Texto de Andrey Lehnemann, crítico de cinema
Quarenta e seis anos. É com essa idade que Phillip Seymour Hoffman – um ator do calibre de Marlon Brando, James Dean, Al Pacino, Robert DeNiro e tantos outros – deixa o cinema e a vida para entrar na história como uma das grandes tragédias. O astro se junta a James Dean, River Phoenix, Heath Ledger, Brad Renfro, Murnau, Marilyn Monroe, Natalie Wood. Aquele que poderia ser, mas não foi. Que a vida desregrada interferiu na vida cinematográfica.
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De certa forma, o cinema pode representar uma perda quase íntima para os espectadores, pois estamos acostumados com aquelas pessoas que, semana a semana, entram em cartaz. Elas podem representar um ícone ou lembrar-lhe de um ente querido. Mas diferente dos filmes, onde mesmo com a morte sentida de alguém sabemos que é apenas ilusão, na realidade temos dificuldade de compreender a morte de alguém. Procuramos respostas para que aquilo também seja uma brincadeira de perspectiava. Ou um viral. Tudo para promover um filme, o entretenimento. Para que o retorno seja mais épico. Nos fragilizamos quando percebemos que não, não é algo ilusório. É real.
A crítica mineira Ana Clara fez uma definição perfeita recentemente: “O cinema imortaliza os fantasmas, projeções na tela, imagem e voz, índices da passagem de alguém, mas não imortaliza o orgânico.” Podemos reviver o que temos de Hoffman, Coutinho e tantos outros, mas era isso. A sensação é de visualizar fantasmas numa tela. Lembranças antigas.
Lembranças
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A primeira vez que percebi Hoffman em um filme foi em Patch Adams – O Amor É Contagioso. Seguido de Twister. Enquanto ele tirava a atenção de Robin Williams. A partir de Boggie Nights: Prazer sem Limites, entretanto, já era claro que aquele jovem de potencial era uma afirmação. Afirmação que se concretizou em filmes como O Grande Lebowski, Felicidade, Ninguém É Perfeito, Talentoso Ripley e, claro, Magnólia. Deixando de lado o seu físico, absolutamente nenhum de seus personagens eram cópias de outros. Todos eram trabalhados à sua maneira. Um jornalista arrogante que se vê fragilizado por aquilo que sempre perseguiu, em Dragão Vermelho, até um vilão impiedoso, em Missão Impossível 3. Tudo era uma novidade com Hoffman. Não havia retornos. Apenas começos.
O seu primeiro Oscar, pela sensível atuação em Capote, apenas era mais um desses começos. O início dos grandes prêmios. Do reconhecimento e da admiração. Em 2007, foi responsável por três trabalhos impecavelmente distintos: Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, A Família Savage e Jogos de Poder – foi indicado por este último. No ano seguinte, comoveu como um reverendo extremamente duvidoso no ótimo Dúvida, onde contracenou com outra lenda, Meryl Streep, e saiu vitorioso. Seu monólogo de cinco minutos com a voz embargada e a repressao de suas lágrimas é uma das cenas mais fortes daquele ano.
Igualmente, em Sinédoque, Nova York, ele se entregava aos grandes trabalhos. Não devendo nada para Mastroianni em 8 ½, por exemplo, a composição de seu protagonista era uma das mais completas de sua carreira e da década passada. Dono de uma voz inconfundível e personalidade explosiva, ainda iria nos presentear com a brilhante animação adulta Mary e Max, o leal assessor político em Tudo pelo Poder, o orgulhoso técnico de O Homem que Mudou o Jogo, além de seu personagem na franquia Jogos Vorazes.
O Mestre é um capítulo à parte. Sua última parceria com Paul Thomas Anderson rendeu a sua última indicação ao Oscar. Divindo a tela com Joaquim Phoenix, ali ele provava que havia chegado onde poucos conseguiram: transformava-se em uma lenda. Alguém para ser seguido e comentado por muitos anos. Ainda há alguns filmes com o ator para serem lançados, mas a verdade é que Hoffman nos deixou para sempre. E daqui em diante tudo é epílogo.
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