Na cidade mais alta e fria do Estado, todo mundo têm alguma opinião sobre o clima. Acostumados com um fenômeno raro no país, os ausentinos dependem do frio para ver borbulhar sua principal atividade – o turismo. Por isso, estão sempre empenhados em emitir pareceres rápidos e convincentes quando a pergunta é: será que vai nevar?
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As interpretações e a criatividade da população são autênticas. O gado em busca de abrigo e o grito da saracura (espécie de galinha do mato), por exemplo, indicam frio extremo. Morador mais antigo da cidade, Cezinando José Ribeiro, 86 anos, traz do berço a crença nos sinais da natureza.
– Se o vento é norte, vem chuva. Se for sul, frio. Lua crescente virada para baixo, instabilidade. Frio sem chuva é geada, mas se garoa, então pode acreditar que é neve na certa – afirma, em tom de profecia.
Tio Nandi, como é chamado, já perdeu as contas de quantas vezes viu o chão coberto de branco. Só que agora, o cenário é bem diferente:
– Cai qualquer nevezinha e fica todo mundo abismado. Há 50 anos era brabo, ficava uma camada de até um metro de altura – recorda com saudade.
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Tio Nandi aposta nos sinais da natureza para estimar como estará o tempo
Foto: Félix Zucco, Agência RBS
Além de atrair turistas de todos os cantos, a baixa temperatura é ingrediente também para a produção de maçãs, principal cultura da região. É preciso de pelo menos 600 horas (o equivalente a 25 dias) de um frio inferior a 7°C por ano para garantir o sabor e a coloração da fruta. Quem explica é o fruticultor Paulo Búrigo, 44 anos.
– Dependemos do frio para a produção render. Mas não pode ser em excesso, senão queima o pasto – diz o produtor, que também trabalha com pastoreio.
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Esse equilíbrio climatológico ideal para os negócios de Búrigo é raro, uma vez que a cidade possui um microclima específico. Em um só dia, a cidade pode ter as quatro estações, com variação de até 20°C. É justamente essa oscilação que atrai os visitantes, segundo o secretário de turismo Alziro Rocha.
Quando quer exatidão, antes de agendar uma visita aos cânions, Rocha confirma a previsão com Domingos Cardoso Pereira. Conhecido como “guardião do cânion”, ele mora ao lado do Pico Montenegro, ponto turístico mais alto do Estado. Lá, tem uma pousada a 1.270m do nível do mar e um contato privilegiado com a natureza. Com 69 anos e 14 de experiência no turismo, diz que não teme errar a previsão.
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– Observo a umidade, a cor do céu e o vento minuano. O resto é com Deus – brinca, antes de admitir que escuta diariamente a rádio Nevasca FM.
Se, contudo, os próprios olhos observarem algo diferente do que foi anunciado, prefere confiar na intuição, treinada desde os tempos de guri, quando ajudava o pai na roça.
Os boletins da Rádio Nevasca
O que o agrônomo Ronaldo Coutinho do Prado fala em seus boletins na rádio Nevasca FM, é quase lei para os ouvintes de São José dos Ausentes. Os boletins de hora em hora do meteorologista de São Joaquim (SC) ajudam a dar garantia às previsões pessoais dos locais.
– Ele acertou em cheio o dia da neve – diz a dona de um hotel.
Anúncio de sensação térmica abaixo de -15°C e descrição de campos congelados são falas recorrentes na emissora. Não fosse o sotaque catarinense bem-humorado de Prado, as chamadas para o programa Snow News fariam pensar que a rádio é de outro país.
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Sobre a fama que tem entre os ausentinos, Prado atribui a assertividade a três estações localizadas na região, embora ressalte que há diferença do clima no centro das áreas mais afastadas, onde estão os medidores.
Apesar de confiar integralmente na técnica, o “mago do clima local” reconhece o valor da sabedoria popular. Para ele “a natureza dá os seus sinais, basta saber observar”.
– Os animais e as plantas têm uma sensibilidade às mudanças de pressão, temperatura, campo elétrico. Esses sinais têm certa validade – conclui.