Santa Catarina teve um salto no número de mortes cometidas por policiais militares. Só nos primeiros seis meses de 2023, 43 pessoas morreram após serem baleadas por policiais militares e civis — um crescimento de 115% em relação ao ano passado, quando foram 20 ocorrências classificadas como “Mortes Decorrentes de Intervenção Policial” no período. Enquanto especialistas demonstram preocupação com os índices, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que tem intensificado ações contra grupos criminosos e que as mortes são investigadas.
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O aumento nos óbitos ocorre dois anos após o Estado apresentar queda nos índices. Dados que o NSC Total teve acesso mostram que, desde 2021, as mortes ocorridas em confronto no primeiro semestre diminuíram ano a ano. Em 2020, por exemplo, o período registrou 62 casos, número que caiu para 40 no ano seguinte e reduziu para 20 em 2022.
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A quantidade, inclusive, impacta no balanço geral. Em 2020, foram 86 mortes causadas por policiais civis e militares — aumento de 10% ao comparar com 2019. Já em 2021, o número caiu para 70, enquanto no ano passado foram 44 casos.
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Das mortes registradas em Santa Catarina nos últimos quatro anos, 91,72% foram cometidas por policiais militares em serviço. Segundo a SSP, entre 2019 e 2022, os agentes foram responsáveis por 255 casos envolvendo confronto com agentes de segurança pública. Já em 2023, das 43 mortes registradas, 39 foram causadas pela Polícia Militar.
Os dados apontam, ainda, que duas mortes no primeiro semestre ocorreram por policiais militares que estavam fora do horário de trabalho.
Branco e jovem: o perfil de quem morre pela polícia em SC
O perfil de quem morre pela polícia em Santa Catarina se assemelha ao longo dos anos. De acordo com os dados, dos 311 mortos entre 1º de janeiro de 2019 a 31 de maio, 213 eram homens entre 20 e 39 anos. No mesmo período, também houve a morte de 35 adolescentes.
Em relação ao gênero, todas as vítimas eram homens, com exceção de um caso em 2021, quando uma mulher foi morta. Além disso, os dados apontam que 68,48% das vítimas eram brancas (213 casos).
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Por fim, os dados apontam que as mortes ocorreram principalmente na rua (79,09%) e na casa das vítimas (32,15%).
Vítima chegou a SC cinco dias antes de morrer
Entre os mortos pela polícia em Santa Catarina neste ano está Alan Ferreira Lima, de 21 anos. Ele foi atingido por dois tiros de fuzil e dois de pistola, dentro de casa, durante uma operação em 30 de março. O objetivo da ação era encontrar os suspeitos que atiraram em uma ambulância e feriram dois bombeiros em Itajaí, no Litoral Norte do Estado.
Porém, segundo a família, Alan morava em Pernambuco na época do ataque. Conforme o boletim de ocorrência no qual o g1 teve acesso, os policiais que participaram da ação afirmaram que o jovem estava armado e reagiu com tiros à abordagem, informação que é contestada pela família.
— Diante dos laudos de perícia, o corpo foi encontrado no quarto, a arma que supostamente ele portava na mão foi encontrada na cozinha, na pia. A posição do corpo, os tiros, tudo leva a crer que realmente teve um erro — explica o advogado que representa a família, Sidnei Galvão.
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O advogado explica que Alan chegou a Santa Catarina cinco dias antes de morrer e veio ao Estado buscando uma vida melhor. No dia da ação, ele estava com a mulher e a filha, um bebê de um mês, que foram retiradas da casa pelos policiais.
O homem chegou a receber atendimento, mas morreu no local. A corporação foi perguntada sobre o envolvimento dele no atentado, mas afirmou não ter informações a respeito do assunto.
Durante a ação, foram cumpridos quatro mandados de prisão e sete de busca e apreensão. Três homens e uma mulher foram presos. Também foi apreendido uma quantidade de crack.
A morte de Alan foi apurada por um inquérito aberto na Polícia Civil. Ele já foi concluído e encaminhado ao Judiciário em 25 de maio. Questionado se houve indiciamento, o órgão não respondeu à reportagem. O caso também investigado por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM).
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Em 23 de junho, o Ministério Público, que também acompanha o caso, pediu que a tramitação fosse tratada como prioridade “por se tratar, em tese, de crime violento letal intencional”. Os desdobramentos estão em sigilo.
Polícia alega que câmeras não funcionaram
Segundo o advogado que representa a família de Alan, as bodycam — câmeras corporais da PM — não funcionaram no dia da ação. Os militares relataram o mau funcionamento, inclusive em um vídeo, segundo o Comando da Polícia Militar.
O presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Catarina, Guilherme Stinghen Gottardi, defende o uso de câmeras individuais pelos policiais como uma das medidas eficientes para a redução na violência. Isto porque a tecnologia também auxilia na investigação e pode contribuir na produção de protocolos.
— Ajuda a garantir os direitos individuais dos cidadãos durante as abordagens e ações policiais, assim como preserva a transparência das operações e contribui para a produção de provas judiciais — resume.
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Ao menos um policial, em todas as guarnições em operação, é equipado com a câmera corporal. Estudos apontam que o uso reduz os índices de violência e ajuda nas investigações.
Já o promotor Simão Baran, integrante do Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e Intolerância (Necrim) e que acompanha os números, destaca que além dos aparelhos é preciso que as organizações policiais também tenham maior cuidado com a saúde mental das equipes e criem processos que possibilitem uma condição de trabalho melhor.
Capital e litoral lideram as mortes
O promotor Simão Baran explica que os números de mortes na Capital e no Litoral Norte chamam a atenção, já que das 27 dos 43 casos do primeiro semestre ocorreram nas duas regiões.
Em Florianópolis, por exemplo, entre janeiro e julho foram 11 mortes em decorrência de intervenção policial.
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— Esse dado traz preocupação. Você teve uma queda nos números de homicídios e as mortes por policiais só aumentaram, não acompanham a queda — diz.
Por conta disso, o Necrim planeja um estudo que tem como objetivo aprofundar os dados das mortes em decorrentes de ação policial em Florianópolis. De acordo com o promotor, o objetivo é identificar o perfil das ações e as guarnições responsáveis. A iniciativa também prevê uma articulação para aprimorar os protocolos e diminuir os índices.
Contraponto
A SSP destacou que as polícias do estado são “reconhecidas pela alta capacitação técnica e doutrinadas para o uso moderado e progressivo da força” e citou que vem mantendo operações contínuas de combate a grupos criminosos com inteligência e intervenções armadas. A PM também foi procurada, mas sugeriu que o tema fosse tratado com a secretaria.
O delegado-geral da Polícia Civil, Ulysses Gabriel, informou que o órgão aumentou em 47% o número de operações no primeiro semestre e, por conta disso, as equipes ficaram mais expostas.
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— Há uma tendência do crime organizado em querer confrontar a polícia. Expondo as equipes mais, elas acabam entrando em confronto e, na legítima defesa, os policiais atingem os criminosos — diz.
Ele explica que em todo o caso envolvendo a morte causada por um agente, as delegacias são acionadas para apurar o contexto da morte. Caso a conduta equivocada seja constatada, uma sindicância é aberta pela Polícia Civil.
— O cumprimento da legislação é de que ocorra a prisão dos criminosos e de que a letalidade seja o último artifício. Nas academias e cursos de formação, eles são iniciados para usar progressivamente a força, sendo a letalidade a última coisa — reitera.
Em nota, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal do MPSC, promotora Luciana Uller Marin, garantiu que todos os casos são apurados “buscando a responsabilização dos agentes em eventuais casos de abuso”.
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SSP
“Sobre o aumento das mortes em confronto policial em Santa Catarina, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina (SSP-SC) informa que todas as mortes são apuradas em inquérito policial, peça investigatória que segue seu curso perante o Ministério Público e na sequência segue o regular trâmite Judicial. A SSP ressalta que as Polícias de Santa Catarina são reconhecidas pela alta capacitação técnica e doutrinadas para o uso moderado e progressivo da força.
Um outro aspecto é que as forças de Segurança Pública do Estado têm intensificado ações de prevenção e repressão aos grupos criminosos que lutam para se instalar em Santa Catarina e aumentado o número de cumprimento de mandados de prisão, assim como o monitoramento dos grupos criminosos em trabalhos de inteligência, haja vista a ocorrência de mortes violentas registradas entre disputas de facções do crime organizado, principalmente no Norte do Estado, nos primeiros meses deste ano.
Em que pese os confrontos no âmbito do crime organizado, toda a estrutura de Segurança Pública do Estado vem mantendo operações contínuas de combate à estes grupos criminosos através de ações na área da inteligência e mesmo intervenções armadas, que resultam em muitas prisões e apreensões de armas e entorpecentes.
Apenas a Polícia Civil, por exemplo, registrou nos seis primeiros meses de 2023 recorde no número de apreensões de drogas (+322% de apreensão de cocaína e +308% da apreensão de maconha) e recorde em operações policiais (+48,57% no número de mandados de busca e apreensão e +44,47% no número de mandados de prisões). A Polícia Civil prendeu, nos primeiros sete meses deste ano, 2.969 pessoas.
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A SSP-SC informa ainda que a grande parte dos indicadores de criminalidade em Santa Catarina, que sempre preocuparam a sociedade, se mantêm em queda. Tais como, o número de latrocínios, o qual diminuiu 70% no Estado no primeiro semestre de 2023 em comparação com mesmo período do ano passado. Também o número de roubos, que diminuiu 18,4% no primeiro semestre de 2023 em comparação com o mesmo período do ano passado.
Salientamos que, nos primeiros meses de 2023, o governo de Santa Catarina já investiu mais de R$ 80 milhões em equipamentos para a segurança pública catarinense e autorizou abertura de concurso público para reforçar os efetivos das Polícias Militar e Civil.
Uma outra medida fundamental na área da segurança pública foi a recriação da Secretaria da Segurança Pública, ponto de destaque na reforma administrativa implementada pelo governador Jorginho Mello. A Secretaria tem atuado no sentido de planejar ações, diretrizes e prioridades no âmbito estratégico da área a fim de alcançar avanços consistentes, aglutinando forças na área da segurança pública de todo o Estado”.
MPSC
“A Coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal do MPSC, Promotora de Justiça Luciana Uller Marin, informa que o Ministério Público atua regularmente no controle externo da atividade policial, missão que lhe incumbiu a Constituição Federal, buscando a responsabilização dos agentes em eventuais casos de abuso e incentivando práticas e iniciativas voltadas à realização de uma política criminal de Estado compromissada com os direitos humanos. Acrescenta que o aumento significativo do número de mortes decorrentes da ação policial nesse primeiro semestre vem sendo acompanhado com preocupação pelo Ministério Público, assim como o aumento da criminalidade, também significativo no mesmo período. Todos os 43 casos registrados estão sendo acompanhados pelo Ministério Público por seus Promotores de Justiça nos processos ou procedimentos investigatórios correspondentes”
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*Colaborou: Leonardo Thomé e Morgana Fernandes
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