Um ano e seis meses depois da tragédia da Kiss, o Ministério Público (MP) ainda aguarda explicações da Brigada Militar (BM) sobre a utilização de um modelo simplificado de emissão de alvarás de combate a incêndio para prédios que deveriam ser submetidos a uma análise completa, como o da boate de Santa Maria.

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Os promotores esperavam ter essa e outras respostas na conclusão de dois inquéritos policial-militares (IPMs) solicitados à BM em agosto de 2013. O resultado, que chegou em maio, frustrou a expectativa. Agora, o órgão está pedindo novas diligências à corporação. Para MP e Polícia Civil, o uso distorcido do Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio (SIG-PI) contribuiu para a tragédia, ocorrida em janeiro de 2013.

O problema está no fato de que os bombeiros, a partir do uso do software, simplificaram a análise dos Planos de Prevenção e Combate a Incêndios (PPCIs), deixando de lado imposições legais para PPCIs completos. O plano completo é exigido, por exemplo, para construções com área superior a 750 metros quadrados ou que envolvam atividade com grande público, como boates. Por isso, o MP considera que esses alvarás seriam falsos por terem sido liberados sem a análise de documentos listados em leis e portarias.

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No IPM, a BM concluiu que não há informações falsas nos alvarás. Além disso, sugeriu que a corporação seguisse usando o SIG-PI da forma simplificada, como antes do incêndio. Desde a tragédia, no entanto, o comando-geral da BM determinou que os bombeiros voltassem a exigir plantas e memoriais descritivos para PPCIs completos.

Após analisar o IPM, o promotor Joel Oliveira Dutra está pedindo novamente diligências, depoimentos e documentos à Brigada. Em relação ao SIG-PI, ele considera que uma série de questões seguem sem explicação até hoje.

O que o MP busca saber

Em relação ao sistema que libera álvaras, o promotor quer saber as circunstâncias em que o software foi adquirido, como foi formalizada a autorização para que fosse utilizado nos PPCIs completos e de que forma ocorria a atualização das leis no sistema.

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O que é investigado

Em agosto de 2013, ao concluir uma das investigações relacionadas ao incêndio da Kiss e denunciar oito bombeiros, o MP pediu novas apurações à BM. Os dois inquéritos policial-militares deveriam verificar eventual falsidade de alvarás e analisar se recursos públicos destinados a equipar os bombeiros haviam sido mal empregados.

O MP recebeu as conclusões da BM em maio e as considerou incompletas. Agora, são solicitadas mais informações, como depoimentos, documentos e até acareações por conta de testemunhos divergentes.

Durante as investigações do incêndio, tornou-se pública uma lista de pedidos que os bombeiros de Santa Maria haviam feito ao Fundo de Reaparelhamento dos Bombeiros (Funrebom) no ano anterior.

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Entre os itens, havia a solicitação de montagem de uma academia para a tropa, um carro novo com direção hidráulica e ar-condicionado para uso do comandante e duas máquinas de café. Apesar de rejeitados, os pedidos levantaram suspeitas sobre o eventual uso de recursos do fundo em compras supérfluas.

Promotor cobra dados sobre equipamentos dos bombeiros

No outro inquérito policial-militar (IPM) pedido pelo Ministério Público à Brigada Militar em agosto do ano passado, a intenção era verificar se houve, por parte do comando dos bombeiros de Santa Maria, “omissão de eficiência de força”.

Ou seja, se os recursos repassados pelo Fundo de Reaparelhamento dos Bombeiros (Funrebom), que deveriam dar plenas condições de trabalho à tropa, foram mal direcionados. A BM concluiu que não houve irregularidade no uso dos valores.

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Durante as investigações da Kiss, surgiram depoimentos sobre a falta de material necessário para atuação no combate a incêndio, como equipamentos de respiração, sobre carência de efetivo e eventuais falhas na formação dos bombeiros. A tragédia da Kiss matou 242 pessoas.

A BM refuta a existência desses problemas. Segundo o IPM, foi na gestão do então comandante regional dos bombeiros, tenente-coronel Moisés Fuchs, que foram feitos mais investimentos visando a dar condições de trabalho aos bombeiros.

BM diz que há “histórica falta de investimentos”

Além disso, o inquérito da Brigada destacou que não poderia responsabilizar Fuchs por eventuais carências de recursos, uma vez que “existe histórica falta de investimento ou de atenção necessária não só ao Corpo de Bombeiros, mas na Polícia Militar como um todo, onde a realidade é a de quartéis inadequados ou adaptados, carências de recursos de toda ordem…”.

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Diante do resultado do IPM, os promotores ainda cobram informações sobre a quantidade e o tipo de equipamentos disponíveis na noite do incêndio, explicações a respeito de compras em valores elevados sem licitação, listagem do que foi comprado com recursos do Funrebom e quais bens adquiridos foram repassados para o município. Parte desses pedidos é dirigida também à prefeitura.

A BM tem 60 dias para responder aos pedidos do promotor Joel Oliveira Dutra.