O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) investiga um possível impacto da falta de medicamentos adequados para intubação de pacientes com Covid-19 na morte de um jovem internado na UTI do Hospital Florianópolis, na Capital. A instituição é administrada pelo Instituto Maria Schimitt de Desenvolvimento de Ensino, Assistência Social e Saúde do Cidadão (IMAS), uma Organização Social contratada pelo Estado para gerir a unidade hospitalar.
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Uma ação civil pública foi apresentada pela 33ª Promotoria de Justiça da Capital na última sexta-feira (5) e propõe indenizações de pelo menos R$ 100 mil para cada paciente que comprove ter sido internado e prejudicado pela falta de medicamentos mencionados na ação. Além disso, em caso de condenação, a promotoria também pede a aplicação de R$ 500 mil de indenização por danos morais coletivos à sociedade, valor que seria repassado ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL). Os valores deveriam ser pagos pela organização social e também pelo governo do Estado, de forma solidária.
Os fatos ocorreram entre junho e julho de 2020. Nesse período, segundo o MPSC, pacientes internados em leitos de UTI para tratamento de covid-19 no Hospital Florianópolis teriam supostamente deixado de receber a medicação apropriada para tratamento por meio de intubação. Eles também teriam tido prejuízo no diagnóstico da evolução da doença nos pulmões devido à falta de tomógrafo na unidade hospitalar – o equipamento estaria quebrado.
A 33ª Promotoria de Justiça da Capital alega que “não teria havido, por parte da administração do hospital, a efetivação da transferência dos pacientes internados na UTI-A a outros hospitais capazes de oferecer o tratamento indispensável” e afirma que ao menos um paciente pode ter morrido devido ao agravamento do quadro clínico, possivelmente relacionado com a situação, conforme o texto da ação civil pública.
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O MPSC pede ainda que o Imas seja condenado a suspender a participação em processos de seleção com o Estado de Santa Catarina por até dois anos. A punição estaria prevista no contrato de gestão firmado pela organização social com o Executivo do Estado.
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Investigação apurou se falta de medicamento prejudicou paciente
A ação civil pública foi apresentada com base em um inquérito civil que apurou as circunstâncias da suposta falta de medicamentos para intubação e problema em equipamento para diagnóstico. A apuração teria apontado “fortes indícios” de que a situação pode ter contribuído com a morte de ao menos um paciente. A vítima em questão seria um jovem de 21 anos que morreu em 15 de julho, após mais de 20 dias internado.
A investigação do MPSC teve início em agosto do ano passado, após tomar conhecimento da falta de medicamentos para tratamento de pacientes intubados com Covid-19 no Hospital Florianópolis.
Os medicamentos citados na investigação seriam sedativos e bloqueadores neuromusculares apropriados para manter pacientes com Covid-19 intubados, com respiração forçada ou induzida.
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Falta de bloqueadores neuromusculares a pacientes intubados
Ao longo do inquérito, médicos e enfermeiros que atuaram com o paciente que morreu prestaram depoimentos e explicaram o processo técnico de intubação e os detalhes dos prontuários do paciente.
A apuração indicou que teriam sido administrados ao jovem que morreu medicamentos não apropriados para a manutenção da intubação de pacientes internados em UTI. A técnica comum utilizada nesses casos prevê o uso de medicamento sedativo e anestésico, medicamento analgésico e bloqueador neuromuscular. Nos prontuários examinados pelo MPSC, no entanto, constariam anotações dos profissionais responsáveis pelo atendimento que indicam que o Hospital Florianópolis estava com falta de bloqueadores neuromusculares, substâncias apontadas pela promotoria como imprescindíveis durante a abordagem terapêutica, e que por causa disso, analgésicos seriam aplicados como método de substituição.
Prontuários e depoimentos também indicam, segundo o MPSC, que o tomógrafo estava quebrado e inoperante, e que isso teria impossibilitado diagnóstico de imagem dos pulmões, procedimento que faz parte do protocolo de tratamento da doença e que permite verificar a evolução da doença.
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A falta da substância bloqueadora neuromuscular, segundo o texto do MPSC, resultaria na dessincronização entre o paciente e o ventilador mecânico, uma vez que o paciente, embora sedado, retorna a exercer os movimentos naturais de respiração, o que pode causar danos.
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A investigação também responsabiliza o Estado por ter falhado ao cumprir a parte do contrato de gestão e fiscalizar o cumprimento dos compromissos, como o de manter os estoques de medicamentos abastecidos.
Uma cópia da ação civil pública foi encaminhada a uma promotoria de Justiça Criminal para análise de possíveis infrações penais. O caso está sob sigilo.
Contrapontos
Em resposta ao MPSC, a organização social que administra o Hospital Florianópolis enviou cópias dos relatórios mensais de estoques de medicamentos e de contatos com a Secretaria de Estado da Saúde. A instituição admitiu dificuldade para obtenção de alguns produtos durante a pandemia, mas disse que quando isso ocorreu, recorreu a empréstimos junto ao Estado e a outras unidades hospitalares, assim como também emprestou medicamentos em outras ocasiões. Quanto aos sedativos e bloqueadores neuromusculares, o hospital informou que manteve estoque desses produtos e que os protocolos de sedação “em nenhum momento deixaram de ser seguidos”.
Em nota enviada à reportagem, a organização social Imas afirma que ainda não foi notificada para contestação e nem teve acesso às provas juntadas pelo MPSC para apresentação da defesa. A instituição ressalta que ainda não há nenhum julgamento ou decisão determinando indenização. “As informações que anexamos no processo comprovam que não houve falta de medicamentos, nem de exames e que na falta de equipamentos os pacientes do HF foram encaminhados para outras unidades para a realização do mesmo”, diz um trecho da nota.
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A reportagem fez contato com a Secretaria de Estado da Saúde, mas não obteve retorno até o final da manhã desta quarta-feira (10).
* Com informações da assessoria de imprensa do Ministério Público de SC