O boto Tufão nadava pela foz do Rio Tubarão na tarde do último domingo (1º), como sempre fazia desde que nasceu, há aproximadamente 10 anos. Ele recebeu o nome dos pescadores locais, com quem o golfinho tinha uma conexão por auxiliá-los no ofício, cercando cardumes e sinalizando aos humanos a presença dos peixes.
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Mas, naquele dia, Tufão foi vítima da irresponsabilidade. O boto parou em uma rede de emalhe, usada de forma irregular na desembocadura do Rio Carniça. Ainda jovem, o animal conseguiu fazer com que a parte da frente do corpo rasgasse a rede, mas a cauda ficou presa nos petrechos de pesca, que pesavam quase 7 quilos. Quando precisou subir à superfície para respirar, não teve forças.
Horas mais tarde, Tufão foi encontrado já sem vida por pescadores que o conheciam. A Polícia Militar Ambiental foi acionada e encaminhou o animal para a Unidade de Estabilização de Fauna Marinha de Laguna, onde a equipe do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), mantido pela Udesc, já estava pronta para fazer a necropsia.
— Constatamos que, de fato, a morte foi por afogamento. Esses animais, como são mamíferos, precisam subir à superfície de tempos em tempos para respirar, e ele não conseguiu porque ficou preso ao petrecho. Ainda constatamos uma infecção em órgãos, o que levanta outra preocupação. Precisamos aprofundar e ver o que está causando isso — explicou o professor da Udesc e coordenador do PMP-BS, Pedro Castilho.
No PMP-BS, Tufão não é conhecido pelo nome, mas pelo número que recebe quando é identificado pelos pesquisadores a partir das marcas nas nadadeiras. A suspeita é que o boto encontrado morto no último domingo seja o 56 ou, mais provável, o 39.
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Assim que confirmada a identidade, uma cruz será desenhada a lápis no catálogo ao lado do número, “oficializando” a morte do animal.
Esta será a terceira cruz desenhada neste ano por causa de redes de emalhe. Um quarto animal, encontrado em estado avançado de decomposição, está com o material genético sob análise para determinar se é de Laguna. Em 2017, foram cinco mortes.
Os números são alarmantes porque a população de golfinhos da espécie Tursiops truncatus, mais conhecido na região de Laguna como boto pescador, oscila em torno de 50 no local. Desses, aproximadamente 20 colaboram com os pescadores. Por isso cada morte é relevante.
Se as mortes continuarem acima da taxa de natalidade, os pesquisadores acreditam que em menos de dez anos a população de botos pescadores diminuirá a um nível em que a extinção na região de Laguna será irreversível. A estimativa é que a reprodução entre em colapso se houver uma redução de 10% na população.
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— Eu queria estar aqui dando entrevista para falar de assuntos positivos, falar do nosso trabalho e dizer que a população está em equilíbrio. Mas, infelizmente, a situação é outra. Enquanto a postura das pessoas não mudar, o cenário também não vai. Precisamos de um pescador e morador consciente. Todos têm uma parcela de responsabilidade. Hoje temos câmeras, celulares, vários veículos para difundir informação e temos que estar mais atentos e denunciar — frisa Castilho.

O problema é agravado pela pesca irregular. Por lei, os pescadores devem respeitar uma “zona de exclusão” de um quilômetro no Rio Tubarão, a partir da foz. Depois dessa área, é permitida a utilização do material, desde que ele não cubra mais que um terço da largura do rio.
Mesmo assim, a lei não é respeitada. Todos os anos, a Polícia Militar Ambiental (PMA) retira mais de 1 mil redes dispostas de forma irregular nas lagoas e rios que compõem o Complexo Lagunar e nas lagoas da Ibiraquera, em Imbituba. O número seria ainda maior, se não fosse pelo efetivo reduzido de fiscalização e a falta de colaboração por parte de alguns moradores, que alertam os pescadores sempre que veem a lancha da PMA sair da base de operações.
— Isso dificulta o serviço para pegar alguém em flagrante — relata o capitão Omar Corrêa Marotto, comandante da 3ª Companhia da Policia Militar Ambiental de Laguna.
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Nova lei municipal torna restrições mais rígidas
Nesta semana, a luta pela preservação dos botos pescadores ganhou um aliado. O prefeito de Laguna, Mauro Candemil (PMDB) sancionou uma lei, aprovada por unanimidade na Câmara, proibindo totalmente o uso de redes de emalhe no Rio Tubarão no território lagunense.
— É um avanço muito importante, algo que nós já defendemos há muito tempo junto aos vereadores, pescadores e ONGs. Agora precisamos trabalhar para que os outros municípios, como Tubarão e Capivari de Baixo, também proíbam, porque o boto não circula só dentro dos limites de Laguna — pontua o capitão Omar.
Pescadores defendem botos
Um boto pescador tem uma longevidade parecida com a de uma pessoa. Em Laguna, há relatos de animais que colaboram com os pescadores há mais de 40 anos. A opção de ajudar na pesca ou não cabe ao próprio golfinho, é uma característica comportamental. As fêmeas que exercem a atividade levam os filhotes para ensinar o ofício.
— Quando um deles fica preso na rede durante a pesca, algo que é normal de acontecer, todos os outros botos avisam. Por isso é importante a presença do pescador no local, para desprender os animais. Não pode deixar a rede lá e sair — explica o pescador Rafael Schmitz.
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Ele e outros profissionais estão organizando protestos a favor de leis e fiscalização mais rígida contra a pesca irregular. Uma manifestação já foi realizada na tarde de segunda-feira (2), em frente à rodoviária de Laguna, e outra está sendo programada para esse domingo (8).

— Não temos nada contra esses pescadores (que usam redes de emalhe). Mas eles precisam entender que, matando os botos, prejudicam o sustento de muitas famílias que dependem desses animais. Além disso, a pesca com botos é o principal atrativo turístico de Laguna. Sem eles, todos vão ser prejudicados — argumenta.