O relógio marcava pouco além das 17 horas, quando Alan Rodrigues dos Santos, 24 anos, saiu com pressa de casa. Em 30 de março de 2017, ele disse ao pai, Neri de Azevedo Rodrigues, que iria ao Profipo, na zona Sul de Joinville, e logo voltaria. O rapaz se dirigiu a um ponto de venda de drogas no bairro, sem desconfiar de que fora atraído para uma emboscada. No local, foi rendido por um homem e morto a golpes de faca.
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Neri aguardou por horas o regresso do rapaz. No início da madrugada, começou a receber imagens nas redes sociais que mostravam uma cabeça decapitada. Era o filho. Sem a chance da despedida, compreendeu que ele nunca mais retornaria.
Assim como Neri, muitos familiares perderam jovens, que acabaram vítimas de mortes violentas na cidade. De acordo com levantamento feito por AN, dos 137 casos registrados no ano passado, 86 eram de pessoas entre 18 e 35 anos, representando 62,8% do total. O índice leva em consideração mortes por homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e em decorrência de intervenção policial.
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Sem estigmatizar bairros ou regiões da cidade
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O índice elevado de jovens mortos no município pode refletir, entre outros aspectos, o contexto social em que estão inseridos. De acordo com o doutor em direito penal e criminologia Leandro Gornick Nunes, os jovens de baixa renda estão mais expostos, já que o local onde residem é marcado pela violência.
– Enquanto não houver uma política de inclusão da juventude pobre das periferias, essa continuará sendo a faixa etária mais vulnerável. Além disso, pessoas muito jovens ou acima dos 40 anos dificilmente ficam próximas de situações de conflito – explica.
A investigação da Polícia Civil apontou que o corpo de Alan foi deixado em Araquari, mas ele foi morto a facadas na zona Sul de Joinville. A região registrou grande parte dos assassinatos de 2017, com 53 casos. O número representa, aproximadamente, um assassinato a cada 4 mil moradores da região. O relatório Joinville em Dados, de 2016, demonstra que 205.549 joinvilenses residem nessa área da cidade, quase metade da população total.
Ainda em uma análise geográfica, os crimes aconteceram em 37 dos 43 bairros. Apesar de o índice ser maior na zona Sul, está na área Norte o bairro onde aconteceu o maior número de crimes dessa natureza. O Jardim Paraíso apresentou 16 mortes, seguido pelo Paranaguamirim (13), Comasa (dez), Jardim Iririú (dez) e Aventureiro (oito). Para o especialista, é “fundamental não estigmatizar” qualquer região ou bairro, já que a maioria dos moradores não possui qualquer envolvimento com atividades criminosas.
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– No entanto, é notório que nesses bairros estão estabelecidos grupos criminosos com comportamento mais violento, e a atuação da polícia é mais contundente, gerando os confrontos armados e as mortes – afirma Nunes.
O montante de mortes violentas ocorridas no ano passado representa um aumento de 8% em relação a 2016. Já entre 2015 e 2016, o crescimento foi de 0,7%.
O mapeamento também indicou que o primeiro semestre de 2017 foi mais violento do que o segundo. Nos primeiros seis meses, o número de mortos chegou a 86, caindo para 51 no segundo período. Destes crimes, 125 foram homicídios, cinco latrocínios – roubo seguido de morte – e sete pessoas morreram em decorrência de ação policial.
A quantidade de vítimas mulheres caiu de 19 casos em 2016 para nove no último ano. Os homens ainda são maioria entre os mortos, com 128 assassinatos registrados em 2017. Já a idade mais frequente é de 24 anos, assim como Alan, o jovem decapitado.
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Em média, 65% dos crimes são elucidados, diz delegada
A Polícia Civil de Joinville investe na investigação dos casos e na prisão de suspeitos para ajudar a frear a escalada de violência, entre outras ações. Conforme a delegada regional Tânia Harada, o índice de resolubilidade dos crimes está em aproximadamente 65%. Antes da criação da Delegacia de Homicídios (DH) em Joinville, em fevereiro de 2016, o indicador era estimado em 20%. Além deste fator, também houve um aumento de 30% no número de prisões por homicídios, na comparação com 2016.
Ainda de acordo com Tânia, um mapeamento detalhado sobre as mortes ocorridas em Joinville foi solicitado ao Núcleo de Inteligência (Nint), ligado à Delegacia Regional. O estudo está em construção, deve ajudar a mapear futuras ações e contribuir com a resolução mais precisa dos casos. O material traçará o perfil das vítimas, além de identificar se já passaram pelo sistema prisional ou indiciamento.
O estudo deve demonstrar se os mortos tinham envolvimento com o tráfico de drogas ou com facções. A previsão é de que fique pronto nos próximos dias.
– Estou na expectativa desse estudo e mais outros para dar direcionamento às nossas ações neste ano. Por exemplo, se verificarmos que há um número maciço de envolvidos com o tráfico de drogas que morreram, que é o que parece, direcionaremos as ações para este crime – explica.
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Já a Polícia Militar intensifica operações nos bairros de acordo com os índices de criminalidade, por horário e dia da semana. Conforme o coronel Dirceu Neundorf, comandante da 5ª Região de PM, essas ações buscam prender criminosos com mandados de prisão, apreender armas e drogas e prevenir crimes.
Para juiz corregedor, preso já sai corrompido
Na percepção do juiz João Marcos Buch, titular da 3ª Vara Criminal e corregedor do sistema prisional na comarca, assim como ocorre em outros locais do país, Santa Catarina enfrenta o conflito entre organizações paraestatais, como PCC e o PGC. Os conflitos acontecem nas ruas, mas as organizações nasceram e se criaram dentro do sistema prisional “pela ausência do Estado”.
– Como o Estado se faz ausente, a pessoa que entra no sistema prisional se une (às organizações criminosas) para sobreviver – diz.
Essas organizações criminosas disputam territórios pelo controle do tráfico de drogas. Como consequência, além de outras questões, homicídios são registrados. Joinville pode ser considerado local estratégico ao tráfico, de acordo com Buch, por ser uma das maiores cidades de SC e por se localizar junto a unidades portuárias.
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Com as facções cada vez mais presentes no sistema, os presos que entram nas unidades carcerárias – principalmente os jovens – que não pertenciam aos grupos, passam a participar. Na visão dele, colocar uma pessoa no sistema prisional pode trazer um “reflexo negativo”, já que, por sobrevivência, o preso sai dele corrompido.
Solução além do reforço pessoal
Para conter o avanço da violência em Joinville, é necessário encontrar outros caminhos, além do reforço de pessoal e de equipamentos nas polícias, conforme o juiz João Marcos Buch. Para ele, ainda que necessário, somente esse incremento não fará com que os índices diminuam ao longo dos anos. O crescimento desordenado da população e a falta de políticas públicas inclusivas, por exemplo, também devem ser levados em conta.
– Se o Estado brasileiro não tiver a atenção de atuar com políticas inclusivas nesses ambientes, só teremos aumento da violência. Algumas vezes, ela irá se acentuar em conflitos entre facções; em outras vezes, entrará em estabilidade, mas sempre irá existir – afirma.
O juiz menciona o “equívoco” do Estado na hora de tratar a segurança pública, encarando o atual cenário “como se estivéssemos em guerra”. Isso resulta em uma condição de inimigo, fazendo com que civis e policiais sejam vítimas da violência.
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– Parece que você vai para uma batalha, para matar ou morrer. Não é assim que as instituições públicas e polícia devem agir. E, sim, com o uso progressivo da força, é proteger indistintamente todas as pessoas, contendo aqueles que violam a lei. Se não pensarmos desta forma, faremos mais vítimas – assegura.
Para o especialista Leandro Gornick Nunes, as condutas desviantes – sejam violentas ou não – só deixam de existir quando a pessoa envolvida sente “culpa” ou “vergonha” por causa do seu comportamento. Mas o indivíduo terá estes sentimentos caso esteja vinculado ética e emocionalmente ao outro. Portanto, é necessário estimular o fortalecimento dos laços sociais.
– Em um sistema excludente, esses laços se enfraquecem ou deixam de existir. Se não mudarmos a perspectiva de vida, continuaremos recolhendo corpos (com ou sem farda) e vivendo amedrontados – conclui.