As marcas da duplicação estão na casa de Aline Rodrigues Longaray, 31 anos, e Márcio Garcia, 30, que moram às margens do primeiro quilômetro da BR-470, em Navegantes. As rachaduras nas paredes de tijolos evidenciam que os trabalhos estão a ponto de chegar exatamente ao lugar em que o imóvel está localizado.

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A trepidação das ferramentas da obra causaram os estragos, conta a diarista. Ela é uma das dezenas de pessoas que terão de deixar o local onde vivem para dar espaço à modernização da BR-470. A desapropriação, porém, não prevê um centavo sequer, já que o terreno está na chamada faixa de domínio, pertencente à União.

— É muito perigoso morar do lado da BR, acho que preciso sair daqui, mas não posso ir sem nada. Suei, trabalhei todos os dias para ter minha casa. É simples, mas é o que consegui — lamenta.

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O imóvel de alvenaria tem cinco cômodos, é pequeno e inacabado. Do lado de fora, vigas e tijolos à mostra. A laje reforçada indica os planos de um segundo andar. Ao lado, está a casa do pai de Aline, onde ela viveu a partir dos cinco anos, quando a família deixou o Rio Grande do Sul e se mudou para Navegantes. 

Praticamente todas as memórias da infância são da vida ao lado da BR-470. A rodovia que hoje traz angústia sobre o futuro da família é também a que serve de passagem para as idas ao posto de saúde, mercado, padaria ou lojas próximas, já que divide os bairros São Domingos e São Paulo. 

“Com emoção”

Aline sabe do perigo das travessias por experiência própria. O pai dela já foi atropelado diversas vezes, mas nunca com gravidade. Já a filha não teve a mesma sorte. Com 10 anos, enquanto atravessava a pista para visitar a avó, um motociclista a atingiu em cheio. Aline ficou seis meses sem andar e teve queimaduras nas pernas, cujas cicatrizes ainda carrega. O episódio serve de alerta para os três filhos dela, de três, oito e 12 anos. 

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Apesar dos riscos, eles aprenderam a conviver com a rodovia. Os pequenos sabem que subir o barranco que separa o terreno das pistas é proibido. Brincar, só no final da rua sem saída ou dentro de casa. As roupas são penduradas no varal do lado em que não há BR, para evitar a poeira escura sobre as peças limpas. Estar diante da rodovia tem mais ônus que bônus, mas nem sempre foi assim.

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Na frente da casa que construíram há quase 15 anos havia outras duas, que foram desmanchadas com o avanço das obras onde a rodovia nasce. Desde então é a de Aline que fica de frente com a BR-470. No começo deste ano, a proximidade quase resultou em tragédia. Uma carreta tombou no quintal e por pouco não destruiu o imóvel dela e do vizinho, que dormia no momento do acidente. Viver ao lado da BR é sempre “com emoção”, brinca a moradora.

Moradores das margens buscam indenização

Obra no início da BR-470, em Navegantes.
Obra no início da BR-470, em Navegantes. (Foto: Patrick Rodrigues)

Quando o pai de Aline comprou o terreno, há quase 30 anos, o documento de aquisição passou pela prefeitura. Assim que ela construiu no mesmo espaço, em 2008, o município forneceu a numeração. Por isso, quando representantes do DNIT passaram pela casa da moradora e falaram sobre a necessidade de desapropriação, ainda em 2011, a prefeitura foi a primeira a ser procurada.

— Eles falaram que não era com eles, que tinha que ver com um advogado. Acho que se não pudesse construir, eles teriam de embargar a obra lá no começo — reclama Aline.

O caso está nas mãos de uma advogada, que tenta ao menos garantir uma indenização à família. No começo deste ano, o órgão federal voltou a procurar os moradores e alertou sobre a necessidade de deixar o imóvel. O prazo para sair foi de 90 dias, mas a defesa conseguiu postergar o período.

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A ideia de um segundo andar e de fazer os acabamentos necessários ficou para depois, ou muito provavelmente para nunca mais, pois a promessa do DNIT é que a marginal que passará sobre a casa de Aline seja entregue no primeiro semestre de 2022. O departamento pretende efetivar as oito desapropriações que faltam na região até o final de 2021.

Há dois anos, o órgão enviou à Secretaria Municipal de Planejamento Urbano de Navegantes uma lista dos terrenos públicos invadidos. Entre os mais de 50 está a casa de Aline.

Placa mostra início do lote 1 da obra da BR-470.
Placa mostra início do lote 1 da obra da BR-470. (Foto: Patrick Rodrigues)

— Eles dizem que é invasão e não tem por que indenizar. A gente mora desde 2008 nessa casa. A minha vida está aqui, minha história, meus filhos… Vão botar a gente onde? Não temos um plano B — desabafa a moradora.

Segundo o DNIT, nos quatro lotes de duplicação da BR-470 estão previstos 663 processos de desapropriação. Desses, 193 foram ajuizados por R$ 63 milhões, nove deles em Navegantes. Nos casos sobre faixas de domínio não há indenização prevista. Para desocupar os terrenos regulares que ainda restam, a estimativa é que o governo federal desembolse mais de R$ 140 milhões.

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