Era entre 1912 ou 1913 quando o pai de Délio Venturotti escutou de um tenente das Forças Armadas Italianas que em pouco tempo haveria uma guerra de grandes proporções na Europa. E que a Itália, onde moravam, deveria sofrer consequências.
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— Meu pai era reservista. E um tenente falou para ele: vai ter uma guerra e você, como é reservista, vai ser chamado. E na guerra, soldados morrem. Você vai morrer — relembra seu Délio, aos 107 anos, sentado no sofá de sua casa em Florianópolis, ao lado da fiel companheira, dona Dulcina Gama Venturotti, de 95 anos.
Com apenas três anos e meio, seu Délio deixou a Itália, mais precisamente a cidade de Mântua, onde nasceu, e entrou em um navio com sua família: pai, mãe e duas irmãs. Seguiram em direção às ditas “terras novas e férteis”: o Brasil. Foram 18 dias em alto mar.
— Meu pai já havia morado por dez anos, quando adolescente, no Brasil. Mas voltou para a Itália. E com a possibilidade de uma guerra, ele, com família a tiracolo, não queria arriscar. Decidiu voltar ao país — conta seu Délio.
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De fato, em 1914, quando a família de imigrantes italianos Venturotti já estava em terras tupiniquins, dava-se início à Primeira Guerra Mundial que, estima-se, deixou cerca de 10 milhões de mortos, entre militares e civis.
Mesmo passadas mais de 10 décadas do episódio, a lembrança do início de sua vida parece estar fresca na memória de seu Délio. Hoje, o morador do bairro Carianos, no sul da Ilha, pode ser considerada uma das pessoas mais antigas da Capital. Mesmo com a visão e audição falhas, por conta da idade, ele ainda tem uma memória quase que de ferro.
— Chegamos de navio no Rio de Janeiro e depois pegamos outro navio para ir ao Espírito Santo. Neste barco, uma mulher que estava lá me deu uma banana. Eu nunca tinha visto uma banana ou comido essa fruta. Adoro banana até hoje — narra ele, sorrindo.
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Terra nostra
A vida do aposentado se confunde com roteiros de novelas como “Terra Nostra” e “Esperança”, que falavam dos imigrantes italianos que chegaram ao país para trabalhar nas plantações de café. Lembra delas? Pois bem. Seu Délio é um destes personagens da vida real.
Ao chegarem no litoral do Espírito Santo, os Venturotti foram a cavalo para o interior do estado trabalhar nas tais plantações — uma das principais fontes da economia brasileira na época. As terras não pertenciam à família. O esquema era meio a meio: metade do lucro da plantação ia para o dono do sítio e outra metade para os imigrantes. Seu Délio, desde os setes anos, pegava na enxada. Não tinha arrego.
— Meu pai só ficou preocupado mais tarde, porque os filhos estavam crescendo sem aprender a ler e a escrever. No interior não tinha escola. Então nos mudamos para outra cidade, Colatina, e eu me minha irmã fomos estudar. Mas só estudamos por um ano. Meu pai disse que se eu já sabia ler e escrever, já era o suficiente para ser roceiro — lembra o aposentado.
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Ainda na adolescência, um baque tomou conta da família. Seu Délio perdeu a mãe com 15 anos numa história triste:
— Ela confundiu trigo com arsênico (um elemento químico usado em plantações bastante prejudicial à saúde) ao fazer um bolo. Nós comemos, e logo em seguida todo mundo vomitou. Mas ela não. Chegamos a colocar ela numa canoa para atravessamos o rio e a levarmos para cidade, para ver um médico. Só que ela não aguentou chegar até lá — relembra, com tristeza.
Guerras
Da vida na plantação de café, já mais velho, mas ainda solteiro, seu Délio começou a trabalhar como motorista. Ele levava representantes comerciais para lá e para cá. Era um bom emprego. Mas então veio o janeiro de 1942 e o então presidente Getúlio Vargas declarou guerra ao países do Eixo — Alemanha, Itália e Japão — durante a Segunda Guerra Mundial. Seu Délio tinha 33 anos na época, quando muitos imigrantes destas nacionalidades passaram a ser hostilizados no Brasil.
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— Eu nunca passei por algo ruim. Mas o Getúlio Vargas proibiu os imigrantes italianos e alemães de dirigirem. Eu não podia mais trabalhar. Eu chamei então um dos meus clientes, de quando era motorista e que eu sabia que tinha um comércio de tecidos, para me ajudar, me dar um trabalho dentro da loja. E então ele me deu — contou seu Délio.
Deste ano até se aposentar, ele trabalhou na loja de tecidos no Espírito Santo. Foi vendedor, virou gerente. Neste período também conheceu dona Dulcelina e aos 36 anos, ele se casou. O casal teve quatro filhos.

Segundo uma de suas filhas, Maria Dulce Venturotti Collares, 68, o pai sempre foi um homem extremamente trabalhador. Só deixou o serviço de lado para se aposentar e se unir à família e, após 53 anos de Espírito Santo, se mudar para São Paulo.
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Ajuda para ouvir
Seu Délio e dona Dulcina moraram ainda 29 anos em na capital paulista, até se mudarem para Florianópolis, também por conta dos filhos. Aqui, eles vivem há 24 anos.
— Toda a família hoje mora aqui. Nos mudamos em busca de qualidade de vida, para fugir um pouco da loucura de São Paulo. Mas hoje Florianópolis está bem diferente também. Quando chegamos, conhecíamos todo mundo do bairro. Hoje, não mais — lamenta a filha, Maria Dulce.
E é na Ilha que os 107 anos de seu Délio pesam no corpo. Mesmo com a saúde impecável — ele não tem diabete, colesterol nem pressão alta — algumas consequências da idade o marcam, como problemas de audição. O aposentado não consegue ouvir nada, a não ser que se fale ao pé do ouvido e bastante alto.
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A família busca apoio para comprar um aparelho auditivo _ coisa que é bastante cara — para dar mais qualidade de vida ao centenário. A colunista Laine Valgas já deixou o recado na semana passada, mas a gente reforça. Quem quiser ajudar, pode procurar a Maria Dulce para ver de que forma colaborar para que seu Délio ganhe um aparelho. O contato dela é o (48) 99910-8184.
Segredos revelados
Ah! Você achou que íamos encerrar esta reportagem contar o segredo de longevidade de seu Délio? O questionamento, como de praxe, foi feito. E o aposentado é enfático: nunca ingeriu uma gota de álcool e nunca fumou. Além disso, garante que parte da receita é ter muita fé em Deus — ele ia todas as semanas nos cultos da Igreja Batista, para a qual se converteu aos 23 anos, quando deixou o Catolicismo. E muito trabalho. Sempre.
— Eu sou muito feliz. Muito feliz mesmo. Acho que esse é um segredo — ri o italiano, quase manezinho.
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