Há certas coisas que só os mais cinéfilos entendem o fascínio. Deparar-se com o monolito de 2001 – Uma Odisseia no Espaço e se emocionar é uma delas. Parte integrante da mostra Stanley Kubrick, em cartaz até janeiro no LACMA (Museu da Cidade de Los Angeles), o monolito é um dos pontos altos do percurso que refaz, em cerca de mil objetos, a trajetória de um dos mais geniais diretores de todos os tempos.

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A bem da verdade, o monolito em exibição no LACMA não é o mesmo filmado no longa de 1968, mas sim uma das peças do artista plástico John McCracken. Um dos mestres do minimalismo dos anos 60, ele criou uma série de pranchas coloridas, as quais acreditava serem, além do símbolo máximo de sua obra, o link entre dois mundos. Para ele, que acreditava em discos voadores, extraterrestres e viagens no tempo, a prancha ligava não só o chão (onde se apoiava) e a parede (onde é encostada), mas também matéria e espírito, corpo e mente.

Não é por acaso que sua obra inspirou Kubrick (1928-1999), que criou o monolito pensando exatamente (emprestando as palavras do artista ) “neste objeto físico que aparenta ser não físico, alucinatório, holográfico”. Assim como McCracken, o diretor americano queria criar para 2001 “algo que sugerisse a coexistência de mais de uma dimensão do mundo, que existisse materialmente em nosso mundo, mas que fosse imaginário em outra dimensão, em que o imaginário fosse também real”.

Foi assim que a obra foi parar em um dos maiores clássicos do cinema. E intrigou gerações por sua enigmática presença. E intriga ainda hoje. Principalmente a quem tem a oportunidade de visitar a Stanley Kubrick. Aberta até meados de 2013, a mostra traz esse e outros tesouros que fazem parte da história da filmografia do diretor inglês. Está (quase) tudo lá. Das fotos que o jovem Kubrick realizou em início de carreira para a revista Look aos roteiros rabiscados de Nascido para Matar, Lolita e o rico figurino de Barry Lyndon, passando pelas máscaras usadas em De Olhos Bem Fechados.

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Mais que acompanhar uma organização cronológica de objetos, quem visita o LACMA percorre a trajetória emocional de Kubrick e descobre a história por trás de dezenas de pequenos-grandes objetos que ele guardou em caixas por décadas. Para o idealizador da mostra em Los Angeles, Terry Semel, ainda que a exibição dos objetos fosse impossível se o diretor estivesse vivo, por seu caráter extremamente pessoal, “não foi à toa que Kubrick guardou tudo isso”. Semel, ex-executivo da Warner Bros. e atual codiretor do conselho administrativo do LACMA, também doou vários objetos de seu acervo pessoal para a exposição. Não por acaso ele conheceu muito bem o gênio de Kubrick, uma vez que a Warner esteve com o diretor por quase trinta anos. A parceria começou com Laranja Mecânica, em 1971, e só terminou em 1999, com De Olhos Bem Fechados, lançado quatro meses após a morte do diretor.

Tampouco por acaso foi a relação de cada um dos objetos com a arte e o cinema. Ainda que a curadoria de Patti Podesta (designer de filmes e TV) organize os mais de mil itens expostos de acordo com os anos em que os filmes foram realizados, é a relação do diretor com temas (como sexo, a violência, o amor, a ciência) que se evidencia a cada passo.

Destaque também para o diálogo entre seus filmes (e seus símbolos) e as artes visuais. Esta, aliás, é a grande diferença entre essa exposição e a anteriores em homenagem a Kubrick. Vale lembrar que a mostra começou no German Film Museum, em Frankfurt, no ano passado, e viajou por diversos países europeus. Agora chega a Los Angeles com uma roupagem nova e mais atraente. Desta vez, além da figura de um grande jogador de xadrez, extremamente detalhista e calculista, capaz de passar dois anos rodando um filme (caso de De Olhos Bem Fechados), Kubrick é retratado como artista plástico de seus próprios filmes.

Como exemplo, vale citar não só a obra de McCracken em 2001 como também a influência da obra de pintores do século 18 como William Hogarth, George Stubbs e Thomas Gainsborough para a construção da atmosfera, cenários e figurinos do magnífico Barry Lyndon. Mas talvez uma das mais surpreendentes salas seja a de O Iluminado (1980), em que em uma imensa parede os espectros das irmãs Grady surgem como uma pintura, em uma nítida referência à obra da fotógrafa Diane Arbus, Identical Twins, de 1967.

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Ainda que a cada sala percorrida exista uma explicação racional para a obra tão pictórica e simbólica do diretor inglês, é exatamente em sua capacidade de emocionar que reside o fascínio de seu trabalho. Gerações de espectadores assistiram e se aterrorizaram com as gêmeas de vestido azul que assombravam o Hotel Overlook. Deparar-se com os figurinos originais do filme é de arrepiar. Tanto quanto é assustador perceber que o que está escrito no papel preso à máquina de escrever sobre a mesa na mesma sala é o famigerado bordão: “All work and no play makes Jack a dull boy” (Só trabalho sem diversão faz de Jack um bobão), que Jack Nicholson escrevia obsessivamente durante sua estadia no hotel. Também impactante é adentrar a sala Laranja Mecânica e quase sentir a presença de Alex DeLarge ao se deparar com o figurino que Malcom McDowell usava no clássico que até hoje é obra definitiva sobre a violência.

Stanley Kubrick deve viajar para novos países e, com sorte, o Brasil poderá conferir esta rara memorabilia cinematográfica.