Cada vez que a esposa de Wanderson da Silva Lopes fala dele, o choro impede que as palavras sejam compreendidas. O homem morreu aos 29 anos por complicações causadas pelo coronavírus no começo desta semana, em Blumenau.
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Saudável, sem comorbidades, o carpinteiro mal pegava gripe. O óbito precoce simboliza o atual momento da cidade, de aumento no número de casos e na quantidade de vítimas da Covid-19 cada vez mais jovens.
Blumenau já vive uma nova onda do coronavírus.
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— Ninguém está livre dessa doença maldita. Ela leva quem quer. Meu marido não fumava, não bebia, jogava futebol com os amigos. A gente não consegue acreditar — desabafa Uélida Lima Lopes, 28, viúva de Wanderson.
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Quando os primeiros sintomas surgiram, no final do mês passado, Wanderson estava bem, apenas com dores de cabeça. A situação só piorou no momento em que o isolamento chegava ao fim. A febre alta não cessava com remédio algum. A primeira ida do casal ao Hospital Santo Antônio (HSA) ocorreu há uma semana, na quarta-feira (9).
Insatisfeita com o atendimento da unidade, Uélida procurou o Ambulatório Geral da região onde vive. A partir daquele momento a busca por ajuda se intensificou tanto quanto a piora no quadro de saúde do paciente. Com dores e febre constante, Wanderson foi internado na noite de quinta para sexta-feira (dias 10 e 11).
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Uma maior agressividade do vírus tem sido observada há meses por quem está na linha de frente, como a infectologista Sabrina Sabino. Se antes os internados em UTI eram principalmente idosos, há algum tempo o cenário é outro, com leitos ocupados por moradores mais jovens, com ou sem comorbidades.
Grande parte disso, também, deve-se à vacinação, que chegou aos mais velhos nos últimos meses. Com esse público imunizado, restam os demais para a Covid-19 atingir com mais efetividade. Neste mês, dos 14 óbitos confirmados até a manhã desta quarta-feira (16), seis foram de moradores com menos de 60 anos.
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Hospitais cheios
Quando foi internado, Wanderson ficou com o celular para conversar com a esposa. Ela reparou que a dificuldade dele respirar foi aumentando com o passar das horas, mesmo com o suporte do oxigênio. As mensagens de voz foram substituídas pelas de texto.
— Na última vez que ele me atendeu, disse: “Não consigo falar agora, quando der eu retorno”. Fiquei aguardando e quando saí para comprar o presente dele de Dia dos Namorados recebi uma chamada em vídeo, fiquei toda alegre — relembra Uélida.
A euforia durou poucos segundos e se transformou em desespero. Do outro lado da linha, estava a equipe médica. Wanderson estava sendo intubado. Antes do procedimento, ele teve de esperar algumas horas por uma vaga na UTI, mais um reflexo do atual cenário da pandemia.
As unidades de saúde quase não tiveram trégua. Há pouco mais de um mês, Blumenau tinha 100% de ocupação nos chamados leitos UTI Covid, conforme dados da prefeitura. A taxa caiu, apesar de ter permanecido em um patamar alto, em cerca de 70%, mas logo voltou a se elevar. O boletim mais recente aponta que 81% dos espaços estão sendo utilizados por pacientes confirmados ou com suspeita de coronavírus.
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Normalmente, o tempo de permanência nesses locais é longo, variando de semanas a meses, o que dificulta a liberação de leitos. Wanderson, porém, teve um desses casos agudos. Depois de pioras expressivas, a infecção causada pela Covid-19 se alastrou rapidamente pelos órgãos e ele não resistiu, falecendo nesta segunda-feira (14).
A nova onda da Covid-19
Mortes de pessoas mais jovens, aumento de casos, internações em alta e risco gravíssimo para a doença são alguns dos itens que compõem a nova curva. O frio, feriadão, o comportamento da população e a falta de medidas de combate contribuem para o cenário já visto no mesmo período do ano passado. O que deve fazer alguma diferença, agora, é a vacinação.
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Nas últimas semanas, a cidade vem percebendo um crescimento no número de casos ativos. A média móvel está em 129,9. Em junho do ano passado a quantidade de infectados simultâneos era muito parecida. À época, em julho, o município passou pelo primeiro pico do coronavírus, que resultou em um dos meses mais fatais da pandemia.
— As síndromes respiratórias têm sazonalidades e com a Covid-19 não é diferente. Estamos em uma curva ascendente, já percebendo o impacto dentro dos hospitais — conta Sabrina.
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Ainda que a Covid-19 não tenha relação direta com o frio, o comportamento adotado nestas estações mais geladas acaba contribuindo para a transmissão do vírus, já que as pessoas tendem a ficar mais próximas para se aquecer e a deixar os locais com menos circulação de ar, pelo mesmo motivo.
Sabrina revela que as equipes já sabem o que esperar, por conta do que passaram no ano passado. Para ela, a curva deve seguir o mesmo trajeto: um pico em julho e início de queda em agosto. A única importante diferença, neste ano, é a vacinação, que deve amenizar o impacto.
No entanto, como nem todos tiveram a chance de receber a tão esperada imunização a tempo para este inverno, os cuidados precisam ser intensificados, inclusive por quem já contraiu o coronavírus.
— Temos as novas cepas, a pessoa pode contrair uma diferente da que teve na primeira infecção. A gravidade do caso vai depender da variante. A reinfecção é uma realidade, só que há muitos casos subnotificados e subdiagnosticados — alerta em tom de crítica.
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Não há volta
Wanderson e Uélida mantinham os cuidados de prevenção ao coronavírus. Juntos há sete anos, moravam com as duas filhas dela, de 10 e 12 , no bairro Nova Esperança, e caprichavam no uso de álcool em gel e máscara. A infecção, porém, acabou acontecendo no trabalho.
Mesmo em isolamento, Wanderson não deixou o jeito divertido de encarar a vida: fez fotos para passar o tempo, em meio a risos e brincadeiras no sofá, que dias depois serviu de abrigo à esposa em noites de choro. A última imagem que tirou ilustra esta reportagem.
— Ele falou que ia fazer uma pose para me seduzir, era meu “grude”, fazíamos tudo juntos. Ele era assim, único, a alegria de todos, um espírito leve. Uma vez tirou a jaqueta nova que dei a ele para aquecer um morador de rua num dia frio. Por onde passou, distribuiu amor — diz emocionada Uélida.
Baiano, como era conhecido pelos amigos e familiares, deixou um vazio que jamais será preenchido. Mais um entre as mais de 540 famílias de Blumenau que perderam alguém por conta do coronavírus até o momento.
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Uélida tem razão. A Covid-19 leva quem quer.
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