Abrir uma pizzaria no morro. Entregar o rango nas quebradas. Quebrar barreiras e preconceitos. Inovar. Em tempos de movimento fraco num salão de beleza, fazer bolos por encomenda para aumentar a renda, além de escolher trabalhar na comunidade e ficar perto de casa, da família, dos filhos.

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No país, são mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, segundo o IBGE, e só no mês de maio a Capital catarinense fechou 281 postos de trabalho de acordo com o Caged. Na contramão destes números negativos do mercado de trabalho, moradores das comunidades da Capital apostam nos seus próprios negócios para dar um olé na crise.

Na quebrada

Há dois meses, a comunidade do Monte Serrat, no Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis, viu nascer um negócio diferente. Um grupo de amigos se uniu para realizar um sonho: empreender, quebrar barreiras e preconceitos. O desemprego, que afetava parte deles, foi o estopim para arregaçarem as mangas e investirem no próprio negócio. Assim, saiu do forno a Pizza da Quebrada.

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A ideia brotou de um jantar entre família e amigos. Luis Antonio Rodrigues, o BL, 38 anos, viu no filho Talysson Patrick da Luz Rodrigues, o Tale, 21, no sobrinho Anderson Rodrigues Boeck, mais conhecido como Gui, 19, e no amigo Jonas Valério Araújo Bispo dos Santos, o Ras, 26, o talento e o amor pela culinária. Entrou na história também a esposa de BL, Maria Antônia Silva Arruda, 26, que é cozinheira de mão cheia.

— O Gui já trabalha como pizzaiolo, o meu filho trabalhou muito tempo com alimentação e o Ras também já atuou nesta área. Foi aí que deu o estalo. Tínhamos três desempregados (incluindo a esposa). Por que não fazer o que eles gostam e o que realmente sabem que fazem com perfeição, que é trabalhar com alimentação? — explica BL, o grande incentivador do projeto.

Em uma semana, juntaram o que tinham, em torno de R$ 5 mil, investiram em equipamentos, como forno e balança, e começaram a montar as primeiras pizzas. Apostaram no boca a boca e, em pouco tempo, estão ganhando o morro e o asfalto.

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— Não vou dizer que estamos num mar de rosas, lucrando e fazendo horrores, porque não estamos, mas já passamos da parte inicial de conquistar a nossa comunidade, de provar para as pessoas que o nosso produto tem qualidade — garante Ras, estudante de psicologia e natural de Natal (RN).

Qualidade é a prioridade para os meninos, desde os ingredientes frescos até a apresentação dos pratos. A atenção com o cliente é outro ponto forte, seja na marcação dos pedidos, feitos em sua maioria via redes sociais, ou na retirada no balcão. Atualmente eles trabalham apenas com entrega.

— A Pizza da Quebrada tem seu diferencial porque os clientes sabem que ela é feita com carinho e amor. Desde o tomate, a abobrinha que vai bem cortadinha, a massa fininha, o queijo, tudo é feito com cuidado. Depois, pedimos um feedback, porque a gente quer saber o que o cliente achou, o que podemos aprimorar — comenta Talysson, que é de Porto Alegre (RS).

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Entregar um produto bom com um preço acessível é o maior desafio do negócio. De acordo com BL, que dá apoio na gestão financeira, a margem de lucro ainda é pequena se comparada a outras empresas do ramo. Eles mantêm o valor abaixo da média de mercado para poder alcançar o público.

— Mas nós acreditamos. Por várias vezes deu desespero, de ter dia que eles venderam uma pizza, mas no outro foram 15. É um dia após o outro, estão aprendendo e tomando porrada, mas não pensam em desistir. A meta deles é vender de 40 a 50 pizzas por dia — conta BL.

O maior orgulho dessa rapaziada é mostrar que um negócio de sucesso pode nascer dentro de uma comunidade e, além disso, ser comandado por negros. Este é o “afroempreendedorismo”, como define BL.

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— A comunidade, onde tem maior concentração de pessoas negras, guarda um potencial econômico muito forte, é um terreno fértil para florescer coisas lindas. Nós só precisamos de estímulo, que é o que falta. Olha essa molecada aí se perdendo na droga porque a negligência do governo deixa espaço para tudo o que é ruim entrar. Então, quando a gente traz algo bom, a população acolhe, faz acontecer — completa Ras.

O doce de trabalhar no bairro

Elas têm salão e fazem doces e salgados na Fortaleza da Barra
Elas têm salão e fazem doces e salgados na Fortaleza da Barra (Foto: Felipe Carneiro / Diário Catarinense)

Na Fortaleza da Barra, no leste da Ilha, as cunhadas nativas do bairro Patrícia Maria Agostinho, 45 anos, e Charlene Florindo, 36, encontraram um jeito de driblar a crise financeira. Elas trabalham juntas há sete anos no próprio salão de beleza, mas o movimento começou a cair nos últimos dois anos, principalmente no inverno, quando diminui a procura pelos serviços. A saída foi incrementar a renda trabalhando no cômodo mais querido de uma casa: a cozinha.

– O movimento tá ruim, o que vamos fazer? Não dá pra ficar só com a renda do salão no inverno. Vamos fazer bolo? A ideia foi da Pati e eu disse “vamos tentar, ver o quanto dá” – conta Charlene.

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As duas foram atrás de cursos de qualificação, montaram um cardápio e uma tabela de preços e até os vizinhos entraram na onda como cobaias para experimentar os primeiros quitutes. O negócio deu tão certo que hoje elas têm encomendas em todas as épocas do ano, com uma média de cinco bolos por semana. E não param. Há pouco mais de dois meses também começaram a fazer tortinhas salgadas.

— As pessoas não podem desanimar, não é porque o movimento caiu que vamos desistir. Temos que continuar porque tem aquela cliente que sempre vem e as coisas melhoram. Temos que buscar alternativas — avalia Charlene.

Esse espírito empreendedor teve início bem antes. As duas, que durante anos trabalharam fora, resolveram abrir o próprio negócio depois que vieram os filhos. Primeiro foi Patrícia. Em 2010, ela largou o salão onde era manicure e abriu um pequeno espaço dentro de casa, na Servidão Marlene da Silva.

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No ano seguinte, Charlene, que também ficou oito anos em um salão no bairro Santa Mônica, trocou as horas paradas no trânsito pelo trabalho na comunidade.

Como elas atuavam na mesma área, montaram juntas um salão no piso térreo da casa de Patrícia. No começo eram apenas manicure e pedicure, mas com o tempo outros serviços foram oferecidos aos clientes, como limpeza de pele, podologia, design de sobrancelhas, micropigmentação e depilação.

— A nossa prioridade em trabalhar no bairro foi pela comunidade e para ficar mais perto dos filhos. É muito bom estar perto de casa — explica Patrícia.

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Além de atender os clientes, seja no salão ou fazendo bolos, elas têm outro desafio: gerenciar o negócio. As duas são Microempreendedor Individual (MEI), uma forma simples de formalizar as empresas e ainda ter acesso aos benefícios como auxílio-maternidade e previdência social.

— Quando minha filha nasceu – hoje ela tá com oito meses – fui à Previdência e dei entrada no auxílio-maternidade. Foi algo fácil, rápido e que me ajudou muito nesse período, mas só consegui porque sou MEI — conta Charlene.

E quem acha que elas pensam em parar por aí, está enganado. A ideia é expandir o negócio e vender bolos e salgados para empresas, além de montar uma delicatesse junto ao salão.

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Como ser um empreendedor

Para abrir o próprio negócio, não basta ser bom em alguma coisa, fazer pizzas deliciosas como a rapaziada da quebrada ou bolos de dar água na boca como as cunhadas Patrícia e Charlene. Segundo a coordenadora regional do Sebrae da Grande Florianópolis, Soraya Tonelli, para ter sucesso como empresário é preciso se capacitar, estudar o mercado e ter um plano de negócio.

— Quando se vai abrir uma empresa, o primeiro passo é criar um modelo de negócio e elaborar um plano. É preciso identificar o segmento, qual será o investimento inicial, o capital de giro, fazer projeção de vendas e faturamento, analisar o mercado, o fornecedor, o consumidor, o mercado concorrente e qual será o retorno deste investimento — explica Soraya.

A partir daí é que será definido o tipo de empresa que será aberto, que pode ser microempreendedor individual (MEI), microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP). Tudo depende do faturamento, número de funcionários, segmento, entre outros fatores.

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O tipo de negócio que mais cresce no país é o MEI. Segundo um levantamento do Serasa Experian, das empresas abertas entre abril de 2017 e abril de 2018, 79,8% são MEIs. Ele acaba sendo mais atrativo diante das vantagens existentes para quem tem um pequeno negócio. Além disso, a abertura da empresa pode ser feita pela internet.

Prova de que empreender não é um bicho de sete cabeças. O Sebrae também oferece cursos gratuitos e orientação para quem quer abrir sua empresa. O importante é gostar do que faz e se planejar.

Diferenças entre empresas:

– Microempreendedor individual (MEI): quem fatura até R$ 81 mil por ano ou R$ 6.750 por mês;

– Microempresa (ME): quem fatura até R$ 480 mil por ano;

– Empresa de pequeno porte (EPP): quem fatura até R$ 4,8 milhões por ano.

Como ser MEI:

– Não pode ter participação em outra empresa como sócio ou titular;

– Ter no máximo um empregado contratado que receba o salário-mínimo ou o piso da categoria;

– Pagar até o dia 20 de cada mês o valor que varia entre R$ 47,70 e R$ 53,70, dependendo do serviço prestado. O cálculo correspondente a 5% do salário mínimo e mais R$ 1 para quem paga ICMS, ou R$ 5 para ISS. Este é o único custo para ter o CNPJ.

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Vantagens:

– O MEI passa a ter CNPJ. Isso facilita a abertura de conta bancária, pedido de empréstimos e a emissão de notas fiscais;

– O MEI tem direito aos benefícios previdenciários como auxílio-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria, entre outros.

Fonte: Sebrae

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