O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) instaurou um procedimento administrativo para apurar o suposto uso de pessoas em situação de rua abrigadas na Passarela da Cidadania para trabalhar em um estacionamento ilegal na Festa Nacional da Ostra e da Cultura Açoriana (Fenaostra), em novembro do ano passado, em Florianópolis.

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A portaria que dá início ao procedimento foi publicada na tarde desta sexta-feira (23). O documento, assinado pelo promotor Daniel Paladino, da 30ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, pede o envio de pedido de informações à prefeitura de Florianópolis e às secretarias de Turismo, Cultura e Esporte e de Assistência Social. A intenção é saber quais condições e quantas pessoas em situação de rua foram retiradas da Passarela da Cidadania para trabalho no evento, quantas vezes isso ocorreu e quais as medidas adotadas para proteger essas pessoas.

O episódio tem relação com fatos investigados na Operação Presságio, que apura suposto esquema de corrupção na coleta de lixo, em contratos com organizações sociais e eventos em Florianópolis.

O suposto uso de pessoas em situação de rua para cuidar de um estacionamento na Fenaostra veio à tona em um áudio do ex-diretor de Cultura da Fundação Franklin Cascaes, Renê Raul Justino, divulgado esta semana em uma representação da Polícia Civil, que investiga o caso. O documento pedia a prorrogação do afastamento dos investigados dos cargos públicos, solicitação atendida pela Justiça em uma decisão divulgada na segunda-feira (19).

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Investigação da Operação Presságio revela desvios em eventos e estacionamento da Fenaostra

No áudio, Renê conta ao ex-secretário de Cultura, Turismo e Esporte, Ed Pereira (União), que a Polícia Militar teria feito uma abordagem a uma equipe que trabalhava em um estacionamento montado perto do local da festa. Segundo a Polícia Civil, o espaço para abrigar os carros funcionou de forma clandestina.

Os agentes da PM teriam questionado se a gestão do espaço era pública ou privada, para onde iriam os valores cobrados dos motoristas por meio de uma máquina cartão, e até ameaçaram levar adiante o caso para apurar se havia irregularidades ou esquema de corrupção. Renê chegou a dizer que “ficou sem pai nem mãe” ao ser questionado pelos policiais e que “recolheu a maquininha”.

Ouça abaixo o áudio em que o ex-diretor de Cultura relata o caso ao ex-secretário Ed Pereira:

“Quem tava cuidando dos carros era gente de abrigo”

Após o envio do áudio, Ed Pereira teria perguntado por mensagem quantos carros haviam estacionado no local na noite anterior e pergunta se “vale o risco”. É neste momento que Renê Raul Justino responde que o estacionamento teria rendido “dois pila e pouco”, e que em determinado momento da noite apenas moradores em situação de rua haviam ficado responsáveis por monitorar os carros.

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— Cara, de verdade, acho que não vale, ontem deu movimento de dois pila e pouco. É, Kleber chegou, Andrezão sumiu, foi fazer as paradas dele que tinha pra fazer na passarela, voltou só depois. Quem tava cuidando dos carros cara, era todo mundo de gente de abrigo, os caras estavam ali no albergue, não acho que vale a pena não — afirmou, em novo áudio.

“É muito grave”, diz promotor

O promotor Daniel Paladino afirmou à reportagem que o procedimento foi aberto em razão da gravidade dos fatos relatados nas mensagens.

— Isso é muito grave, primeiro na medida em que elas foram aliciadas para a prática de uma irregularidade, e segundo porque elas foram retiradas da proteção da passarela, onde elas estavam acolhidas, e foram colocadas em uma situação de extrema vulnerabilidade — afirmou.

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Segundo Paladino, os primeiros depoimentos de pessoas que atuam na Passarela da Cidadania estão marcados para terça-feria (27), na sede da promotoria, na Capital.

— O procedimento foi instaurado para verificar se esse episódio ocorreu, se foi um fato isolado ou se já vinha ocorrendo, quem deu esse comando para tirar as pessoas da passarela, e já aproveitar para fazer um diagnóstico, um pente-fino de como funciona aquele espaço, quantas pessoas em situação de rua estão lá, como o município trata as pessoas na passarela — detalha o promotor.

Veja imagens da operação contra secretários em Florianópolis

Contrapontos

A defesa do ex-diretor de Cultura da Fundação Franklin Cascaes, Renê Raul Justino, informou à reportagem no início desta semana que o pedido de afastamento dos cargos públicos é basicamente fundamentado em algumas conversas entre Renê e outras pessoas.

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“O que há nos autos até então são relatórios policiais que apenas fazem menção a conversas supostamente mantidas entre Renê e outras pessoas, mas essas conversas ainda não foram trazidas de forma oficial aos autos, ou seja, através dos respectivos laudos técnicos, quando então a defesa poderá constatar a autenticidade de tais mídias, a forma pela qual foram adquiridas, de que maneira foi, ou não, respeitada a cadeia de custódia. Até então o que temos são relatórios nos quais os policiais disseram haver conversas, mas ainda não está oficialmente comprovado o que de fato existe, o que não nos permite uma manifestação minimamente segura a respeito”, afirmou a defesa, em nota.

A defesa de Ed Pereira e Samantha Santos Brose, esposa do ex-secretário que também é citada nos fatos narrados no documento da Polícia Civil, afirma em nota que o material apreendido na busca e apreensão ainda está em análise preliminar.

“A defesa tem ciência da decisão proferida que renovou o afastamento dos cargos, porém não teve acesso a íntegra das provas objeto de análise. No momento oportuno tudo será esclarecido, com o fito de elucidar o caso e demonstrar a inocência do Sr. Edmilson e Sra. Samantha. Estamos confiantes que se fará Justiça, ante as infundadas acusações”, dizem os defensores, no trecho final.

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