A professora Lélia Pereira Nunes terminava de enfeitar a árvore de Natal da família quando fizemos o convite para que colocasse em palavras o que a data representa. Ela ficou emocionada e, embalada pelo clima de final de ano, escreveu um texto enorme. Após lidas e relidas, chegou ao tamanho ideal. Nele, estão refletidos os sentimentos e as memórias da escritora.

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Numa pequena caixa de madeira descubro chumaços de algodão que um dia cobriram galhos da árvore de Natal, como se fossem flocos de neve dos natais de outras terras

Nossa tradição é assim…

As cidades se vestem para o Natal cada ano mais cedo. Mal acaba outubro e o Natal já está nas ruas, praças e lojas, a deslumbrar a vista. Não há quem resista ao seu apelo de valor simbólico extraordinário. Respira-se Natal.

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Muda o mundo, mas o Natal é sempre Natal, com toda sua magia e encanto. O tempo, tanto o de ontem quanto o de agora, será sempre presente e eternamente novo. Ontem, os dias eram compridos, as horas marcadas com lentidão. Como custava a chegar o Natal! Só no verão, no último mês do ano, em dezembro. Agora, engolimos as horas, o ano se esvai na força da corrente e cada vez mais nos reduz o tempo. São as mudanças do tempo, “que ora nos traz esperanças, ora nos dá a incerteza”, escreveu o poeta Mario Quintana.

Isso faz lembrar os dezembros de minha meninice, quando, ao entardecer, olhava o céu tingido de vermelho lá na linha do horizonte e minha mãe dizia que o céu se preparava para a vinda do Menino Jesus. Os campos, muito verdes, cobertos por uma profusão de margaridinhas amarelas que florescem nesta época do ano. Um amarelo tão lindo que até parece que o sol derramou seus raios com desleixo e ali deixou-se ficar.

A árvore de Natal era enfeitada no primeiro dia de dezembro. Ficava prontinha com presépio e tudo. Porém, como manda a tradição açoriana, sem a figura do Menino Jesus, que era entronizada na noite santa e, os reis magos, a 6 de janeiro. Nada era esquecido: a barba-de-velho, os seixos, a estrela de ouropel, as delicadas bolas e enfeites de todos os feitios que brilhavam no tremular das velas coloridas presas nas pontas dos galhos, mais tarde substituídas por cordões de pequeninas lâmpadas pisca-pisca a cintilarem com sua luz branca, iluminando nossa árvore como os pirilampos em noites de verão.

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Imagens que chegam à lembrança enquanto vou retirando os enfeites que jaziam esquecidos no armário desde o último Natal. Deixo as lembranças assomarem e viajo pelos caminhos da memória, principalmente uma memória que com frequência se intromete na vida corrente, trazendo um pedaço da minha existência de um jeito muito terno e querido. Vasculho reminiscências de outros natais: da menina, da jovem cheia de sonhos, da mulher-mãe e dos natais dos nossos filhos. Revisito momentos e pequenas tradições cúmplices da minha história de vida.

Numa pequena caixa de madeira descubro chumaços de algodão que um dia cobriram galhos da árvore de Natal como se fossem flocos de neve dos natais de outras terras. Lugares de encanto descritos nos contos de Hans Christian Andersen. Imagens luminosas de gravuras coloridas, delicadas, enfeitando as barras de chocolate ou ilustrando cartões de Boas-Festas que vinham de longe. Meu imaginário voava em trenós encantados e sonhava acordada com aquelas terras do Natal com neve.

Ah, o Natal tropical! Ensolarado, quente e tão diferente do branco Natal do Hemisfério Norte. Nosso Natal é assim: tem cheiro e cor de verão, de mar, de sol, de chopinho gelado, de pele bronzeada, dourada, de água de coco, de caipirinha, de samba. Frio ou gelado só o sorvete, de todos os sabores tropicais.

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Nosso Natal tem o aroma indescritível de canela, de cravo, de frutas secas que impregnam a casa e que se misturam aos cheiros e sabores da cozinha onde são preparados os pratos salgados, os doces e o bolo de Natal feito com mel e frutas, receita de família, rabiscadas num velho caderno que passou de mão em mão no correr da vida.

O verdadeiro encanto do Natal catarinense está na essência do celebrar no seio das famílias, entrelaçando usos e costumes, sejam eles açorianos, germânicos, italianos, eslavos ou outras etnias. Identificados no bolo de Natal, no panetone, no honigkuchen, no stollen, no kutiá, na tradicional ceia onde não pode faltar o peru e, finalmente, a troca de presentes à meia-noite.

É o tempo natalino tomando conta do nosso coração. É hora de reflexão e de atitudes positivas, de se juntar ao esforço coletivo e solidário para que todos tenham um Feliz Natal.

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Olho a minha árvore montada ao lado do singelo presépio e agradeço ao Menino Deus a alegria de viver mais um Natal. Assim, nesta travessia para 2012 quero olhar o Ano-Novo (e os próximos) com os olhos do vaqueiro Manuelzão de Guimarães Rosa:

“Miguilim, Miguilim, eu vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder então ficar mais alegre, mais alegre, por dentro!”

(In: Manuelzão e Miguilim,30ª ed.1984)