– Nasci aqui e quero morrer aqui. Amo essa cidade.

Assim começa a entrevista com Alcina Julia da Conceição, 94 anos – mulher, negra e neta de escravos -, uma história viva do passado do município de São José, na Grande Florianópolis, que completa nesta segunda-feira 262 anos de fundação.

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A senhora com os cabelos brancos em contraste com a pele escura é quem nos conta histórias do tempo quando os homens andavam com chapéus e as mulheres, com seus vestidos longos, sentavam-se nos jardins das casas para conversar. Cega e com um terço nas mãos, ela nos faz viajar ao passado.

– Quando tinha 13 anos vi o Zeppelin passar. Era um tempo muito bom, não tinha perigo, malandragem e nem drogas. – lembra com nostalgia, referindo-se ao antigo dirigível.

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Alcina nasceu em 1918, em uma antiga região chamada de Mato da Coruja, próximo ao Centro Histórico. Desde cedo ajudava nas despesas da casa. Da infância pobre, lembra quando ela e os quatro irmãos se sentavam na sala da pequena casa de madeira para ouvir as histórias de sua avó, Julia da Conceição, que veio em um navio negreiro, da África.

– Ela contava que vieram todos em um porão e os que ficavam doentes na viagem eram jogados ao mar – lembra.

Berbigão e ostras na Praia Comprida

Para ajudar em casa, Alcina colhia ostras e berbigão na Praia Comprida. Mais tarde trabalhou como empregada na casa de vários senhores na cidade e, aos 15 anos, começou a trabalhar como lavadeira. Ela e mais 13 jovens, tiravam o sustento lavando roupa no Beco da Carioca. O prefeito era João Machado Pacheco Junior (1933-1941), e o Beco da Carioca, um dos locais mais bonitos da região.

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– A água era pura e cristalina. Naquela época, não tínhamos água da Casan. Vinha gente de Florianópolis pegar água de tão cristalina que era. A gente ficava de joelho, esfregava a roupa com sabão Joinville e colocava a roupa pra ferver no tacho. Hoje deixaram o local se acabar – lamenta.

Católica fervorosa e devota de Nossa Senhora Aparecida, Dona Alcina lembra com saudade das festas religiosas. O dia de São José, padroeiro da cidade, comemorado em 19 de março, ela não perdia. Da época, sente saudades também dos bailes entre os negros.

– Era atrás da igreja. Era só aparecer alguém com violão, um cavaquinho, depois o pandeiro e pronto. Afesta estava feita – conta ela.

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Tempos que não voltam

Falta também do antigo armazém que moradores se reuniam. O local ainda existe na esquina entre a praça e a atual Câmara de Vereadores. O cinema, a cadeia em frente à praça e onde hoje é o museu, que foi um dia casa de José Laurindo, fazem parte das lembranças de Alcina.

– Na praça, em frente à igreja ficava a rapaziada vendendo bala. Me lembro que onde hoje é o Hospital Regional era um convento de padres – conta.

Alcina até hoje mora no Centro Histórico. Ela tem 21 netos, 47 bisnetos e 18 tataranetos e diz que não sai de São José, cidade que nasceu e que escolheu para viver e morrer.

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