Mais de 10 anos após ser reconhecida como comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares, as cerca de 100 pessoas que vivem na comunidade remanescente do Quilombo Santa Cruz, em Paulo Lopes, na Grande Florianópolis, ainda esperam pela regularização da terra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Por conta de tanta demora, o Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF/SC) ajuizou ação civil pública requerendo que o Incra adote as providências necessárias para a efetiva regularização do território quilombola ocupada há mais de um século, de acordo com o MPF/SC.
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A ação, proposta pela procuradora da República Analúcia Hartmann, requer a realização e a conclusão em tempo razoável, não mais do que um ano, do procedimento administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pela comunidade.
O MPF/SC pede também que seja determinado ao Incra que assegure, através da adoção de providências administrativas e dos processos extrajudiciais e judiciais que se façam necessários, a plena, livre, franca e segura fruição da terra quilombola pela comunidade, inclusive defendendo-a contra terceiros.
Conforme consta na ação, mais de 11 anos depois do início do processo da regularização territorial reivindicada pela comunidade do Quilombo Santa Cruz, o réu (Incra) ainda não concluiu os trabalhos necessários.
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— Neste aspecto, importante destacar que não pode (nem deve) toda uma comunidade ser tolhida do seu direito constitucionalmente assegurado pela ineficiência da administração, devendo ser-lhe assegurado o atendimento de acordo e respeitando-se os princípios da eficácia e da razoabilidade — argumenta a procuradora da República Analúcia Hartmann.
A concessão do direito de propriedade aos remanescentes das comunidades quilombolas – instrumento de inclusão e de promoção da justiça social, já que seus beneficiários são majoritariamente pessoas em situação de miserabilidade – é a garantia de subsistência dessa cultura e população.
Além disso, neste caso específico, a comunidade está sofrendo pressão de ocupantes da vizinhança, que vêm cercando caminhos e áreas anteriormente livremente utilizadas pelos quilombolas para acesso e para agricultura de subsistência.
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Contraponto
Em nota encaminhada ao G1 SC, o Incra disse que uma equipe interdisciplinar foi contratada para realizar um estudo antropológico na comunidade, material que está embasando a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), etapa atual do processo referente a comunidade.
O Instituto disse ainda que como se trata de um processo criterioso e que tem apenas um servidor antropólogo responsável pelas análises de todas as comunidades quilombolas catarinenses, acabam ocorrendo atrasos. Informou que ainda não foi notificada sobre a ação do MPF e deverá se manifestar no processo quando citada.
Identificação
Os quilombos são reconhecidos desde a Constituição de 1988 como comunidades negras rurais com trajetória histórica própria e forte relação com seu território, além de possuir ancestralidade negra relacionada ao período da escravidão.
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Em alguns casos, os quilombolas habitam o local das fazendas em que seus ancestrais trabalharam. São consideradas terras ocupadas por remanescentes de quilombos aquelas utilizadas para a garantia de reprodução física, social, econômica e cultural. A Constituição reconhece o direito dos quilombolas a essas terras.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é responsável pela delimitação, demarcação e titulação, além da desapropriação, quando necessário. A Invernada dos Negros, na Serra, foi o primeiro território quilombola reconhecido em Santa Catarina. O decreto de desapropriação foi assinado em 2010.