Em tempos de manifestos, uma batalha digital se armou nos últimos dias. De um lado, movimentos como #EuNãoMereçoSerEstuprada, criado a partir da indignação da jornalista Nana Queiroz, 28 anos. Do outro, páginas como Eu Não Mereço Ser Enganado Pelo Ipea, que procura desqualificar a pesquisa elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que deu origem a toda esta discussão.

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O estudo, divulgado na semana passada, revela que 65% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.

Segundo Nana, pessoas de todos os tipos, de diferentes idades e escolaridade já aderiram ao movimento que, quase uma semana depois da divulgação da pesquisa, ainda não perdeu força.

– Algumas pessoas escrevem errado, outras são bem articuladas. Senhoras de idade publicaram fotos de topless. A maioria deseja que eu seja estuprada, mas alguns dizem que vão me estuprar mesmo – conta.

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A jornalista perdeu a conta do número de participações, mas tem certeza de que está na casa dos milhares.

A pesquisa não traz nenhuma novidade, garante a estudiosa Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

– Outros estudos já apontaram a naturalização da violência sexual contra as mulheres. O importante, agora, é que a população reconheça seu papel na sociedade e lute por uma mudança cultural – afirma.

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– Precisamos desconstruir o imaginário de que brasileiros são sempre cordiais, amigos, alegres. Somos violentos no trânsito, com crianças, com índios, com negros, com pobres, com idosos. Somos uma sociedade profundamente violenta, e a violência contra as mulheres é um indicador bastante forte que as pessoas continuam banalizando – diz a pesquisadora.

Segundo Marlise, houve um processo histórico de deslegitimação do feminismo que faz com que muitas pessoas não se assumam feministas, ainda que lutem contra a desigualdade, a opressão, a injustiça e a favor de mais direitos para as mulheres.

::Clique aqui para ler toda a pesquisa::

Joinville também está na luta

O estudo ganhou visibilidade em outras mídias, mas foi na internet que as pessoas se sentiram livres para expressar suas opiniões sobre o tema.

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Em Joinville, a estudante Jéssica Michels, 23 anos, pediu para o irmão fazer seu clique na noite da última sexta-feira, quando o evento criado por Nana foi marcado. A ideia era utilizar o próprio corpo – um instrumento da opressão – para manifestar.

A foto de Jéssica chegou a quase mil curtidas e ultrapassou 500 compartilhamentos no Facebook e entrou para galerias publicadas em sites nacionais. Embora a maior parte dos comentários seja de apoio, ela teve que lidar com críticas e xingamentos.

– Não recebi nenhuma ameaça direta, nenhuma mensagem no meu inbox, por exemplo. Mas, por meio de amigos, vi prints de pessoas me chamando de vadia, dizendo que eu estava fazendo isso porque quero aparecer, e que, no fundo, ao publicar a foto, eu estaria pedindo para ser estuprada.

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Quando o evento – que tem mais de 45 mil confirmados – foi “invadido” por internautas contrários, a estudante chegou a pensar em deletar a sua foto. Porém, manteve sua postura devido à repercussão positiva do movimento.

– Acho ridículo, em 2014, as mulheres ainda estarem lutando contra a cultura do estupro. Pesquisas como essa mostram que o machismo, a homofobia e também o racismo ainda estão absurdamente impregnados nas concepções moralistas dos brasileiros – afirma Jéssica.

Em meio a esta batalha virtual, não são poucas as agressões que se vê. Aí, é importante lembrar que calúnia, difamação, ameaça e injúria são crimes também na internet, passíveis de penalização criminal.

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Sandra Paula Tomazi Weber, sócia do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados e especialista em direito digital, explica que o mesmo vale para uso indevido de imagem. Se, por exemplo, alguém reproduz uma foto da campanha em um contexto fora do movimento #EuNãoMereçoSerEstuprada ou a compartilha vinculada a conteúdo ofensivo, a pessoa que se sentir lesada está no direito de processar o agressor.

– A liberdade de expressão vai até o momento em que não impede, inibe ou ofende o direito do outro. As pessoas criam uma escoragem por estarem atrás de um dispositivo móvel e não na frente de outra pessoa. No entanto, a internet tem um potencial danoso amplificado porque a quantidade de gente que visualiza o material online é muito maior – diz Sandra.

COMO SE PROTEGER NA REDE

? Casos de injúria, colúnia, ameaça e difamação têm previsão penal independentemente do canal por meio do qual ocorreram.

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? Na internet, caso se sinta lesado, o primeiro passo é registrar a ofensa tirando uma foto ou printscreen da tela.

? Para assegurar um documento válido em juízo, é necessário recorrer a um tabelião de notas. Esse profissional deve acessar o link onde o material ofensivo foi postado, registrar a prova (com foto ou printscreen) e relatar em ata as evidências.

? Depois disso, é preciso registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia.

A cantora Daniela Mercury também postou uma foto no Instagram apoiando a campanha

FRASES

Um short curto, uma saia ou um vestido sensual nunca serão responsáveis por provocar a violência sexual contra a mulher. (…) Me solidarizo com a campanha #EuNãoMereçoSerEstuprada e reforço que a culpa nunca é da vítima.

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Romário, deputado federal

O resultado da pesquisa do IPEA só mostra que precisamos repetir até que todos entendam. Vamos? #EuSouMinha.

Pitty, cantora

Nana Queiroz se indignou com os dados da pesquisa do Ipea sobre o machismo na nossa sociedade. Por ter se manifestado nas redes contra a cultura de violência contra a mulher, a jornalista foi ameaçada de estupro. Ela merece toda a minha solidariedade e respeito.

Dilma Rousseff, presidente da república