O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal dos réus e investigados em um dos processos oriundos da Operação Ave de Rapina, deflagrada pela Polícia Federal em 2014 em Florianópolis. Assinado pela promotora Juliana Padrão Serra, em 6 de dezembro, o documento requer a quebra dos dados de 15 pessoas e seis empresas investigadas por supostas ilegalidades na contratação e manutenção de radares e semáforos na Capital. A Justiça ainda não se manifestou sobre o pedido.
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A ação principal do processo dos radares já teve apresentação de alegações finais e encaminha-se para sentença em primeiro grau. Juliana, titular da 31ª Promotoria, que trata da moralidade administrativa, destaca no documento que passados quatro anos da operação Ave de Rapina, "não há mais interesse em requerer nova quebra de sigilo telefônico desses envolvidos, pois o esquema criminoso já foi desmantelado", diz trecho da petição.
A promotora, entretanto, frisa que a quebra do sigilo bancário e fiscal poderá auxiliar a identificar a participação de outras duas empresas, bem como o pagamento das propinas aos servidores públicos. A Sinasc, em Palhoça, para onde todos os carros guinchados na Grande Florianópolis são levados, e a Santo Antônio Sinalização Viária, não foram denunciadas no processo principal.
Apesar disso, o MP garante que provas coletadas em interceptações telefônicas indicam que Luiz Henrique Moreira – executivo da Sinasc – e João Carlos Guisi – dono da Santo Antônio – prestaram diversos "favores" para os servidores públicos Júlio Pereira Machado e Adriano João de Melo, "incluindo a liberação de carros apreendidos (no caso da Sinasc) e a contratação de pessoas indicadas, o que ocorreu em ambas empresas, tudo em troca de favorecimento indevido dentro do Instituto de Planejamento Urbano (Ipuf)".
Assim, embora a investigação principal do eixo dos radares da Ave de Rapina não tenha delimitado qual a relação estabelecida entre os executivos e o esquema investigado, bem como não identificou o recebimento de vantagens indevidas, a promotora Juliana considera "imperiosa" a quebra do sigilo bancário e fiscal das pessoas físicas e jurídicas investigadas.
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Eventuais provas podem gerar outras investigações
A denúncia oferecida no eixo dos radares da Operação Ave de Rapina abarcou os investigados César Faria, Júlio Pereira Machado, Adriano João de Melo, Theo Mattos dos Santos, Tiago da Silva Varela, José D'Agostini Neto, José Norberto D'Agostini, Carlos Henrique Almeida de Lima, Eliseu Kopp, Décio Stangherlin, Fabiano Barreto, Walmor Nascimento e Davi Nascimento. Todos esses estão no pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário feito pelo MP na quinta-feira (6).
Além deles, o pleito do MP envolve as empresas Kopp, Focalle, HLI Astech e Artmil, de pessoas já denunciadas nos autos principais. As outras empresas são a Sinasc e Santo Antonio, que não fazem parte do processo principal, assim como seus representantes Moreira e Guisi, respectivamente.
O pedido de afastamento do sigilo bancário abrange todas as contas de depósitos, de poupança, de investimento e outros bens e valores mantidos em instituições financeiras entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2015.
Já o pedido de quebra dos dados fiscais se concentrará de 2010 a 2016, "para apurar eventual evolução patrimonial ilícita da organização criminosa".
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O MP aponta que a quebra das informações sigilosas "certamente" será capaz de dar maior amparo probatório às investigações e "serão de grande valia para a instrução das futuras ações".
Contraponto
A reportagem entrou em contato com o advogado José Ernesto Flesch Chaves em seu telefone celular, mas outra pessoa atendeu e, diante da explicação do motivo do telefonema, disse que ele não poderia conversar nesta sexta-feira. O advogado Chaves defende os réus Décio Stangherlin e Fabiano Barreto.
A advogada Melani Feldmann, que representa o empresário Eliseu Kopp, dono da empresa que leva seu nome, afirmou que só vai se manifestar nos autos processuais.
O advogado André Kinchescki, que faz a defesa dos empresários Walmor e Davi Nascimento, donos da Artmil, ficou surpreso com os pedidos do MP e disse não entender por que foram feitos mais de quatro anos depois da deflagração da operação. Inclusive, observou, "com o processo principal já com alegações finais".
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O advogado Alexandre Salum Pinto da Luz, que representa o ex-diretor de trânsito do Ipuf e atualmente guarda municipal da Capital, Adriano João de Melo, afirmou ter plena convicção que seu cliente é inocente e disse que provará isso no processo.
O advogado André Juliano Truppel, um dos que defende os empresários José Norberto D’Agostini e José D’Agostini Neto – donos da Focalle -, disse não estar inteirado do processo. A reportagem procurou o advogado Zulmar Duarte de Oliveira Junior, mas não o localizou.
A reportagem também entrou em contato com a advogada Marcia Santos Maes, que representa o ex-motorista do Ipuf Tiago da Silva Varela, e não a localizou em seu escritório. A reportagem forneceu os telefones de contato, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
O advogado Pedro Peres da Silva, um dos que defende o executivo Luiz Henrique Moreira, da Sinasc, afirmou que não iria responder por telefone. Instado a nos receber nesta sexta-feira, afirmou que só poderia falar sobre o assunto na próxima quarta-feira.
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O advogado Hélio Rubens Brasil, que representa o guarda municipal e ex-diretor do Ipuf Júlio Pereira Machado e Theo Mattos dos Santos, disse que desconhecia o teor do documento do MP e pediu que retornássemos a ligação mais tarde. A reportagem voltou a telefonar, porém não o localizou no final da tarde.
O advogado Kissao Alvaro Thais, que defende o ex-vereador César Faria, não foi localizado em seu escritório.
A reportagem não localizou os advogados de Carlos Henrique Almeida de Lima, o Baiano, dono da empresa HLI Astech. Também não encontrou o empresário João Carlos Guisi, dono da empresa Santo Antônio, nem algum advogado que o represente no processo.
Funcionários públicos seriam líderes do suposto esquema, diz MP
Segundo o MPSC, em data imprecisa, mas pelo menos a partir de 2011, os funcionários públicos César Luiz Belloni Faria, Júlio Pereira Machado, Adriano João de Melo e Theo Mattos dos Santos implantaram um esquema de corrupção no âmbito do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, cujo objetivo era o recebimento de propina vinculada ao superfaturamento de contratos administrativos firmados com a municipalidade.
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Para tal, de acordo com os promotores, eles cooptaram os representantes de duas empresas cujo objeto social era a prestação de serviços de segurança no trânsito, a Focalle e a Eliseu Kopp. Outras empresas, como a Artmil e a HLI Astech, eram utilizadas para "esquentar" o dinheiro da propina, diz o MP.
Operação Ave de Rapina
Duas denúncias criminais na Justiça, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Florianópolis, um inquérito ainda em andamento no Ministério Público Estadual e uma investigação em curso no Ministério Público Eleitoral. Esse é o saldo da operação Ave de Rapina, que parou Florianópolis no dia 12 de novembro de 2014 por agentes da Polícia Federal (PF) e membros do Grupo de Atuação Especial em Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Ainda no primeiro dia, foram 15 prisões, 41 citados e a estimativa de que as investigações envolviam R$ 30 milhões em irregularidades, segundo o delegado da PF Allan Dias, que comandou inicialmente a operação, mas atualmente trabalha no Rio Grande do Norte.
A operação foi tocada em três frentes: uma para analisar contratos com empresas de radares e semáforos do Ipuf, com denúncia aceita pela Justiça; sobre irregularidades no projeto de lei Cidade Limpa, de denúncia aguardando análise do juiz; e outra sobre fraudes em licitação na Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (FCFFC).
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Outras investigações, porém, derivaram dessas três, incluindo este pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal dos investigados.