O Ministério Público de Minas Gerais denunciou 16 pessoas sob acusação de homicídio doloso duplamente qualificado -quando há intenção de cometer crime- pelo rompimento da barragem B1, no Córrego do Feijão, ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019.
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A denúncia por homicídio duplamente qualificado, segundo a promotoria, foi porque os crimes foram praticados por meio que resultou perigo comum, com número indeterminado de pessoas expostas ao risco de serem atingidas pela lama, e mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas.
O desastre em Brumadinho (MG) deixou 270 mortos -259 já identificados e 11 ainda desaparecidos. Familiares das vítimas contam 272 mortes, incluindo dois bebês que ainda estavam nas barrigas das mães.
Entre os 16 denunciados está o ex-diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, além de outros 11 funcionários da mineradora e cinco da alemã Tüv Süd.
As empresas Vale e Tüv Süd foram denunciadas por crimes ambientais, assim como os demais acusados. Os crimes apontados foram contra fauna, flora e crime de poluição.
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O rompimento da barragem despejou 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração, destruindo comunidades e atingindo o rio Paraopeba, diz o MPMG. A lama matou espécies da fauna silvestre e aquática, destruiu ninhos, abrigos e criadouros naturais e florestas consideradas de preservação permanente, entre outros danos.
A denúncia foi encaminhada à Justiça na manhã desta terça-feira (21), quatro dias antes do desastre completar um ano. Ela é resultado de investigação conjunta do Ministério Público de Minas Gerais e da Polícia Civil do estado. Questionado sobre o tempo de um ano para a denúncia, o promotor disse que a data próxima ao aniversário do desastre se tratou apenas de uma coincidência.
Um dos promotores da força-tarefa, William Garcia Pinto Coelho, chamou de ditadura corporativa o sistema pelo qual as duas empresas denunciadas operavam.
"As duas corporações impuseram à sociedade o risco que elas, corporações, decidiram que a sociedade deveria correr", afirmou a jornalistas.
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A promotoria afirma que a barragem B1 apresentava situação crítica para riscos geotécnicos pelo menos desde 2017 e que a Vale ocultava informações do poder público e da sociedade sobre a situação de segurança de suas barragens.
A denúncia cita o Painel Independente de Especialistas para Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas de junho de 2018, que colocou a B1 na 8ª posição em um ranking de 10 barragens com situação inaceitável, segundo a própria Vale.
A declaração de estabilidade para a estrutura em Brumadinho foi emitida pela empresa Tüv Süd no mesmo mês.
"A Vale constituiu internamente verdadeira 'caixa-preta', consistente em estratégia corporativa de manter sigilosamente informações sobre riscos geotécnicos inaceitáveis de barragens de rejeito", diz a denúncia.
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Os promotores apontam ainda o que chamam de relação de conluio, recompensas e conflito de interesses entre as duas empresas -Vale e Tüv Süd.
"Em um contexto de divisão de tarefas, os denunciados concorreram de forma determinante para a omissão penalmente relevante quanto aos deveres de providenciar medidas de transparência, segurança e emergência, que, caso tivessem sido adotadas, impediriam que os resultados mortes e danos ambientais ocorressem da forma e na proporção que ocorreram", diz a denúncia.
A Promotoria encaminhou também ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais pedido cautelar de prisão do gerente geral da Tüv Süd na Alemanha, Chris-Peter Meier, um dos denunciados. O Ministério Público alega que ele não se dispôs a contribuir com as investigações e que por ter residência fixa em outro país, pode não ter a lei penal aplicada.
Foi pedido que todos os engenheiros denunciados tenham suas atividades suspensas e sejam proibidos de deixar o Brasil.
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Sobre a denúncia contra Schvartsman, segundo a Promotoria, o ex-diretor-presidente da Vale colocou como uma das metas de sua presidência proteger a reputação da mineradora e teria assumido riscos inaceitáveis para isso.
Para o promotor William Garcia Pinto Coelho, ele teria transformado o lema "Mariana, nunca mais", criado após o rompimento da barragem da Samarco que deixou 19 mortos, em um lema panfletário.
O promotor também afirma que o ex-presidente da Vale manteve incentivos corporativos voltados para maquiar problemas e que usava declarações falsas em público, quando falava sobre a segurança das estruturas que ele tinha conhecimento que estavam em situação de risco.
"A denúncia não apresenta nenhum indício, nenhum documento, que o presidente tinha qualquer ciência, sobre qualquer problema da barragem de Brumadinho. Todas as informações que ele recebeu apontavam para a estabilidade da barragem", diz o advogado de Schvartsman, Pierpaolo Cruz Bottini.
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Os 16 denunciados e as empresas foram indiciados pela polícia também nesta terça. Durante as investigações foram ouviram 183 pessoas.
Por meio de nota, a Tüv Süd diz que segue consternada, reitera o compromisso em ver os fatos esclarecidos e que continua cooperando com autoridades e instituições no Brasil e na Alemanha.
"Enquanto os processos legais e oficiais ainda estiverem em curso, e até que se apurem as reais causas do acidente de forma conclusiva, a Tüv Süd não poderá fornecer mais informações sobre o caso", diz o texto.
Por meio de nota, a Vale expressou perplexidade ante as acusações de dolo e disse que outros órgãos investigam o caso, o que faria com que fosse prematuro apontar risco consciente no rompimento da barragem. "A Vale confia no completo esclarecimento das causas da ruptura e reafirma seu compromisso de continuar contribuindo com as autoridades."
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Em nota, a defesa de três dos indiciados ligados à Tüv Süd (André Yassuda, Makoto Namba e Marlísio Cecíli) disse que a denúncia oferecida pela promotoria "contém graves erros e faz uma interpretação completamente equivocada da prova técnica que foi produzida".
"A acusação de homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar, é claramente panfletária, contraria as mais básicas lições de Direito Penal e será objeto de contestação", diz a nota.
Ainda segundo a nota do advogado Augusto de Arruda Botelho, os três citados demonstrarão na Justiça, caso a denúncia seja recebida, "que o trabalho destes renomados engenheiros sempre se pautou nas melhores práticas e em acordo com os parâmetros internacionais de engenharia".
Os advogados dos outros acusados não foram localizados pela reportagem.
Os denunciados
Vale
– Fabio Schvartsman, diretor-presidente
– Silmar Magalhães Silva, diretor do Corredor Sudeste
– Lúcio Flavo Gallon Cavalli, diretor de planejamento e desenvolvimento de ferrosos e carvão
– Joaquim Pedro de Toledo, gerente-executivo de planejamento, programação e gestão do Corredor Sudeste
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– Alexandre de Paula Campanha, gerente-executivo de governança em geotecnia e fechamento de mina
– Renzo Albieri Guimarães de Carvalho, gerente operacional de geotecnia do Corredor Sudeste
– Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo, gerente de gestão de estruturas geotécnicas
– César Augusto Paulino Grandchamp, especialista técnico em geotecnia do corredor Sudeste
– Cristina Heloíza da Silva Malheiros, engenheira sênior junto à gerência de geotecnia operacional
– Washington Pirete da Silva, engenheiro especialista da gerência executiva de governança em geotecnia e fechamento da mina
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– Felipe Figueiredo Rocha, engenheiro civil, atuava na gerência de gestão de estruturas geotécnicas
Tüv Süd
– Chris-Peter Meier, gerente-geral da empresa
– Arsênio Negro Júnior, consultor técnico
– André Jum Yassuda, consultor técnico
– Makoto Namba, coordenador
– Marlísio Oliveira Cecílio Júnior, especialista técnico