Por trás da figura icônica que marcou gerações em Blumenau havia uma história cheia de tristezas e lutas. A morte da “velha da sombrinha” nesta quarta-feira (24) trouxe à tona fatos que poucos conheciam sobre a dona do apelido, Zelândia Maria Serpa. A começar pela idade. A aposentada tinha apenas 62 anos quando foi encontrada morta na varanda de casa, no bairro Água Verde.

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Para a família, a expressão “velha da sombrinha” é pejorativa e dolorosa, pois lembra uma fase difícil para Zelândia e todos que a amavam. Diagnosticada com esquizofrenia, a blumenauense resistiu ao tratamento por anos, o que resultou nas idas frequentes às ruas e ônibus da cidade. Depois de muita insistência e uma internação compulsória, os cinco irmãos conseguiram de fato ajudá-la. Por isso, há cerca de 20 anos ela deixou de ser vista pelos cantos do município com o guarda-chuva e as roupas sujas.

Com o divisor de águas que foi o tratamento, Zelândia pôde finalmente ter uma vida mais tranquila. Filha de um casal de operário e costureira, a mulher sempre residiu no mesmo imóvel com os pais. Teve uma juventude normal e humilde, mas era muito agitada, recorda o irmão mais novo dela, Fernando Serpa. A família sabia que havia algum transtorno mental, por isso a jovem foi levada a médicos, que fizeram o diagnóstico e prescreveram medicações.

Zelândia, no entanto, fingia que tomava os comprimidos. Fernando revela que encontrou, anos depois, dezenas de caixas de remédio escondidas sob o assoalho da casa. A situação dela foi piorando, o trabalho em uma indústria têxtil acabou se tornando inviável e ainda nos anos 1990 ela foi aposentada por invalidez. A morte da mãe durante aquela década desencadeou crises ainda mais fortes. A permanência nas ruas, então, ficou mais intensa.

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— Isso foi uma parte tão sofrida da vida dela. Por que “velha da sombrinha”? A sombrinha era o escudo dela, ela era abusada moralmente na rua. Toda ação dela era uma reação. Chamavam de velha, mas ela tinha 38 anos na época. Ninguém via o rosto dela porque ninguém olhava para ela de verdade, só viam as vestes — desabafou entre lágrimas outra irmã de Zelândia, Kátia Serpa.

— Ela não fazia por mal, ela só estava descontrolada — complementa o caçula.

Depois de alguns anos circulando pelas vias, Zelândia passou a tomar regularmente os remédios e com o apoio da família teve dias genuinamente felizes. Ficou triste ao saber o que fazia pelas ruas e optou por deixar tudo no passado.

Ela que cuidava do pai de 85 anos e administrava as coisas do lar. Calma, inteligente e boa de papo, a moradora conversava sobre qualquer assunto porque adorava ler livros e revistas no dia a dia. Noveleira, foi modernizando o consumo dos entretenimentos e gostava também de séries e programas de auditório.

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Blumenauense raiz, só comprava roupas e alimentos em estabelecimentos locais. Amava um bom bolo de padaria e ir ao mercado. Nesta semana já tinha garantido o frango inteiro que pretendia assar no domingo. Na quarta-feira, aguardava sentada em um banco da varanda a chegada da cama nova quando teria sofrido um mal súbito. Foi o pai quem a encontrou morta e ligou pedindo socorro a Fernando.

— Ela era meiga, honesta, querida, batalhadora, amável, uma pessoa maravilhosa. Era conservadora, gostava de manter as tradições. Uma blumenauense nata. Minha irmã era uma pessoa boa e para nós sempre vai ser — diz Kátia.

O velório ocorre na capela do cemitério João Pessoa, onde o enterro está programado para as 16h desta quinta-feira (25).

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