Zero Hora ouviu dois analistas da política americana, o embaixador Rubens Barbosa e a cientista política Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ambos veem motivos para a radicalização da política americana que levou à paralisação do governo.

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Leia trechos das duas entrevistas:

Zero Hora – O que está por trás dessa situação?

Rubens Barbosa – O que é está por trás disso é a funcionalidade do atual sistema de equilíbrio americano entre os poderes. O problema é que, desta vez, a população americana elegeu a Câmara dos Representantes com maioria republicana e o Senado com maioria democrata. Isso gerou uma disfuncionalidade, porque o republicano, que é mais conservador, segregacionista, não aceitaram o Obama, um negro na Casa Branca. Não aceitaram isso. Essa que é a realidade. Esse é um dos fatores. Depois, apareceu o Tea Party, mais radical. Acho que são esses fatores, um pouco o fator racial, o radicalismo, que gerou um impasse.

ZH – Há um ranço partidário aí?

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Barbosa – O voto é muito partidário. Todo o Partido Republicano votou contra. Poucos democratas votaram com os republicanos. É um voto partidário que criou essa disfuncionalidade. Na democracia de lá, as decisões não avançam por causa dessa divisão entre as casas do Congresso, o Senado democrata e a Câmara dos Representantes republicana. Isso está fazendo com que os republicanos, e isso está fazendo com que haja uma paralisia quase completa em relação aos processos decisórios.

ZH – Como resolver? Os americanos recorreriam a um toma lá dá cá?

Barbosa – Lá, ocorrem trocas de apoio político, para avalizar uma estrada aqui, outra lá. O que acho é que esse impasse vai se prolongar por algum tempo, e aí os republicanos, da casa dos representantes, de alguma maneira vão ceder, porque eles não vão ser responsabilizados indefinidamente pela paralisia do Estado, pela quebra dos compromissos do governo americano, pelo desemprego, pela falta de pagamentos dos funcionários públicos. Isso tudo é a Câmara dos Representantes que está impedindo de ocorrer. Faz parte do jogo, mas foi radicalizado pela posição do Tea Party, que é da extrema direita. O que eles estão combatendo, para nós, é um absurdo. O Obama estendeu a prestação do serviço social para 45 milhões de pessoas que não têm nenhum apoio. Aqui no Brasil, a previdência social é universal. Todo mundo tem. É uma posição anti-estatal, contra o intervenção do governo na economia, é outra filosofia. Para o Obama, é difícil voltar atrás, é promessa de campanha. Vai deixar esse negócio pegar fogo e culpar os republicanos. É isso o que vai ocorrer.

ZH – E a questão racial?

Barbosa – Isso não é explicitado. Se alguém perguntar, todo mundo vai negar. Acontece que o Tea Party é mais forte no sul, onde, em alguns Estados, ainda há uma predominância branca e uma atitude ainda ultrapassada nessa área social.

Zero Hora – O que levou a essa situação?

Cristina Pecequilo – São duas coisas. O governo americano é um governo em dívida e precisa de vontade política. Isso abre uma fragilidade no governo Obama, que é a de depender de uma votação. Os republicanos estão aproveitando a oportunidade para colocar bandeiras políticas contrárias ao governo.

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ZH – O acirramento político se agravou?

Pecequilo – Já houve um caso assim em 1995, no governo de Bill Clinton. A questão é que agora piorou a política americana no sentido partidário, e o Obama está em guerra com o republicanos por conta do programa de saúde. Os republicanos aproveitam para radicalizar, dizendo “eles não vão gastar mais” e cortando o orçamento do Obama.

ZH – Entra algum tipo de preconceito

Pecequilo – A situação tem a ver com a agenda do governo Obama, é uma briga entre democratas e republicanos. Também estão de olho nas eleições. Já começam a mostrar o mau uso do dinheiro pelos democratas, pensando no médio e no longo prazo, nas eleições de 2014 e 2016.