Nessa primeira semana, há algo que espelha muitíssimo bem o que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo enquadrou como a seção Perspectiva. Afinal, o olhar inusitado, as inúmeras ramificações e a busca pelo autoconhecimento são constantes nos filmes selecionados para a 40ª edição do festival. Nesses primeiros seis dias, assisti a 28 filmes, entre os quais: Sami Blood, Ira, O Plano de Maggie, O Apartamento, Desconhecida, A Atração, In The Blood, Radio Dreams, Mimosas, Handmaiden, Fica Mais Escuro Antes de Amanhecer, El Olivo, O Último Trago, La Ciénaga, A Repartição do Tempo, A Dragon Arrives, 24Semanas, Beduíno, A Menina Sem Mãos, Leste Oeste, 5 Mulheres, The Stopover, Live Cargo, Zero Days, A Garota Desconhecida, O Estudante e Animais Noturnos.

Continua depois da publicidade

Foi interessante avaliar como esse início se tornou exatamente o oposto do que mais se destacou no festival no ano retrasado, quando fiz a primeira cobertura, e o econômico-social político importava muito mais do que individualidades. Agora, os filmes se restringem basicamente ao autoconhecimento – pessoas solitárias que não se encaixam na sociedade e buscam uma saída.

No sueco Sami Blood, a personagem Christina sofre na mão de um governo que espera que ela seja algo que não é; o espanhol IRA retorna ao debate sobre a moral da câmera: se alguém confessa que matará alguém na sua frente, enquanto você está gravando, isso é algo que usaria em seu favor ou denunciaria para a polícia? O Plano de Maggie é dono de um flerte óbvio e burocrático com a cinegrafia de Woody Allen; O Apartamento traz Asghar Fahardi (A Separação) novamente tocando na ferida do matrimônio e nossos comportamentos frentes a uma situação; Desconhecida é uma obra superficial sobre ausência de identidade; A Atração é um musical polonês em que a impassibilidade não existe, sendo uma espécie de cruza bizarra entre Splash – Uma Sereia em Minha Vida, A Experiência e Cabaret; In The Blood flerta com o universo beat; Radio Dreams é o filme de um personagem; Mimosas é uma ironia, já que é curioso observar que a sua peregrinação é exatamente seu ponto forte e fraco; os brasileiros Fica Mais Escuro Antes de Amanhecer e O Último Trago carecem de qualquer tipo de simpatia por suas tramas experimentais e pouco convidativas.

Os destaques ficam por conta de El Olivo, A Repartição do Tempo, 24 Semanas, Leste Oeste, The Stopover e, o melhor até agora, The Handmaiden. O filme sul-coreano, aliás, rende-nos em suas múltiplas perspectivas: porque, ao não conhecermos propriamente as intenções que veremos a seguir, os pontos de viradas causam muito mais impacto. Assim como em Carol, Park se preocupa com a sensação de cada uma de suas personagens, Hideko e Sooke, e com a leveza da paixão em contraste com o descontrole do tesão. Um paradoxo lindo para se filmar. E que o cineasta faz como poucos. Uma de suas maiores cenas provém desse encontro, na banheira, com as sensações sentidas por cada uma delas. Obra-prima.

Leste-Oeste, o meu segundo favorito até agora, ecoa como um velho blues – a pulsação do filme de Rodrigo Grota reside na melancolia, na bebida e na estrada que nos define. Não à toa, os seus personagens são pilotos ou vivem no meio de competições de automobilismos. Tudo não passa de frames de nossas vidas. E estamos só no começo.

Continua depois da publicidade