Joinville é uma cidade repleta de personagens. Sua história, tecida por nativos e imigrantes, carrega no nome de suas ruas e bairros figuras que se destacaram no país, desde as que já pisaram em solo joinvilense até as que nunca cruzaram seus caminhos com a cidade. Este é o caso de Ana Maria de Jesus Ribeiro, a Anita Garibaldi. Nascida em Laguna, no Sul de Santa Catarina, neste dia 30 de agosto comemora-se o aniversário de 200 anos da revolucionária que foi imortalizada no município na década de 1920.
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Há personagens, que como Anita, ficam conhecidos pelas grandes batalhas travadas ao longo da vida. Há outros, que mesmo anônimos, devem ser reconhecidos por carregar a história e dividi-la com a riqueza de detalhes que só quem viveu a época pode dar.

Osório Rosenstock é um legítimo “anitense”. Há 85 anos, vive no Anita Garibaldi, na rua de mesmo nome, e conhece a maioria dos vizinhos pelo primeiro nome. Há 22, inclusive, foi um dos incentivadores para a criação da associação de moradores do bairro e frequentador assíduo do clube de futebol Bonsucesso, onde atualmente é localizada a rodoviária de Joinville.
> Leia a cobertura especial sobre os 200 anos de Anita Garibaldi
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O pedaço de terra onde vive, comprado por seu avô, passou de pai para filho e, de filho para neto. Hoje, único herdeiro, o aposentado é uma espécie de guardião das terras consideradas o tesouro da família.
“Não preciso sair do Anita”
Da década de 1930 para cá, seu Osório acompanhou, das largas janelas de sua casa de madeira, a evolução da então estradinha estreita, que não comportava direito uma carroça.
Viu, inclusive, a rua Anita Garibaldi, anteriormente denominada “Kaiserstrasse” (Estrada do Imperador), desempenhar um papel tão importante na economia da região a ponto do bairro também adotar o nome da ativista catarinense.
– A rua era bem estreitinha, não se via automóvel. As mercadorias eram trazidas para o bairro a cavalo. Depois, veio a água encanada, energia elétrica. Acompanhei também a exportação de madeira de araucária, que vinha por intermédio de trem. [A carga] era estocada em um galpão e ia de carroça para o Bucarein, onde colocavam na barcaça e levavam para o navio em São Francisco do Sul para exportação – lembra.
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Em uma dessas oportunidades, Osório se recorda orgulhoso que viu o navio Catarina descarregar trigo no Moinho de Joinville. A embarcação foi uma das maiores — se não a maior — que já navegou pelas águas do rio Cachoeira.
O bairro cresceu tanto que o aposentado justifica não ser preciso sair dele. Ele casou, batizou os três filhos e acompanhou a primeira eucaristia dos cinco netos na Paróquia Luterana Cristo Bom Pastor, além do batizado da bisneta, de cinco meses. Sabe enumerar a quantidade de mercados, postos de gasolina e escolas que o Anita possui. Confessa que só saía do bairro mesmo para namorar dona Marlene, 87, sua companheira há mais de seis décadas.

– Ela é do bairro Costa e Silva, antiga Estrada Cruz, atualmente Rui Barbosa. Ia namorar daqui lá de bicicleta. Onde ela morava não tinha luz elétrica ainda, eles acendiam vela pra não ficarmos no escuro. Meu pai teve que assinar autorização pra eu casar, não tinha 21 anos ainda. Sorte que eu já tinha construído minha casa aqui, aí trouxe ela [esposa] pra cá – conta, às gargalhadas.
De produtos agrícolas às indústrias
O bairro Anita Garibaldi foi formado com a chegada de imigrantes germânicos, a partir de 1851. O historiador Dilney Cunha explica que, nesta época, a maioria das famílias pobres que adquiriram lotes na região cultivavam produtos agrícolas e criavam gado para sua subsistência e comercializavam o excedente.
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Também na época se estabeleceram alguns pequenos empreendimentos artesanais e comerciais que fabricavam e revendiam esses produtos agrícolas, além de ferramentas, utensílios domésticos, itens importados, mantimentos e bebidas, de acordo com Cunha. Além da rua Anita Garibaldi, a Copacabana, antiga Paratistrasse, também foi considerada a principal via do bairro.
– Tem que se destacar que o ramal e a estação ferroviária, construída em 1906, impulsionaram o desenvolvimento da região – evidencia o historiador.

Foi a partir do século 20 que a região passou a contribuir efetivamente para o desenvolvimento industrial do município, com a chegada de indústrias, como a Fábrica de Pentes do Sr. João Hansen Jr, a primeira instalada no bairro, que posteriormente originou-se a Tigre.
– Aqui também nasceu uma grande empresa de Joinville, a Metalúrgica Schulz. Começou com uma fundição de alumínio na esquina da rua Anita, depois foi como fundição de ferro na [rua] Paraíba e depois foi para Dona Francisca – conta seu Osório.
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Anos mais tarde, o bairro passou a contar com o Hospital Municipal São José e a Maternidade Darcy Vargas, além das instalações de instituições de ensino como o Colégio Elias Moreira, Faculdade Cenecista e a Unisociesc.
– Essas instalações dinamizaram o bairro nas últimas décadas, que se urbanizou completamente, perdendo suas características rurais originais – completa o historiador.
Apesar da urbanização do bairro, seu Osório mantém um casal de perus de estimação e sua casa é cercada por flores e outras plantações, relembrando a época em que ajudava o pai com as criações.

A casa de seu Osório, inclusive, é repleta de artigos antigos, desde relógios com números romanos de pêndulo a fotografias pintadas à mão ou registros em preto e branco. Há decoração por toda parte. Obra de dona Marlene, segundo ele. De cabeça, sabe citar todas as datas das fotos e aniversários de parentes. Tão boa quanto sua memória, inclusive, é sua visão. “Enxergo até letrinhas miúdas”, aponta.
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Antigo trabalhador de chão de fábrica, seu Osório goza da aposentadoria e continua acompanhando, de forma atenta, as alterações no bairro onde vive — e não pretende sair- e conhece como ninguém a demarcação do território.
– Nosso bairro começa aqui na estrada de ferro, na rua Anita com a Getúlio Vargas, segue e vai até a BR-101. Da BR vai até a Ottokar Doerffel. De lá, segue até pegar outra vez a avenida Getúlio Vargas. São 3.050 metros quadrados e mais de 13 mil habitantes.
Mantendo as tradições
Apesar de nunca ter pisado na cidade, além do nome do bairro, a presença mais evidente de Anita Garibaldi em Joinville é a réplica de seu monumento que existe em Laguna. A peça fica exposta em frente ao Piazza Itália, antigo restaurante de comida italiana da cidade.
A catarinense foi uma importante personalidade brasileira, conhecida como uma das protagonistas na Revolução Farroupilha, no Sul do país. Companheira do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, Anita ficou conhecida como a “heroína dos dois mundos”, após ter participado de importantes batalhas no Brasil e na Itália.
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Antônio Francisco da Silva, 72, sabe da trajetória de Anita e reconhece a importância da manutenção da história. Dono do “Bar do Tonho”, humilde e largo estabelecimento plantado na rua Gothard Kaesemodel, esquina com a rua Anita, Seu Tonho se entristece com a falta de interesse com tudo que é antigo.

Já cobrou de políticos, inclusive, que museus e locais de arte fossem restaurados. Em seu espaço, reserva uma coleção de vinis, cds e dvds, além de livros de história.
– Livro não pode ser jogado fora – defende.
Seu Tonho conta que apenas conhecidos frequentam seu bar. Não por nada, mais por costume do bairro. No local, não vende cachaça nem cigarro, apenas cerveja aos apreciadores e os petiscos da dona Sônia, sua esposa. Aos fins de semana, vende frango e costela para os residentes e moradores de fora.
Antes de entrar para o ramo, Antônio formou-se em técnico em mecânica e chegou a atuar em empresa, mas largou tudo para seguir o sonho de um negócio próprio. Começou com uma discoteca em Barra Velha, sua cidade natal, depois passou a empreender em Joinville. Neste ano, comemorou 35 anos da primeira cerveja que abriu em seu espaço, que já foi palco de festas de aniversário e casamentos.
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– Quando peguei isso aqui, em 1987, estava tudo abandonado. Na época era uma sociedade, tinha jogo de bolão. Mas muitas coisas da época já se acabaram. Pra que abandonar? É a história de Joinville, é bonito pra cidade. Atrai turismo. É uma enciclopédia. Cuido muito das coisas – lamenta.
Ultimamente, seu Tonho pouco tem caminhado pelas ruas do bairro. Se preserva por causa da Covid-19. Também por conta da pandemia, o movimento diminuiu e a renda que recebe dá para pagar as contas, sem faltar e nem sobrar.

Sua alegria se refaz quando troca alguma peça mais antiga do bar. “me renova a vida”, diz. Sujeito mais reservado, seu Tonho se solta ao falar da “boa música”. Ele se encaixa no grupo dos metaleiros, mas acaba possuindo discos do rock ao samba, para agradar a clientela.
Durante a conversa, viajou por entre as décadas, com ar nostálgico. Se pudesse, manteria o Bar do Tonho por muitos anos, mas volta à realidade quando se dá conta que este desejo não depende só de si.
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