isso não se faz”. O policial respondeu: “Pode procurar o papa, o coronel, o presidente, quem manda aqui sou eu e cala essa boca”.

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AN – Qual era o estado de saúde do menino após a abordagem?

Madrasta – A pancada arrebentou a boca dele. O aparelho (ortodôntico) foi para dentro. Nós o levamos para o Hospital Nossa Senhora da Graça. Ele estava em estado de choque, assustado, escorria lágrima do olho dele, mas não falava nada. Só ficava com as mãos na boca. A moça do hospital chamou o Conselho Tutelar. O médico fez alguns exames e a radiografia mostrou que havia fratura em dois dentes e a cabeça estava com edemas. Deu medicamento e disse que ele tinha que ficar mais três horas sem dormir. Ele foi dormir quase às 5 horas. A gente conversava com ele e ele não falava nada.

AN – Quanto tempo depois o estado de saúde piorou?

Madrasta – No outro dia, ele continuava quieto e parado, só dizia que estava com dor na cabeça. Na tarde de sábado, ele começou a convulsionar. Na cama, deu uma convulsão bem forte. Ele estava todo torto, a boca chegou a ficar retorcida, de tão forte. Fiquei nervosa, comecei a gritar e a chorar. Chamei os bombeiros porque já estava dando outra convulsão. Levaram ele para o Nossa Senhora da Graça, onde deu mais quatro convulsões seguidas. Depois, encaminharam para o Hospital São José (em Joinville), onde ele ficou três dias, e depois foi levado para o Hospital Infantil.

AN – Qual é a situação dele hoje?

Madrasta – Não conversei diretamente com o médico no (Hospital) Infantil, mas acompanho todos os dias. Ele não está muito bem. Tem hora que conhece, mas tem hora que não conhece (as pessoas). Como está com inchaço no cérebro, que comprime o crânio, ele perde a memória. Quando o medicamento faz efeito, aí começa a falar, só que não fala corretamente como antes. Não conseguiu ter melhoras e agora fica irritado por isso.

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AN – Como ficou a família depois disso?

Madrasta – A nossa família está bem triste e chocada. É um menino bom, que não tem maldade. Ele não parece ter 16 anos, a estrutura do corpo dele é pequena. Ele gosta de brincar de pipa, de bicicleta. A gente não quer generalizar porque tem muitos policiais bons, alguns amigos nossos, só que essa atitude, não sei se ele (policial) estava estressado e veio fazer isso com o menino. Foi uma situação constrangedora até para o comércio. A gente espera que Deus dê uma luz e o menino melhore rápido, saia do hospital e consiga voltar a ter a vida que ele tinha. A gente também espera que a justiça seja feita e o policial seja punido pelo que fez, porque amanhã pode ser outra criança. Se ele teve o poder de fazer isso, também tem que ter o poder de arcar com as consequências.

* O nome da madrasta foi preservada nesta reportagem para que o adolescente não tivesse a identidade revelada.