Em 2016, um motociclista teve o nariz decepado por uma linha de pipa com cerol enquanto trafegava na marginal da Via Expressa, a BR-282, em Florianópolis. Três anos antes, em 2013, um fio de alta tensão em Balneário Camboriú rompeu-se devido à linha de uma pipa, caiu em um caminhão e eletrocutou o motorista.

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Neste sábado, quando Josiane Marques, 34 anos, passava de motocicleta pela Via Expressa, na região da comunidade Chico Mendes, em Florianópolis, uma linha cortante atingiu seu pescoço, matando-a. Então soou o alarme para a fiscalização, prevenção e discussão sobre o uso de cerol e de linha chilena para empinar pipa.

A brincadeira se torna ilegal ao usar esse tipo de material em SC, conforme uma lei de 2001, que proíbe linhas cortantes em pipas, ou preparadas com objetos cortantes, como o cerol, feito com vidro. Se o infrator for menor de idade, é o responsável legal que responderá pelas medidas administrativas, como pagamento de multa. Em caso de acidentes, pode ser indiciado por lesão corporal ou lesão corporal seguida de morte.

Tantos os bombeiros de SC, como as polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal (PRF) não classificam de modo separado as ocorrências com linhas cortantes no Estado, portanto, não há como confirmar o número de acidentes do tipo.

Conforme a PRF, responsável pela fiscalização da BR-282, local da ocorrência do sábado, acidentes causados por linhas cortantes são raros, porém, a Via Expressa e a região da BR-101, em São José, são pontos que preocupam por conta da brincadeira que ocorre com frequência perto das margens. Somente em maio, a PRF recolheu do chão da BR-282, na região do bairro Monte Cristo, sete pipas com linhas de cerol. Em junho e julho não houve registro.

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Foi justamente no dia 26 de maio deste ano que o trabalhador autônomo Daniel Rosa, 45, foi atingido por uma linha chilena – material vendido pronto e altamente cortante – na Via Expressa, a cerca de 10 metros do ponto onde Josiane morreu.

Segundo o motociclista, ele avistou pipas na região e, ao levantar a viseira para checar onde estavam as linhas, foi atingido por uma na testa. O corte foi profundo. Ele foi atendido pelos bombeiros, mas também ganhou uma multa da PRF por andar com viseira levantada.

Daniel ficou com um machucado profundo na região da testa, causado por uma linha chilena
Daniel ficou com um machucado profundo na região da testa, causado por uma linha chilena (Foto: Leo Munhoz/ Diário Catarinense)

— Meu medo é, mesmo com capacete fechado, a linha atingir o pescoço de alguém. Como foi com a vítima de sábado.

Assustado, Daniel primeiro comprou uma antena específica para motocicletas, colocada no guidão. Na ponta, cortam a linha das pipas antes de atingirem o piloto. Mas vendou a moto.

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— Vendi duas motos que tinha. E resolvi reverter o dinheiro de uma em várias antenas que pretendo doar. Também entrei em contato com lojas e consegui mais algumas. O objetivo é aumentar o número de motos com as antenas na região — conta.

Para ajudar Daniel na campanha, ligue para (48) 99998-4572.

Fiscalização e denúncias

A fiscalização do uso de cerol e linhas cortantes em pipas é realizada em rondas de rotina, tanto pela PM (190), como, em Florianópolis, pela Guarda Municipal. Se avistar as linhas em regiões de rodovias, também é possível avisar a PRF (191), em estradas federais, e a Polícia Militar Rodoviária (PMRv) em rodovias estaduais, pelo 198.

Na Capital, desde 2014 uma lei também proíbe a produção, comercialização, transporte, uso ou guarda da linha chilena, que é industrializada. Pela lei, o produto, "quando estiver em posse de usuário, ambulante ou comerciante será apreendido e destruído pelos órgãos competentes de fiscalização, não cabendo aos infratores qualquer indenização".

É possível denunciar a venda ilegal desse produto na Capital para a Superintendência de Serviços Públicos, que faz a averiguação in loco. O contato da ouvidoria para denúncias é o site www.pmf.sc.gov.br/ouvidoria ou o e-mail ouvidoria.susp@pmf.sc.gov.br.

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Dicas para ciclistas e motociclistas

Mesmo sabendo que o uso de cerol é proibido em SC, os motociclistas e ciclistas também podem tomar alguns cuidados para evitar serem atingidos por linhas cortantes. Conforme o primeiro-tenente dos Bombeiros Militares de SC, Marco Aurélio Lino Massarani Costa, é necessário que se tenha conhecimento da seriedade do caso.

— Se uma linha cortante atingir a região do pescoço, que possui importantes elementos de circulação, como a artéria carótida, uma laceração nessa parte do corpo pode causar um grande volume de sangramento em pouco período. E se o atendimento não for rápido ou dependendo do tipo de corte, a vítima pode não resistir — explicou.

Em qualquer parte do corpo, um corte feito com uma linha cortante pode machucar seriamente a vítima. Até mesmo quem está confeccionando uma pipa pode se ferir com o cerol.

— Eles costumam colocar a linha no chão, para secar o cerol. Imagina se uma pessoa passa por cima. Ou um animal. É um ferimento grave — completa.

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A sugestão é o motociclista se preparar com o uso de equipamentos de segurança, como a antena que corta as linhas; usar a chamada pescoceira, que possui placa metálica que protege todo o pescoço; capacete totalmente fechado (o capacete aberto e uso de óculos, mesmo liberado pela legislação de trânsito, neste caso, não evita acidentes com linhas cortantes).

— E ficar de olho nas regiões que se sabe onde se empina pipa. Eu sei que é difícil, mas é preciso manter a atenção –— salienta Massarani.

(Foto: Leo Munhoz/ Diário Catarinense)

Prevenção nas escolas

Tanto em Florianópolis como em São José, os cuidados com a brincadeira de pipa são lembrados em palestras e conversas nas escolas, diretamente com o público-alvo. Na Capital, a Coordenadoria de Prevenção da Secretaria de Educação trabalha com a campanha "Pipa sem cerol também é legal", dentro do projeto Educar para Salvar.

— Falamos de prevenção de acidentes domésticos, mas sempre lembramos dos problemas que podem ser causados pelo cerol. Tratamos o assunto principalmente a partir de maio, já pensando nas férias de julho. Também conversamos diretamente com pais e professores, e mostramos alguns itens como jaquetas cortadas por linhas, e fotos de machucados, porque a ideia também é conscientizar os adultos. Porque eles também empinam pipa com os filhos — explicou o coordenador de Prevenção, Charles Schnorr.

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Na próxima semana, quando os alunos retornarem às escolas, Charles disse que, infelizmente, o exemplo da morte da moradora de Biguaçu no sábado será lembrado para, mais uma vez, alertar do perigo do cerol.

Em São José, é a Guarda Municipal quem realiza o trabalho de orientação, dentro do programa Transitar, que trata de educação no trânsito.

— Explicamos que o cerol é perigoso para eles e que podem ser os responsáveis por machucarem outras pessoas também. Acreditamos que as orientações funcionem, porque geralmente as crianças replicam as informações em casa — conta o comandante da GM de São José, Marcelo Luiz Souza.

Pensando ainda em prevenir novas ocorrências nesse sentido, a PMRv lançou, ontem, a campanha “Não Corte Uma Vida”, para alertar aos pais e adultos sobre o perigo à vida causado pela utilização de linhas cortantes.

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Manifestação

A morte de Josiane Marques motivou revolta, principalmente em motociclistas que passam todos os dias pela Via Expressa, na Grande Florianópolis. Ontem, mobilizados via Whatsapp, programaram uma manifestação contra o uso de cerol e de demais linhas cortantes.

O protesto está marcado para domingo (28), com saída às 9h do Koxixo’s, em Florianópolis. O grupo vai passar pela Beira-Mar Norte, ponte Colombo Salles, avenida Ivo Silveira, até o local do acidente, na região da Chico Mendes.

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