O nome Haus Granemann, Casa dos Granemann em alemão, é adequado ao lugar. Mas o espaço é bem mais do que uma moradia particular. Sala de jantar, um pequeno quarto e uma varanda transformaram-se em um museu. Ali onde é contada a história de Santa Cecília. O acervo é formado a partir de objetos guardados pela família Granemann, vinda da Alemanha, em 1828, uma das primeiras que migraram para a região.

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A ideia do pecuarista Floresnal Granemann, o Nalo, 74 anos, ganhou simpatia dos moradores que doam peças. A iniciativa pessoal, e sem ajuda do poder público, salvaguarda a memória do tropeirismo, da herança indígena, da Guerra do Contestado e do desenvolvimento econômico e social do Planalto Norte de Santa Catarina.

O acesso ao museu, ao lado da prefeitura de Santa Cecília, é gratuito. Nalo costuma responder assim quando lhe é perguntado se tem preferência por alguma peça:

– Para mim é a árvore genealógica em forma de fotografia da minha família. É o começo de tudo.

Tem um outro espaço onde sente-se muito à vontade: o canto dos tropeiros.

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– Desde os cinco anos eu madrinhava a tropa (seguia à frente) em pequenas viagens – conta, cercado de equipamentos e de utensílios de carga e montaria usados nas mulas e cavalos. São bruacas (compartimento que servia para guardar comida), balaios, selas, estribos, facas e facões. Além de lampiões, panelas e chaleiras de ferro.

Nalo guarda boas memórias daqueles tempos, em que acompanhava o pai e tio tropeiros levando gado para o Paraná. Recorda que transportavam charque, farofa e que o preparo do café era sem coador. Mas com uma técnica para o pó não subir: um pedaço de lenha em brasa era colocado dentro do bule.

Na parede, uma peça muito comentada, a argola do laço que pertenceu a Adeodato Manoel Ramos, um dos líderes rebelados da Guerra do Contestado. Adeodato, apontado como o último a se render, foi inimigo do avô dele, Leandro Granemann, ainda antes do conflito (1912-1916) se iniciar.

A divergência teria começado por causa de maus-tratos a uma junta de bois que o avô emprestou ao caboclo para que puxasse madeira. Um capataz avisou ao fazendeiro que, diferente do que havia recomendado, Adeodato submetia os animais ao trabalho sob sol clemente e dando-lhes chicotadas.

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– Meu avô deu uma surra de relho em Adeodato. Depois, recolheu os animais de volta para a fazenda – explica.

Porém, selava-se ali um inimigo de morte: os Granemann tiveram que se proteger da vingança de Adeodato durante a guerra, o qual espalhava terror entre os fazendeiros. Sob comando dele, eram praticados assaltos, roubos de gado e casas incendiadas.

Mas nem tudo ligado ao Contestado lembra violência. Numa das paredes, um bastão de 1,30 metro de altura que teria sido usado pelo monge João Maria, líder religioso dos caboclos.

O pecuarista indica uma peça em madeira com cerca de dois metros que bem explica o começo da povoação da região:

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– Este bodoque pertenceu a um líder indígena para matar os tropeiros em emboscadas na travessia da Serra do Espião.

Há também peças relacionadas ao período da escravidão. Prova de que os negros tiveram importância fundamental no desenvolvimento da economia da região com o trabalho nas grandes fazendas.

“Já que o poder público não toma a iniciativa de preservar a memória, então a gente assume”

No museu, inaugurado em maio e na presença do governador Raimundo Colombo, estão expostos troféus e medalhas de reconhecimento ao trabalho do pecuarista. Ele é criador de gado de raça.

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Também o certificado do 1º Batalhão de Polícia Militar, no Rio de Janeiro, onde serviu. Demonstra orgulho de ter feito parte da guarda presidencial do presidente Juscelino Kubitschek.

Nalo conta ser antiga a ideia do museu, em ter algo que se torna-se um espaço para a cultura do município. Considera que se isso não ocorrer, com o passar do tempo muita coisa vai se perder. Mas foi depois da morte da esposa, dona Cloci, há cinco anos, que decidiu investir no projeto.

Parte da história da vida do casal, que teve dois filhos, também está presente em fotografias, nas louças e pratarias. Em um dos cantos, as malas que serviram para Cloci e Floresnal Granemann carregarem as roupas na lua de mel.