A estilista alagoana Martha Medeiros é neta de uma professora de artes que costumava dizer que roupa de boneca tinha que ser como roupa de gente.
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– Minhas amigas pegavam um pedaço de pano, faziam dois buracos para os braços e a roupa estava pronta. Minha avó dizia que roupa de boneca tinha que ter gola, bolso faca, bainha italiana. As laterais de listra tinham que bater. Nunca consegui comprar uma blusa em que as listras não batessem.
Martha cursou direito, trabalhou como bancária e formou-se na primeira turma do curso de moda do Senac. Com o domínio do corte e costura, natural que se direcionasse para o mundo das confecções. Sua primeira loja foi batizada de Martha Boutique. Era mais uma multimarcas em Maceió.
Martha conta que detestava época de liquidação – “aquele caos…”. Então saía, ia visitar as comunidades de rendeiras. Segundo ela, as lojas multimarcas tinham dificuldades para antecipar tendências quando virava a estação. O desejo das clientes de comprar modelos era mais rápido que o ritmo de entrega das fábricas.
– Eu ia já sabendo a cor que estaria na moda e fazia as rendas no shape e nos tons da nova coleção. Então, eu levava as rendas para a loja e eram as primeiras peças que vendia.
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Hoje, as criações rendadas de Martha saem da pequena fábrica (sete modelistas e costureiras produzem apenas 20 peças por mês, a maioria sob medida) diretamente para as araras de suas lojas próprias, em São Paulo e Maceió, mais 20 pontos de venda espalhados pelo Brasil e endereços internacionais, incluindo a inglesa Harrods e a badalada Bergdorf Goodman, endereço nobre de Nova York, onde dividem espaço com grifes como Elie Saab e Marchesa.
Agora, além das brasileiras Deborah Secco, Raica Oliveira, Marília Pera e Hebe Camargo, mulheres europeias, orientais e norte-americanas desfilam em refinados eventos vestidos de renda renascença, de filé e bilro feitas por mãos nordestinas. E pagam o preço da exclusividade: um vestido, que pode envolver o trabalho de dezenas de artesãs, custa a partir de R$ 4,5 mil e pode chegar à casa dos cinco dígitos.
– Não consigo fazer um vestido todo em renda em menos de 10 meses. Um trabalho mais elaborado leva no mínimo 14 meses. A gente faz assim: se uma noiva ama orquídea, faço o vestido inteiro de orquídeas.
De tanto ouvir a avó dizer que “podia faltar comida em casa, mas nunca flores frescas”, a neta aprendeu uma singela lição de beleza:
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– Quando vejo coisas lindas, penso: “Isso nasceu para ser lindo”. Eu faço vestidos para serem lindos para sempre…
Fonte de renda
Mais de 300 rendeiras produzem a matéria primorosa com a qual Martha realiza suas criações. Organizadas em sistema de cooperativas, artesãs de oito comunidades passam pelos programas de capacitação e valorização da empresária – que se refere a elas como “minhas rendeiras”.
– No início, todas as minhas rendeiras tinham mais de 70 anos. Eu dedico muito empenho para que esse trabalho não acabe. Estamos batalhando para abrir escolas de renda na zona rural, na região do vale do rio São Francisco. Tem pessoas que me ajudam em todas as áreas, o contato com a rendeiras eu gosto de fazer pessoalmente. Eu faço mil quilômetros para ir e mil para voltar. Passo oito, 10 dias com elas. Saio do mapa.
Pelo menos uma vez por mês, a estilista deixa o apartamento onde mora, nos Jardins, em São Paulo, rumo a Maceió, sua terra natal. Quase não usufrui a confortável casa que construiu ali. Costuma seguir direto para Piranhas, a 280 quilômetros da capital.
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Esta dedicação levou o trabalho de Martha ao mercado internacional e à final do Prêmio Claudia 2011, concedido todos os anos pela revista para mulheres empreendedoras. No caso especial de Martha, o espírito empreendedor tem o duplo mérito de manter viva uma rica tradição e ainda gerar empregos, renda e dignidade.
– Queria tirar a cara de toalha de mesa e sofisticar a renda brasileira – explica. – Dar uma linguagem contemporânea ao artesanal.
Martha por Martha
Martha Medeiros, estilista
Conheço boa parte da obra da escritora Martha Medeiros, tanto as crônicas como os livros, e o que eu mais amo é Feliz por Nada. Já li e já dei vários livros de presente. Adoro quando me confundem com ela! E sempre digo que não sou eu quem escreve aqueles textos lindos, mas a vontade que tenho é de ficar calada…
Há uns dois anos, eu estava indo a Brasília e precisava ficar hospedada no hotel do centro de convenções onde seria realizado o meu desfile, já que dia de desfile é uma loucura. Eu costumo viajar bem cedo, chego ao local, começo a prova de roupas e no fim da tarde preciso tomar um banho e me arrumar.
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Dias antes da viagem, telefonei para o hotel e o setor de reservas me informou que estava lotado. Eu implorei que me conseguissem qualquer apartamento, pois eu só precisaria trocar de roupa para o desfile e depois dormir, já que voltaria a São Paulo no dia seguinte. Como insisti muito, eles me informaram que tinha um quarto de serviço, só ocupado quando ocorria overbook, que era superpequeno e dava aos fundos do hotel. Bem, fiquei com o quarto, já que não tinha outra opção…
Quando cheguei para fazer o check in, entreguei o fax da reserva e a recepcionista imediatamente chamou o funcionário e disse: “Martha Medeiros, suíte presidencial, terceiro andar”. Fiquei calada e pensei: “Como estou famosa em Brasília! Já me sinto a estilista oficial da Corte!”.
Ao entrar, a suíte era absurdamente grande e luxuosa, com uma porta enorme. Uma vozinha invejosa soprou em meu ouvido: “Você sabe que este mundo não te pertence!”. Lá dentro, na primeira sala da suíte, havia uma mesa enorme, com uma cesta maravilhosa de chocolates, bandeja de frutas cristalizadas, uma fruteira de prata com frutas frescas e um arranjo com muitas dezenas de flores e um cartão:
“Martha Medeiros (pensei: sou eu!!!), é uma honra ter você hospedada no nosso hotel (pensei: estou famosa mesmo aqui em Brasília). É uma das mulheres mais incríveis deste planeta (pensei: tá difícil!). Amo tudo que você escreve (voltei para a minha realidade!). Ass. (não lembro mais o nome), gerente do hotel”.
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Sentei na mesa e comi todos as Nhás Bentas enquanto decidia o que fazer. Então peguei o cartão, fui à recepção e pedi para falar com o tal gerente. Ele veio sorrindo – já sabia que eu não era a Martha Medeiros que ele tanto admirava. Pedi desculpas pela decepção e falei que ele poderia me mudar para o tal quartinho que havia reservado. Ele foi extremamente gentil, não me trocou de apartamento e ainda foi assistir ao meu desfile.
E eu tive uma noite de princesa, graças ao carisma e admiração que todos têm pela minha xará Martha Medeiros!
::A estilista escreveu sobre a xará a pedido da revista Donna.
Martha Medeiros, escritora
Tenho uma homônima que rende histórias divertidas. Aliás, o verbo render está bem empregado aqui, pois ela é uma estilista de Maceió que usa renda na maioria das suas belas roupas, e ela está cada dia mais famosa, tem loja em São Paulo e suas criações estampam editoriais da Elle, Vogue e outras revistas de moda. Se eu a conheço? Ainda não pessoalmente.
É uma frase que nunca imaginei escrever: eu só conheço a Martha Medeiros por telefone. E a gente ri muito com as confusões que são geradas por termos o mesmo nome. Eu não possuo site oficial, ela sim: www.marthamedeiros.com.br. Já cansei de receber e-mails de leitores que entram no site e, distraídos, se surpreendem por eu, além de escrever, ser uma stylist reconhecida e prestigiada. Logo eu que mal sei pregar um botão.
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Por outro lado, ela me contou que uma vez se hospedou num hotel em Brasília. Chegou à recepção e teve uma surpresa: o gerente havia trocado o apartamento standard que ela reservara por uma suíte master. Ao entrar no quarto, flores e uma cesta de frutas a aguardavam, com um singelo cartão: “Seja bem-vinda ao nosso hotel. Gostamos muito do que a senhora escreve”. Ela, educadíssima, desfez a confusão, e o gerente do hotel, igualmente educado, a manteve na suíte master, óbvio. Quando ela me contou, às gargalhadas, sobre as mordomias que estava desfrutando em meu nome, não acreditei: “Já estive em tudo quanto é hotel do Brasil e nunca me transferiram para uma suíte master, é injusto!”. E ela tripudia: “Comigo já aconteceu duas vezes por sua causa”.
:: A escritora publicou originalmente este texto na Revista Zaffari.