Percorrer os 180 quilômetros de extensão do Itajaí-Açu é garantia de boas histórias. Cada morador que tem o rio como quintal de casa vive uma relação diferente com o gigante. 

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Robertinho e José não se conhecem e nem imaginam que as histórias deles se cruzam nas curvas sinuosas por onde a água vinda do Alto Vale passa em direção ao mar. Eles convivem com as duas faces da mesma moeda: a calmaria do rio onde pescam e o imponente que leva tudo quando as cheias ocorrem. Mas afinal o que os mantêm ali? 

A resposta é paixão.

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Robertinho Braz Candido cresceu e morou a vida inteira às margens do Itajaí-Açu, em Gaspar. Fez da morada o local de trabalho e de lazer. Se está na cozinha, pode ver o rio. Se está na estamparia, pode ver o rio. Quer descansar, vai para o rio. 

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Sempre foi assim desde pequeno e aos 50 anos não tem planos de mudar a rotina. O brilho nos olhos e sorriso no rosto falam por si só: ele gosta de viver ali. Olhando saudoso pela janela, relembra o que já presenciou de bom e de ruim neste meio século: enchentes, afogamentos, mas também muitas pescarias e banhos.

A distância entre a casa e a água já não é mais a mesma de quando pequeno. Caiu de 80 para 45 metros com o passar do tempo e das cheias, estima. Ainda assim, cultiva com carinho um pomar que o leva até o trapiche onde estão as três bateiras de estimação. 

Sentado ali, Robertinho conta as peripécias da juventude, quando aproveitava os finais de semana com os amigos e vizinhos dentro Itajaí-Açu e também quando, em plena enchente de 1983, cruzava o rio numa embarcação simples para ir tirar leite das vacas.

— Isso aqui para mim é tudo. Eu aprendi a nadar aqui e ensinei aos meus filhos também. Uma vez precisei salvar um amigo meu. Na época ele disse: Beto, eu vou até o meio e volto. Ele insistiu e acabei indo junto. Ele foi até o meio e afundou três vezes, aí eu o busquei e voltamos a pé pelo centro — relembra o susto.

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Até 2008, a mãe de Robertinho morava no mesmo local, mas decidiu se mudar. Embora a casa não tenha sido afetada, ela ficou assustada com a proporção da tragédia daquele ano. O filho mesmo relembra a cena de uma casa de madeira inteira descendo com a força da água. Mesmo assim, preferiu ficar, reforçou a proteção do terreno e recuperou a vegetação às margens do rio.

Ele conta que tem condições de ir morar em outro lugar, tem até um sítio em outra região, mas não troca de endereço por nada. E não está sozinho quando o assunto é ficar onde está. Tiaguinho, como chama carinhosamente o filho, nutre o mesmo afeto pelo rio. Pai e filho são parceiros de anzol e acumulam histórias típicas de pescadores, mas fazem questão de comprovar com fotos.

— Já peguei cada peixão nessas águas. Numa tarde fisguei 15 tilápias, deu 45 quilos de peixe. Mas o maior que já peguei foi uma carpa de 25 quilos. Eu como e, garanto, é bom — diz Robertinho.

Fotos mostram alguns dos peixes que Robertinho fisgou no Itajaí-Açu
Fotos mostram alguns dos peixes que Robertinho fisgou no Itajaí-Açu (Foto: Arquivo pessoal)

Observador das águas

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Mudar de casa também não está nos planos de José Lio Tonin, apesar de a esposa tentar convencê-lo de irem para um apartamento. Mas basta um olhar na propriedade do casal para entender os motivos que o levam a querer ficar ali: tranquilidade e natureza bem no Centro de Apiúna. As réguas às margens do Itajaí-Açu revelam outro motivo para o assador desejar permanecer exatamente onde está. Ele é um dos 40 observadores hidrológicos oficiais da Bacia Hidrográfica do Itajaí-Açu que integram a Rede Hidrometeorológica Nacional.

— Faço isso há oito anos. Duas vezes por dia, uma às 7h e outra às 17h. Olho e anoto como está o nível do rio em cada régua. Depois passo a limpo e envio para a Epagri. Saio para o meu serviço no hotel às 5h30min e das 7h às 8h tenho horário de café. Aí volto para casa para medir. À tarde acabou o trabalho, daí é tranquilo. E se quiser sair nesses horários, preciso arrumar alguém para fazer isso por mim — explica.

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O trabalho desempenhado por José é uma espécie de legado deixado pelo sogro. Por quatro décadas Genésio Fronza fez as leituras do nível do rio. Por alguns anos as réguas não ficavam dentro do terreno. Era preciso percorrer cerca de dois quilômetros para monitorar, mas isso nunca foi um empecilho. De bicicleta, lá ia ele. O avançar da idade o fez parar. Ele morreu em 2016, aos 82 anos, e já tinha passado o bastão ao genro.

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— Nós guardamos aqui em casa o certificado de Honra ao Mérito que ele recebeu da Furb e da prefeitura de Blumenau, em 2003, no Dia Municipal de Defesa Civil, pelos relevantes serviços prestados na Estação de Telemetria de Apiúna — diz José apontando para o quando pendurado na parede.

José tem o rio no quintal de casa e é um dos 40 observadores hidrológicos
José tem o rio no quintal de casa e é um dos 40 observadores hidrológicos (Foto: Patrick Rodrigues)

José está há oito anos na função e quer continuar por muitos mais, pois sabe a importância que esse trabalho tem. O engenheiro Sanitarista e Ambiental da Epagri José Luiz Rocha Oliveira é quem coordena os observadores em Santa Catarina. Ele conta que a estação de Apiúna começou a ter leituras em 1941. Ou seja, mais da metade desse tempo, a família de Genésio faz o serviço.

É com dados coletados de estações como a cuidada por José que os órgãos públicos monitoram o nível e vazão dos rios, bem como acompanham os eventos extremos. A partir deles, têm parâmetros para planejar e implantar ações voltadas a abastecimento de água, irrigação, aproveitamento hidrelétrico, lançamento e diluição de efluentes. É importante, sério, mas não apenas nesta perspectiva que o morador de Apiúna vê o rio.

— Estou enchendo de pé de fruta até onde posso. Depois que eu me aposentar, vou parar e pescar um pouco também. É bonito e sossegado aqui — revela o observador do Itajaí-Açu.

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