Na máquina de costura instalada num cantinho da cozinha, Marcio Luiz Cavalheiro alinhava uma nova história. As araras verdes de pelúcia que confecciona para uma marca de vestuário infantil o ajudam a alimentar a esperança de gozar a felicidade que o crack lhe roubou. Viciado na droga desde que a consumiu pela primeira vez, em 2006, Marcio quer capítulos mais felizes para a vida que começou a viver no dia 22 de novembro, quando conquistou a liberdade após quatro anos e oito meses entre o Presídio Regional de Blumenau e a Penitenciária Regional de Curitibanos, em São Cristóvão do Sul.

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Para quitar a dívida com a Justiça pelos furtos e assaltos que cometeu para sustentar o vício ainda terá de prestar sete horas semanais de serviços comunitários por um ano em uma entidade não-governamental. Tarefa simples para quem busca uma segunda chance:

– Quero muito construir uma família, montar meu próprio negócio e dar orgulho para os meus pais.

A decisão de mudar de vida só chegou quando escapou da morte ao ser atacado por um bando de viciados na Cracolândia de São Paulo, minutos depois de furtar e comprar mais uma pedra. Natural do Paraná, o homem tímido decidiu trocar a capital paulista por Blumenau. Veio ao encontro do irmão que mora aqui mas trouxe o vício. Para saciar a fissura, vendeu tudo o que tinha no quarto, mendigou, roubou. E foi parar atrás das grades.

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– Pensei que eu não fosse ter nenhuma visita. Mas foi o dia mais feliz da minha vida quando soube que minha família não tinha me abandonado. Meus pais venderam uma casa que tinham no Paraná e vieram para cá.

O consumo de crack só deixou de fazer parte da rotina de Marcio quando ele próprio pediu transferência para a unidade prisional de São Cristóvão do Sul. Dentro do presídio de Blumenau – considerado o pior do Estado pelo Departamento de Administração Prisional – tinha acesso a drogas. Sabia que se continuasse ali seguiria no caminho errado:

– Falam que a cadeia é a faculdade do crime. Para mim foi a oportunidade de colocar a cabeça em ordem e recuperar a vontade de viver.

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Para garantir um futuro melhor, começou a trabalhar dentro da prisão em São Cristóvão do Sul. Fez sofás e peças artesanais de madeira. Para ocupar a mente nos momentos de ócio escreveu um diário – que sonha um dia publicar – e leu. Leu muito. Só o livro Vencendo Aflições Alcançando Milagres ele percorreu inteirinho 10 vezes. Pelas mãos e pelos olhos verdes de Marcio passaram pelo menos outros 40 títulos.

Nas publicações encontrou palavras que o ajudaram a pensar diferente. Além de retribuir o carinho que sempre recebeu dos pais, mesmo depois dos erros que cometeu, colocou na sua lista de prioridades encontrar uma companheira para a eternidade. A mulher que quer ter ao seu lado até o fim dos dias reencontrou uma semana após deixar o sistema carcerário. Eles namoraram na época do crack, mas o relacionamento acabou em três meses. Ela também fumava pedra e assim como Marcio se esforçou para dar a volta por cima e servir de exemplo para os quatro filhos. Hoje a mulher de 32 anos vive no segundo andar de uma casa no Bairro Itoupava Norte. Na morada simples, com cada coisa em seu devido lugar, ela recebeu Marcio. A guirlanda na porta da varanda e o pinheiro sobre o rack da sala revelam o desejo de todos ali terem natais felizes e anos mais prósperos.

Aos 34 anos, o ex-vendedor sabe que o caminho será árduo em busca de suas realizações, mas ele não teme:

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– As coisas podem dar errado e preciso estar preparado para isso. Mas vou me dedicar para viver bem esta vida tão bela.

Enquanto dá um passo atrás do outro neste recomeço do zero busca para si aquilo que cada um de nós quer:

– Que o mundo tenha mais paz, mais vida, mais cor e mais amor.