Às margens da rodovia Dona Francisca, em uma região rural e simples localizada no limite entre os municípios de Joinville e Campo Alegre, vivem cerca de 50 famílias que, se sobrepondo à invisibilidade, buscam pelo básico. Sem água encanada e transporte público, há um mês os moradores também lidam com a possibilidade da falta de atendimento na saúde e, inevitavelmente, o sentimento de aflição toma conta.
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O ponto de encontro escolhido pela comunidade foi uma antiga escola, fechada há anos e que, casualmente, contrasta com a sensação de abandono dos que ali estavam. Para chegar à reunião, alguns foram de carro próprio, mas outros, que vivem próximo ao Km 48, atravessaram na correria a movimentada via sem acostamento e faixa de pedestres.

A porta-voz da comunidade, Franciele Mara Vaz Rodrigues, 27 anos, destacou que não é de hoje que a população vive na incerteza e sem recursos. A situação se agravou quando, ao buscar por consultas médicas, os moradores não conseguiram mais medicamentos, atendimento com especialistas e retorno para exames.
Franciele explica que, além das 50 famílias que vivem no Km 48, a comunidade que sofre com este problema abrange outras três localidades: desde Rio do Júlio, mais na ponta da Serra Dona Francisca, passando pela Abaeté até chegar na Laranjeiras. O Km 48 fica mais próximo da divisa entre os municípios, mas do lado joinvilense, assim como os outros. Apesar disso, a maioria dos moradores executa atividades econômicas e de lazer em Campo Alegre, pela proximidade e pelo costume.
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– Nós nos sentimos jogados. Ninguém está nem aí. Aqui, está faltando roçar, falta água, há mais de oito meses que a assistente social não está passa por aqui. Estamos abandonados – diz Franciele.
Thiago Mazzuco, 34 anos, tem uma prótese na perna por causa da diabetes. O morador conta que se trata em Campo Alegre há nove anos, mas, na última vez que buscou atendimento, lhe pediram um comprovante de residência. Ele afirma que atualmente há uma “burocracia” para ser atendido quando cita que mora no limite das cidades.

Ele reforça que o problema não está com o atendimento em si, que define como “excelente”, mas com a falta dele. Caso precise buscar auxílio em Joinville, como já fez em outras oportunidades, teme pela demora na fila de espera por conta da demanda e a distância.
– Daqui, o primeiro posto de saúde de Joinville que tem é o do Rio da Prata, dá uma diferença de quase 30 quilômetros. Para Campo Alegre, é de 13 a 14 quilômetros. E assim, a maioria, se tivesse que ir para lá, dependeria de uma condução para eles de lá vir buscar aqui, porque a maioria não tem carro – aponta Mazzuco.
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Vilson Nienow, 71 anos, é aposentado e usa a saúde pública de Campo Alegre para fazer fisioterapia e tratar a artrose nos joelhos. Ele reclama que, nos últimos dias, “com muito custo”, tem conseguido atendimento, mas há casos em que, quando consegue consulta, nem sempre recebe encaminhamento a especialistas.
Quando questionou o motivo desta mudança, conta que os profissionais justificaram que Joinville parou de repassar a verba para a saúde, já que esses moradores seriam de responsabilidade da maior cidade catarinense.

– Por que as prefeituras não fazem uma coisa certa? Deveria ser uma coisa permanente, cada troca de gestão é a mesma situação. Campo Alegre agora não quer mais o pessoal no posto de saúde, mas quando era pra buscar votos, vieram, não só uma vez. Agora, não precisam mais de nós – reclama Nienow.
Sirlene Ramos, 52, sofre de depressão e relata que está há dias sem dormir por conta da falta do remédio que usa para o tratamento. Ela conta que quando foi ao postinho exigiram um talão de luz, que está no endereço de Joinville, “mas meu lado ali nem pega Joinville, é Campo Alegre”, justifica. Ela cita que há pessoas que estão até se obrigando a comprar os remédios.
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Cláudio Pereira Cardoso, 70 anos, faz hemodiálise há dois anos em São Bento do Sul. O idoso conta que uma equipe da saúde de Campo Alegre busca-o em casa e o leva até a outra cidade. Para isso, precisa acordar às 4h para chegar no horário do atendimento. Caso precise ser transferido a Joinville, tem receio de ter que tirar do bolso o dinheiro para fazer o tratamento na cidade vizinha.

– Se for pra pagar carro, dinheiro de onde? E ambulâncias eles não mandam, só se tiver morrendo. Na maioria das vezes, temos que contar com a ajuda dos vizinhos – reflete Dinacir dos Santos.
Falta transporte e água
As famílias que moram no limite entre os municípios estão a mais de 50 quilômetros do Centro de Joinville. O ponto final da linha do ônibus circular fica no bairro São Miguel, em Campo Alegre, a uma distância de quatro quilômetros do Km 48. Quem não tem carro próprio, precisa depender da carona de vizinhos ou fazer o trajeto a pé.
Dinacir dos Santos diz que precisou deixar o trabalho de diarista e está há dois anos desempregada, já que não tem condições de ir trabalhar. Agora, com o esposo adoentado, o casal vive das economias que reservam em uma poupança, mas a mulher tem ciência de que uma hora ou outra o dinheiro vai acabar.
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Por um período, a família conseguiu auxílios do governo federal para os custos básicos, mas depois que os recursos foram cortados, Dinacir diz que “se vira como dá”. Ela, que criou seis filhos sozinha, diz que trabalhar nunca foi um problema para ela, mas, sem transporte, está impossibilitada.
– A última vez que fui pegar o auxílio, deu raiva. O homem (do banco) olhou para mim e disse: “e é o último, vá trabalhar”. Como se a gente não quisesse – indigna-se Dinacir.
Franciele comenta que em 2019, por causa desse impasse no transporte, as crianças ficaram o ano todo sem ir à escola em Campo Alegre. Atualmente, mesmo que na cidade vizinha, o serviço é fornecido por Joinville.
– Tanto na saúde quanto na educação fica neste jogo de empurra – diz Franciele.
Outra reclamação dos moradores é a falta de água encanada. Os moradores têm poços artesianos e pegam água das nascentes da localidade. No entanto, no inverno acontece um período de seca e as famílias se obrigam, em algumas situações, a buscarem água de balde para lavar roupas e cozinhar.
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Franciele conta que já foram feitas promessas para melhorar esta questão na região, no entanto, as propostas não saíram do papel.
– Temos dois prefeitos, mas não temos água, não temos rede de telefone e nem uma estrada direito. Não temos nada — reivindica Sirlene Ramos.
Moram em Joinville, mas votam em Campo Alegre
Apesar de morar em solo joinvilense, a população que vive nas quatro localidades votam em Campo Alegre durante as eleições. Apenas dois moradores da região, que foram servidores públicos no município, precisam descer a Serra durante o pleito.
De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), isso pode ocorrer porque, em alguns casos, é utilizado o conceito de domicílio eleitoral que, conforme o artigo 42 do Código Eleitoral, prevê que o eleitor pode votar no lugar onde reside ou outro lugar em que possua vínculos específicos, que podem ser familiares, econômicos, sociais ou políticos.
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O que dizem as prefeituras
Por meio de nota, a prefeitura de Campo Alegre informou que está, de fato, atualizando todos os cadastros dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) do município e, que por este motivo, está pedindo comprovante de residência dos moradores. No texto, o município nega a falta de atendimento nas unidades básicas e afirma que a população, que vive do Km 48 ao Rio do Júlio, está sendo orientada a procurar atendimento na cidade onde residem, ou seja, em Joinville.
“Essas pessoas estão recebendo atendimento de enfermagem, consultas médicas, exames de laboratório, atendimento psicológico e de fisioterapia, inclusive a vacina da Covid-19, bem como os demais imunizantes além de medicamentos básicos. Nos serviços de média e alta complexidade, os pacientes são encaminhados para atendimentos médicos e exames especializados, além de utilizar o serviço de transporte do município”, garante a prefeitura.
A Secretaria de Saúde de Campo Alegre disse ainda que procurou a responsável pela Unidade de Saúde do Rio da Prata, de Joinville, que informou estar fazendo um estudo quanto ao número de pessoas que deveriam ser atendidos no local, enquanto isso, a secretaria de Campo Alegre está fazendo o levantamento dos atendimentos realizados.
A prefeitura reconhece que há uma distância de até 27 quilômetros do Km 48 ao posto de saúde mais próximo de Joinville e que existe a dificuldade dos moradores se deslocarem até lá, já que o transporte coletivo tem poucas linhas e é oneroso.
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A Secretaria de Saúde de Joinville sustentou que os cidadãos que moram em território joinvilense devem procurar uma Unidade Básica de Saúde da Família da cidade que atenda a região onde vive. No caso dos moradores da Serra Dona Francisca, o município conta com a UBSF Adalberto Larsen “Rio da Prata”.
“Como a Atenção Básica funciona por territórios, é aconselhável que essas pessoas atualizem seus cadastros na UBSF joinvilense mais próxima de suas residências. A Prefeitura de Joinville não mantém acordo com a Prefeitura de Campo Alegre para atendimento de joinvilenses naquele município”, finaliza a nota.
Com relação ao serviço de linhas de ônibus, a prefeitura de Campo Alegre alega que não possui este tipo de serviço por causa da pouca demanda. Sobre o transporte escolar, afirma estar em pleno funcionamento, graças a formalização de um convênio onde Joinville custeia o transporte para que as crianças estudem na cidade, justamente por ser o local mais próximo.
Já a questão água, a prefeitura de Campo Alegre diz que, neste momento, não há previsão de melhorias no saneamento básico para fornecer o serviço aos moradores, que utilizam sistemas próprios de coleta.
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