O vídeo que gerou revolta nas redes sociais, em que brasileiros cantam músicas ofensivas e desrespeitam uma mulher estrangeira, pode causar implicações judiciais. O Ministério Público de Santa Catarina encaminhou na terça-feira (19) uma requisição ao Comando da Polícia Militar para instaurar um inquérito com objetivo de investigar a atitude do tenente catarinense Eduardo Nunes, que atua na PM em Lages e passa férias na Rússia.

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Conforme o promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto, titular da 5ª Promotoria de Justiça da Capital, o tenente deve ter a sua atitude julgada pelo Código Penal Militar, já que se trata de um inquérito policial militar. Entre os possíveis crimes cometidos por Eduardo Nunes está o de racismo, conforme afirma o promotor. Ele cita que o Código Penal prevê punição a quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Caso condenado, a pena prevista pode ser de reclusão de um a três anos.

— A princípio, se enquadraria nesse artigo a conduta daquelas pessoas, por isso foi requisitada a investigação. A investigação é nesse sentido, para apurar o que aconteceu. Numa sociedade que prega a dignidade da pessoa humana e a igualdade como princípios fundamentais, me aparenta ser pouco razoável a propagação desse tipo de ideia, da forma em que foi feito — explica Wilson Neto.

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O promotor também afirma que, como se trata de um inquérito policial militar, o suspeito pode ser investigado mesmo que tenha cometido o crime fora do Brasil. Ele cita o artigo 7 do Código Penal Militar para explicar que, em caso de crime, a lei militar é aplicada “sem prejuízo de convenções, tratados e regras internacionais, mesmo que o agente seja processado pela justiça estrangeira”. No decorrer da investigação, a justiça militar poderá encaminhar outras informações para a justiça comum, a qual poderá julgá-lo de acordo com o Código Penal civil.

— Vamos identificar no final da investigação se esse crime é militar ou se foge da atuação militar. Existem vários vídeos circulando e em alguns ele se intitula primeiro tenente. Então a gente precisa na investigação identificar se é um crime militar ou, caso não for, declinar a atribuição para a justiça comum — ressalta.

Wilson Neto ainda afirma que o tenente não está sendo julgado ou condenado, e que o pedido busca a investigação do caso. Apesar de alguns considerarem a situação “irrelevante”, ele cita que recebeu muitas mensagens para que sejam tomadas providências e que uma investigação seja aberta para apurar o que houve.

— Esse caso merece uma análise, a qual está sendo realizada, assim como diversas outras situações que chegam ao MP e são apuradas. Eu não posso dizer que ela é menos grave que as outras. Ali houve a inferiorização daquela mulher e isso é notório. Pode ser que no final se comprove que nada houve. Todo o caso que chega à promotoria militar é analisado. O que eu não posso é fazer de conta que aquilo não aconteceu — explica o promotor.

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Demais envolvidos no vídeo

Não há como afirmar que os demais envolvidos serão sequer investigados pela Justiça brasileira, mesmo se forem identificados, conforme explica Wilson Neto. Isso porque o artigo 5 do Código Penal cita que “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. Caso as demais pessoas do vídeo sejam civis, o promotor pondera que “a interpretação precisa ser analisada”.

Manifestação da Polícia Militar

A Polícia Militar de Santa Catarina se manifestou a respeito do episódio, lamentando a atitude e informando que instaurou um processo administrativo para apurar a atitude do policial e definir quais ações serão tomadas. Apesar de haver uma investigação da corporação, o promotor diz que a instauração de um inquérito policial militar é importante.

— A infração administrativa é menor que a infração penal. Na investigação do inquérito policial militar, é possível apurar se houve crime e se também houve infração disciplinar militar. E na infração disciplinar militar o que se identifica é outra coisa, que é a violação a preceitos militares, o desrespeito dele e eventual infração à própria legislação interna da polícia militar. Pelo o que eu vi das imagens, inclusive pela repercussão negativa ao Estado brasileiro, eu entendo que merece uma investigação mais aprofundada daqueles fatos — finaliza Wilson Neto.

Investigação na Rússia

A jurista russa Alyona Popova criou uma petição denunciando a atitude dos brasileiros no vídeo. O objetivo do documento é pedir a investigação do caso pelo Ministério de Assuntos Interiores da Rússia “contra os atos machistas por violência e humilhação pública à honra e à dignidade de outra pessoa”.

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Contraponto

A reportagem entrou em contato com o advogado do tenente Eduardo Nunes, que não quis se manifestar até o momento.

Entenda o caso

Um grupo de quatro brasileiros gravou um vídeo cantando músicas ofensivas sobre a cor do órgão sexual de uma mulher e gerou revolta nas redes sociais. Nas imagens, que começaram a repercutir na internet na tarde de sábado (16), os homens cercam uma mulher loira, que aparentemente não é brasileira e nem fala português, e cantam repetidamente: “Essa é bem rosinha!”. Eles também se aproveitam do fato de a mulher não entender o idioma e incentivam que ela repita a frase. Em um momento do vídeo, é possível ver que eles também a seguram pelo braço.