“País desenvolvido não é aquele onde pobre anda de carro, mas aquele em que rico anda de transporte público”. A frase simboliza muito bem o dilema que a sociedade brasileira enfrenta: nos últimos dez anos o número de carros em circulação aumentou 110%, enquanto a população cresceu 12%. O tema da mobilidade urbana foi jogado ao centro da discussão durante as manifestações deste ano, e por isso os professores de redação apostam no assunto para o Enem 2013.
Continua depois da publicidade
:: Ex-prefeito de Bogotá aponta soluções para mobilidade na Capital
:: Dez pensamentos que melhorariam a mobilidade urbana no mundo
Como eu me locomovo dentro do espaço urbano? Quanto tempo eu demoro para chegar aos lugares que preciso ir? Quanto custa ir de casa até a escola? E, o mais importante, como podem ser resolvidos os problemas de mobilidade na região em que moro? Ao contrário de temas que às vezes parecem meio distantes do cotidiano do jovem, estas questões atingem todas as camadas da população e por isso é considerada uma das grandes apostas para a redação deste ano.
– A questão da mobilidade sempre existiu. Não é só pela redução no preço das passagens, mas uma briga pelo direito à cidade como um todo. É importante o candidato trazer a temática para o cotidiano, afinal, ele mesmo enfrenta diariamente os desafios de um planejamento malfeito – explica a professora Cyntia Silva, da Oficina da Palavra.
Continua depois da publicidade
:: Conflitos e mudanças na saúde são possíveis temas de redação do Enem
A mobilidade se tornou o centro das atenções em junho, depois que um protesto contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo foi reprimido pela polícia, motivando novas manifestações no país. Os resultados da pressão das ruas foram percebidos nas semanas seguintes: no dia 1o de julho, três cidades catarinenses diminuíram o valor das passagens de ônibus: Joinville, Balneário Camboriú e Concórdia. Blumenau também já havia diminuído o preço duas semanas antes e o mesmo foi observado em inúmeras cidades. A passagem ficou mais barata ou teve um aumento mais sutil que o previsto em Cuiabá, Recife, João Pessoa, Porto Alegre, Goiânia, Caxias do Sul, Natal e Vitória, entre muitas outras.
– A população está insatisfeita, mas não sabe muito bem o que quer. O que pode se dizer agora é que todas as políticas públicas prometidas para resolver o problema da mobilidade não saíram do papel, ficaram só no planejamento – explica Walter Maldonado, professor de redação do curso Mais.
A briga por tarifas mais baixas abriu espaço para uma discussão mais ampla. É justamente este o exercício que o candidato deve fazer ao se deparar com uma redação sobre o tema. As soluções para um problema tão complexo ainda não estão bem definidas, mas ativistas e defensores de meios alternativos de transporte apontam aquelas que acham as melhores saídas: o uso da bicicleta, o investimento em meios diferenciados como metrô de superfície ou transporte marítimo ou o uso consciente do carro.
– As medidas tomadas durante as manifestações serviram só para baixar a poeira. Se essas ações tiveram algum resultado, elas não chegaram no povo ainda. O candidato precisa ter em mente que a cultura da mobilidade muda a partir do poder público. Por exemplo, se eu não dou carona quando vou para o trabalho, não é porque não gosto, mas sim porque é perigoso. Se as pessoas não andam de bicicleta, é porque não tem ciclovia, ou porque os ônibus são péssimos – afirma a professora Simone Machado da Silveira, do Tendência.
Continua depois da publicidade
Confira alguns dos principais argumentos levantados no meio dessa discussão e descubra qual a melhor forma de levar essa temática à sua redação do Enem:
“O transporte público deve ser priorizado”
O IBGE divulgou no fi m de setembro alguns dados alarmantes coletados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012. Segundo as estatísticas, o percentual de domicílios brasileiros em que pelo menos um dos moradores tem um carro aumentou de 37% em 2009 para 42,4% no ano passado. A quantidade de motos também vem aumentando, e nas regiões Norte e Nordeste o número delas já é maior que o de carros. O resultado disso é óbvio: ruas cada vez mais lotadas e engarrafamentos cada vez mais compridos. “Nossa cultura ainda é a do transporte individual”, lamenta a professora Cyntia Silva.
Segundo uma pesquisa de 2012 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a família brasileira urbana gasta em média cinco vezes mais com o transporte privado do que com o público. O estudo conclui que isso acontece devido à falta de investimentos no transporte de massa. Numa redação que discuta o tema, o candidato pode se concentrar na carência de investimentos em políticas públicas voltadas à mobilidade, por exemplo.
– Se há estrutura para o ciclista as pessoas andam de bicicleta. É uma ilusão achar que primeiro as pessoas devem criar o hábito, para depois o poder público investir – explica a professora Simone da Silveira.
Continua depois da publicidade
? FIQUE ESPERTO: Ao falar das vantagens do investimento no transporte público, lembre-se que existem outras alternativas, como a descentralização do espaço urbano. Hoje, a cidade ideal é aquela onde os habitantes não precisam fazer longas viagens toda as manhãs para chegar no trabalho ou na escola. Um grande polo que recebe diariamente uma quantidade exagerada de trabalhadores das cidades vizinhas, por exemplo, tem grandes chances de ter entradas e saídas congestionadas pelo tráfego.
“Conscientização é melhor que aumento nos impostos”
Medidas como a implementação do passe livre ou a redução no valor das passagens acarretam em despesas que mexem com toda a sociedade. O aumento nos impostos, necessário para projetos do tipo, é comumente criticado por quem se opõe a uma dependência cada vez maior da administração governamental. A proposta de passe livre para os 120 mil estudantes da região metropolitana e Goiânia (GO), por exemplo, deve custar R$ 3,2 milhões por mês aos cofres públicos: metade para o governo do Estado e metade para os municípios.
Para parte da população, a saída para os problemas de mobilidade está nos investimentos em educação no trânsito. É comum ver um mar de carros parados num engarrafamento, cada um ocupado por uma única pessoa – você já parou para pensar em como isso difi culta ainda mais o deslocamento pelas ruas da cidade? Outra questão é o incentivo ao uso de bicicletas, que não exige muitos gastos públicos além das ciclovias e políticas de incentivo ao uso delas. Por fim, a própria noção de acessibilidade para pessoas com defi ciências físicas, idosos ou gestantes, por exemplo, faz parte de uma reeducação que busca o acesso mais igualitário à cidade.
? FIQUE ESPERTO: É importante saber que algumas das medidas tomadas pelo Governo Federal não necessariamente aumentam a tributação dos proprietários de carros, como é o caso da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A medida, prorrogada até o fi m de 2013, tem como objetivo facilitar a compra de carros e caminhões. Entretanto, o incentivo à reeducação no trânsito não elimina a possibilidade de investimentos no transporte público. São coisas ligadas e com um mesmo foco: permitir o deslocamento de todas as pessoas.
Continua depois da publicidade
Deu na imprensa
13 de junho – Polícia de São Paulo reprime ato contra aumento na passagem e mais de 200 pessoas são presas
São Paulo já vinha registrando várias manifestações desde o começo de junho quando cerca de cinco mil pessoas se reuniram em pontos-chave da cidade para protestar contra o aumento das passagens do transporte público municipal. A polícia reprimiu os atos e mais de 200 foram presos. Neste dia, várias pessoas que não estavam em conflito com a PM foram agredidas, inclusive jornalistas e moradores da região. Leia mais: http://clic.sc/14LyKZe
14 de junho – Ativista de Florianópolis é apontado como “líder” das manifestações contra aumento nas passagens
O fundador da ONG Alquimídia, Thiago Skárnio, mora na capital catarinense e foi apontado pela imprensa nacional como o líder das manifestações que vinham tomando o país naquela semana. A suspeita surgiu devido à ligação entre a ONG e o site do Movimento Passe Livre (MPL). Skárnio egou a liderança e disse que o registro do MPL foi feito há mais de sete anos. Entenda: http://clic.sc/1fBiwJg
Continua depois da publicidade
18 de junho – Cidades do Brasil tentam frear insatisfação popular reduzindo tarifas de ônibus
Depois das manifestações terem movimentado a rotina de pelo menos 12 capitais brasileiras, diversas cidades anunciaram redução nas tarifas. Foram registradas quedas nas passagens de ônibus em Recife (PE), Manaus (AM), Vitória (ES), João Pessoa (PB), Pelotas (RS) e Cuiabá (MT). Nos dias seguintes, diversas outras cidades anunciaram medidas parecidas: em 27 julho, por exemplo, Goiânia aprovou o passe livre para estudantes da cidade. Leia: http://clic.sc/1fUGv3G
24 de junho – Presidente Dilma anuncia pacote de R$ 50 bilhões para obras de mobilidade urbana no Brasil
Preocupada com o crescimento das manifestações, a presidente resolveu atacar o problema pela raiz: teve uma reunião de emergência com integrantes do Movimento Passe Livre e, em seguida, anunciou um aumento de R$ 50 bilhões na verba disponível para obras de mobilidade urbana. Na ocasião, Dilma também anunciou a criação de um Conselho Nacional de Transporte Público, com participação da sociedade e de representantes municipais. Veja mais: http://clic.sc/16N9Wg6