Os moradores de rua que dormem na marquise da agência do banco Bradesco, no Centro de Joinville, foram obrigados a deixar o local na manhã desta segunda-feira, 18 de setembro. Por volta das 9 horas, policiais militares, agentes da Guarda Municipal e servidores da Prefeitura de Joinville chegaram no local e iniciaram a ação que contou com a presença de curiosos e comerciantes da região.

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De acordo com o governo municipal, as pessoas foram convidadas por servidores da Secretaria de Assistência Social (SAS) a serem conduzidas ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), onde podem receber atendimento e orientações da estrutura oferecida pela Prefeitura. O Centro Pop, entretanto, fecha às 19 horas e não é utilizado para pernoite.

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Os colchões e algumas peças de roupa das pessoas que utilizam o espaço coberto foram retirados por funcionários da Ambiental e descartados num caminhão de lixo. Servidores da SAS separavam os pertences dos moradores, que seriam levados, de acordo com a Prefeitura, para o Centro Pop. Logo após a saída dos moradores e a retirada de seus pertences, as grades de ferro que vão cercar o espaço foram deixadas no local. A medida foi tomada pela agência bancária após pedido da Prefeitura de Joinville.

Durante a ação, um homem com mandado de prisão em aberto foi detido pela Polícia Militar. Os policias encontraram no local algumas buchas de maconha e pedras de crack. Sidney Alexandre, que trabalha na rua Dona Francisca, aprovou a medida adotada pelo banco.

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– Para nós, é ótimo. Tem muito tráfico de drogas. É feio para a cidade. Já vi pessoas armadas com faca. Não tem como trabalhar em paz – afirmou Sidney.

Do outro lado da rua, o gaúcho Eliel dos Santos, de 32 anos, observava a ação. Eliel contou à reportagem do jornal A Notícia que há três meses tem dormido nas ruas de Joinville. Ele afirmou que nunca dormiu na marquise da agência, mas que procurava o espaço para se alimentar, já que grupos ligados à instituições religiosas ofereciam jantar no local. Eliel vê como positiva a ação adotada nesta segunda-feira. Ele conta que não dormia ali porque havia tráfico de drogas, prática que ele não aprova. Eliel diz que a situação não é diferente no entorno do Centro Pop, próximo à rodoviária.

– Às vezes eu vinha para pegar comida. Não dormia porque dava muita coisa errada – disse Eliel, sobre a marquise da agência bancária. Eliel afirmou que procurou o Centro Pop para voltar à sua cidade, mas que teve seu pedido negado. A Prefeitura de Joinville afirmou que compra as passagens para quem quiser retornar ao seu município e que não localizou nenhum registro de Eliel.

Estratégia da Secretaria de Assistência Social é “criar desconforto”

O secretário de Assistência Social Vagner Ferreira de Oliveira, que acompanhou a ação no Centro de Joinville, afirmou que a medida faz parte de uma estratégia da secretaria de “criar um desconforto” para que as pessoas em situação de rua procurem sair desta condição. Ele afirmou também que a Prefeitura pretende coibir a prática de malabares e de comércio ilegal em cruzamentos de Joinville.

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– Cerca de 80% das pessoas que estão em situação de rua em Joinville não são da cidade. Os municípios no entorno acabam transferindo o problemas deles pra nós. Queremos coibir essa prática. Nós vamos intensificar as vistorias em locais onde tem aglomero, como na Estação da Memória e em Pirabeiraba. Criando um desconforto vamos diminuir o número de pessoas em situação de rua e vamos diminuir o tráfico de drogas na região central. Isso vai refletir na segurança pública e no comércio – defendeu.

Vagner afirmou que até o dia 22 de setembro as pessoas ainda podem procurar o Ginásio Abel Schulz, na rua Rio Branco, 54, no Centro, para pernoite das 21 às 6 horas. Depois desta data, a expectativa é que as pessoas possam pernoitar na comunidade Essência de Vida, em Araquari, que oferecerá cinco vagas por dia após assinatura de convênio com a Prefeitura. A capacidade é muito menor do que o número de moradores em situação de rua. Conforme reportagem publicada pelo jornal A Notícia em julho, o número de pessoas que vivem em situação de rua aumentou em Joinville. Segundo Vagner, há cerca de 750 moradores de rua na cidade.

O secretário afirmou que o próximo passo da Prefeitura é intensificar as abordagens com pessoas que praticam malabares em Joinville.

– Algumas pessoas intitulam eles como artistas, eles se consideram artistas. Temos um problema cultural. Recebemos esses malabaristas, mas a nossa política de assistência social não considera eles como artistas. Nós também vamos abordar aqueles que vendem pirulitos e balas de goma nos semáforos. É uma forma de dar esmola – afirmou Vagner, que considerou que a ação desta segunda-feira foi “muito positiva”.

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“Encaminhar para o Centro Pop não resolve o problema”

Nasser Haidar Barbosa, psicólogo e coordenador do Centro de Diretos Humanos (CDH) Maria da Graça Bráz, reprova a medida, pois acredita que ela “não resolve o problema das pessoas em situação de rua nem da cidade”.

– Tem um modus operandi nacional que está se repetindo em vários locais, como São Paulo. Percebemos que Joinville vai seguir a mesma linha. O grande problema aqui é que não existe um albergue público, que acolha as pessoas em momentos de necessidade e com poucos critérios. Passou do tempo de Joinville ter um albergue, encaminhar para o Centro Pop não resolve o problema. O efeito de uma ação como essa é espalhar as pessoas pela cidade. Não resolve os problemas delas e nem da cidade – afirmou.

De acordo com Nasser, o CDH conta com um programa de acolhimento social, o Balcão de Direitos Humanos, onde os moradores podem procurar a entidade para receber orientações. O psicólogo afirmou à reportagem do AN que o CDH estuda a possibilidade promover uma ação civil pública para reivindicar um albergue público e para questionar o funcionamento do Centro Pop. Nassser se opõe à afirmação do secretário de Assistência Social de “criar um desconforto” para os moradores de rua.

– É um equívoco gigantesco enquanto linha política de atuação. Dormir na rua já é desconfortável, não sei na cabeça de quem que há um conforto em estar nessa situação. Para quem trabalha com pessoas em situação de rua é muito claro que não é o que elas querem necessariamente, é o que preferem em relação a outras coisas – afirmou.

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Esclarecimento

O secretário de Assistência Social de Joinville, Vagner de Oliveira, esclarece o uso da expressão “desconforto” usada na matéria do jornal A Notícia, sobre a operação de retirada das pessoas que se encontram em situação de rua da fachada do banco Bradesco.

Segundo o secretário, as ações da Secretaria da Assistência Social visam estimular as pessoas em situação de rua a procurar apoio e orientações nos serviços existentes ao atendimento ao próprio morador de rua, como o Centro Pop. Além disso, a Prefeitura de Joinville, através da Assistência Social, está firmando convênio para 150 vagas mensais voltadas ao atendimento a essas pessoas.

As nossas ações não devem ser interpretadas como sendo uma limpeza social. As medidas tomadas pelo Município priorizam sempre amenizar os problemas de quem enfrenta as dificuldades sociais e econômicas, e evitar que a rua seja o destino de sobrevivência.