Uma única folha de papel representa tudo o que o comerciante Amadeu Ferreira Filho, 56 anos, conquistou na vida. Em frente e verso, ela formaliza os direitos dele sobre um terreno da rua Florianópolis, no bairro Itaum, zona Sul de Joinville.

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É naquela folha que Amadeu deposita esperanças para acreditar que a mulher e os três filhos ainda terão onde morar. Trata-se de uma procuração firmada em 1995 com o antigo dono do imóvel. Amadeu passou a ter a opção de vender ou passar para o seu próprio nome o terreno quando quisesse.

O negócio foi fechado na troca por uma casa que pertencia a Amadeu. No novo pedaço de chão, ele construiu a casa com três quartos, sala, dois banheiros, cozinha e lavanderia, onde passou os últimos 18 anos com a família.

O patrimônio cresceu quando uma nova construção foi erguida na parte da frente do terreno. Amadeu abriu duas salas comerciais, uma delas ocupada pelo salão de beleza da esposa, além de uma quitinete no mesmo espaço. Só que tudo aquilo está com os dias contados por uma decisão da Justiça.

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Amadeu recebeu intimação para deixar o imóvel no último dia 19. O prazo passou e, agora, ele pode ser despejado a qualquer momento. Isto porque o imóvel já está no nome de outra pessoa. Na verdade, nunca esteve no nome de Amadeu.

O antigo proprietário tinha uma empresa e enfrentou problemas para pagar os funcionários. Acionado na Justiça trabalhista, acabou com os bens penhorados em 1999.

Foi quando o terreno que já pertencia à família de Amadeu também entrou na lista do penhor.Como o imóvel nunca foi registrada em cartório por Amadeu, a Justiça considerou que ele ainda pertencia ao antigo dono.

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Levado a leilão, o terreno foi arrematado por cerca de R$ 25 mil, em 2005, por um morador do Paraná – hoje, a estimativa é de que valha mais de R$ 400 mil.

– Sempre fui o proprietário, mas de uma hora para outra apontaram que o imóvel não era mais meu -, lamenta Amadeu.

Defesa tenta negociar com o novo dono

O drama de Amadeu não teria acontecido se, na época em que obteve os direitos sobre o terreno por procuração, ele tivesse também providenciado a escritura do imóvel. A conclusão é do próprio advogado de Amadeu, Paulo Soares, que atua na defesa do comerciante desde 2011.

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– A procuração só serve para representar alguém. Ele só representava o antigo proprietário e não usou a procuração para passar o terreno para o nome dele. Se tivesse escriturado, a Justiça não poderia tocar no imóvel -, explica o advogado.

O trâmite na Justiça do Trabalho, avalia Paulo Soares, foi correto. Legalmente, a propriedade passou a ser do arrematante do leilão. O que a defesa tentou após a venda, segundo o advogado, foi buscar um acordo com o novo dono.

Ele estaria disposto a abrir mão do imóvel por R$ 200 mil, valor abaixo da avaliação de mercado, mas muito acima do que Amadeu estaria disposto a pagar.

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– Orientei que ele financiasse esse valor e resgatasse o imóvel. Depois, poderia vendê-lo e ficar com a diferença -, aponta Paulo Soares.

A decisão, conforme o advogado, está nas mãos da família.

– O juiz não pode fazer mais nada. Negociamos diretamente com o arrematante. Se não houver acordo, o próximo passo é o oficial de Justiça determinar o despejo -, alerta.

Importante é providenciar escritura

O negócio de Amadeu não se caracteriza como o popular “contrato de gaveta” porque o imóvel já estava quitado quando ele o negociou. O termo é usado para acordos particulares feitos por quem comprou o imóvel – por financiamento bancário – com uma terceira pessoa, sem levá-lo ao cartório de registro de imóveis.

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Mas a procuração obtida por Amadeu implicou nos mesmos riscos de um contrato de gaveta porque ele não providenciou a escritura (o acordo foi apenas entre as partes). E, sem o devido registro, o comprador não é considerado o dono da propriedade.

Os riscos existem porque o antigo dono pode vender o imóvel para outra pessoa, por exemplo. Assim como ocorreu com Amadeu, o imóvel também pode ser penhorado por dívida do proprietário anterior. Em caso de morte do antigo dono, o imóvel ainda pode ser destinado aos herdeiros.