Ivan Martínez-Vargas

O texto da MP (Medida Provisória) 935, que autoriza o corte de salários e jornadas de trabalhadores em até 100%, contém um trecho inconstitucional e outros potencialmente ilegais, segundo advogados ouvidos pela reportagem. O principal problema é a possibilidade, instituída pela MP, de as empresas reduzirem salários e jornadas de trabalho por meio de acordo individual com os trabalhadores.

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A Constituição proíbe em seu artigo 7º a redução salarial, a menos que ela esteja prevista em acordo ou convenção coletiva.

– A via do acordo individual não é permitida, nem em situação de calamidade pública. Precisa ser feito por acordo coletivo e os sindicatos têm se mostrado abertos à negociação neste momento de crise – diz Antônio de Freitas Jr., professor de direito do trabalho da USP.

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– A figura do acordo individual é inconstitucional, embora haja decisões recentes do Supremo que possam relativizar isso. De qualquer modo, a minha recomendação a clientes é fazer qualquer redução de jornada e salário mediante acordo com o sindicato da categoria – diz Cássia Pizzotti, sócia do escritório Demarest.

A suspensão do contrato de trabalho prevista na MP também pode ser contestada no Judiciário, segundo Freitas Jr. "O texto entreabre o uso da suspensão do contrato de trabalho como forma mascarada de supressão do salário do trabalhador, o que é ilegal". Pelo texto da norma, trabalhadores que tenham o contrato suspenso ou reduções de jornada e salário terão um benefício do governo que pode chegar a 100% do que receberiam de seguro-desemprego em caso de demissão (que hoje varia entre R$ 1.045 e R$ 1.813,03). O valor do pagamento dependerá do faturamento da empresa e da faixa salarial do empregado.

Esse benefício será acumulado, na maioria dos casos, com o pagamento de uma ajuda compensatória mensal pelo empregador que não terá natureza salarial, mas sim indenizatória.

– Isso prejudica o trabalhador, porque esse valor não contaria para o cálculo de contribuição previdenciária, férias, 13º salário, ou FGTS. A empresa, por outro lado, ainda ganha porque poderá abater esse valor de seu lucro para cálculo de Imposto de Renda ou Contribuição Social sobre Lucro Líquido – diz Freitas Jr.

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Pela norma, as empresas poderão negociar com cada empregado, independentemente da faixa salarial, corte salarial de exatamente 25%. Para cortar 50% e 70%, a negociação poderá ser individual apenas com funcionários de duas faixas salariais: até três salários mínimos (R$ 3.117) ou mais de R$ 12.202.

– Pelo anúncio do governo, quem tem salários menores poderia negociar diretamente com o patrão, o que não está previsto na Constituição. A lógica é de que a redução não seria tão significativa nesses casos, porque seria complementada pelo benefício pago pelo governo, mas o sindicato pode ser mais necessário justamente para essa faixa – diz Otavio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro.