Uma tragédia anunciada. Para muitos moradores do bairro Margem Esquerda, em Gaspar, assim pode ser resumido o atropelamento com mortes registrado na BR-470 na segunda-feira (8). Vera de Souza Melo, 44, e Cleonice Brizola, 52, atravessavam a rodovia com o marido de Vera para ir ao mercado quando os três foram atingidos por um carro.
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Elas morreram no local. Ele faleceu uma semana depois no hospital de Blumenau.
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Na região em que o acidente aconteceu, o pedido por uma passarela é constante. Uma audiência pública em 2015 oficializou a reivindicação, conforme registros na Câmara de Vereadores. No documento, a passagem para pedestres foi solicitada sobre cinco pontos da BR-470, entre os Kms 34 e 40. Um deles bem diante da Rua Albertina Maba, onde moravam as duas mulheres mortas nesta semana.
Em 2020, um abaixo-assinado reforçou a necessidade de uma nova audiência pública, desta vez com a presença do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O encontro chegou a ser marcado, conta o morador e vereador Francisco Solano Anhaia, mas teve de ser cancelado com a chegada da pandemia do coronavírus.
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À época, a principal demanda era a travessia perto da Rua Albertina Maba. O DNIT reconheceu a necessidade em um documento assinado pela equipe de engenharia e uma visita foi feita pelos representantes da instituição, surgindo a expectativa de que a demanda sairia do papel. Mas não.
Enquanto nada acontece, o trecho segue fazendo vítimas. Uma delas foi Sandra Mara Balzanello, 44, que sobreviveu para contar a história, no entanto não sem sequelas e dor. Era maio de 2019 quando a vizinha de Vera e Cleonice saiu para trabalhar de bicicleta, como sempre fez. As obras da duplicação ainda ocorriam no ponto da rodovia em que ela costumava atravessar para chegar à empresa, bem próximo ao Km 32,9, onde aconteceu o acidente na segunda-feira.
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Sandra subiu na bicicleta e, ao começar a pedalar em direção ao outro lado, foi atingida por um caminhão. A roda passou por cima dela. Uma das pernas quase precisou de amputação. Para evitar a retirada, foram cinco procedimentos cirúrgicos. As cicatrizes nos membros inferiores e posteriores evidenciam a gravidade do esmagamento que sofreu.
— Estou viva por um milagre. Quando me vi daquele jeito achei que não ia voltar, cheguei a me despedir do meu marido no hospital. É uma sensação de morte, algo inexplicável. Só pedia a Deus para não me levar por causa dos meus filhos — lembra Sandra.
Mãe de uma menina de nove anos e um garoto de 14, é com eles que a moradora mais se preocupa. A escola municipal perto da comunidade é a Professor Vitório Anacleto Cardoso. O marido de Sandra leva os filhos de carro, mas nem todos têm condições de fazer o mesmo.
Ela conta que ver crianças correndo na rodovia com mochila nas costas não é uma cena incomum. Além da unidade de ensino, há outras necessidades do outro lado da BR-470, como um ponto de ônibus e um mercado.
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— Ontem estávamos tentando lembrar. Desde que a obra de duplicação começou já foram pelo menos cinco pessoas que morreram. Nosso primeiro pedido é pela passarela e o segundo, controlador de velocidade — pede o vereador.
Na última década, 69 pessoas morreram atropeladas nos primeiros 100 quilômetros da BR-470, ou seja, de Navegantes a Apiúna. O levantamento é da Polícia Rodoviária Federal, feito em agosto deste ano, e considera apenas os óbitos nos locais, não em hospitais. É o quarto tipo de acidente mais comum da rodovia em uma lista com 11 motivos.

Controle de velocidade
Quando havia lombada eletrônica no trecho, os perigos eram menores, recordam os moradores. Agora, sem controle de velocidade e com as pistas novas e duplicadas, os riscos dobraram.
— Só na Albertina são em torno de 200 famílias. Ali é uma área residencial, tudo que precisam está do outro lado da BR — reforça o parlamentar.
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Sandra ficou mais de um mês internada e quase um ano afastada do trabalho. Depois de dezenas de sessões de fisioterapia, conseguiu voltar à rotina, apesar das limitações impostas pelas lesões. A programadora lembra da visita do DNIT, mas lamenta que não tenha resultado em uma boa notícia até o momento.
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— Depois que a duplicação foi entregue ficou mais perigoso, porque os carros correm muito mais. Já tentei atravessar meus filhos a pé, mas não dá, o movimento é ainda maior — conta.
Para ir ao serviço, Sandra continua passando pela BR-470 a pé. Todos os dias sai de casa com medo de não voltar.
— Vou fazer o quê? Preciso pagar minhas contas. A gente vai passar por onde?
Sem previsão
O DNIT reconhece a necessidade de uma passarela em Gaspar e outros trechos da BR-470, como já mencionado em um ofício no ano passado, mas disse, por nota, que o “atual contrato de duplicação da BR-470 não prevê a construção” delas.
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Isso significa que não há orçamento previsto para esse objetivo e um novo projeto precisa ser feito. Ele pode ser acrescentado ao contrato atual ou virar uma obra à parte. Esse detalhe, porém, ainda não foi definido, tampouco o tempo que será preciso para elaborar o novo projeto.
“A demanda já está em fase de estudo na autarquia”, declarou o DNIT na nota.
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