Uma experiência traumática de violação do corpo e da alma. Sem palavras para conseguir explicar a violência sofrida, é assim que “Rosi” (nome fictício, para proteger a vítima de violência sexual) resume a tarde daquele dia 4 de agosto de 2021. Neste dia ela foi estuprada por um médico dentro do consultório do posto de saúde, em Joinville.

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Ela foi vítima de Antônio Teobaldo Magalhães Andrade, condenado por dois estupros, mas que ainda tem permissão para trabalhar na saúde e é candidato a vereador numa cidade da Bahia, já que ele ainda recorre da decisão judicial.

No começo da noite de quinta-feira (5), após publicação de reportagem do NSC Total, o Ministério Público Eleitoral fez novo pedido para indeferimento da candidatura, citando a condenação por estupro em Santa Catarina.

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— Ele fez tudo tudo o que você pode imaginar, tudo que ele queria fazer, ele fez comigo em consultório. Infelizmente, eu não tive reação nenhuma, congelei. Sempre fui uma pessoa muito reativa, mas na hora, eu acho que as ameaças, o susto e o medo me fizeram congelar. Eu ouvia o meu próprio grito, meu choro, mas era para dentro, eu não consegui externalizar. Saindo de lá, ainda estava em choque — conta a vítima.

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“Rosi” havia ido à Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) para procurar atendimento psicológico. A professora estava depressiva, com problemas de estresse e burnout. Ela conseguiu um encaixe na agenda e foi atendida por Antônio Teobaldo.

Segundo ela, o médico teria tirado sua máscara, aberto o cinto da própria calça e iniciado o abuso. Ela afirma que o ato durou cerca de 40 minutos. Depois, ele voltou a sentar-se na cadeira, “como se nada tivesse acontecido”, e receitou medicamentos. Na mesma semana em que sofreu o abuso, a vítima denunciou o médico, que foi preso e exonerado.

— É a situação mais traumática, eu acho, que uma mulher pode viver. A maior violação do corpo, de alma, fé, de tudo. É inexplicável e inenarrável. Depois disso, eu adquiri síndrome do pânico, depressão profunda, ansiedade e insônia persistente. Eu não consigo dormir sem medicação — afirma “Rosi” sobre os traumas físicos deixados pelo abuso.

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Além dos sintomas sentidos na pele, ficou também as dores da alma. Ela conta que, mesmo três anos após ter sido vítima de estupro, ainda enxerga o agressor em todos os lugares e a voz dele ainda ecoa em sua cabeça. 

A dor ainda é muito presente. Mas “Rosi” afirma que continua tentando ser forte todos os dias pela filha.

— Deus tem um propósito para mim na criação da minha filha, porque ela precisa de mim. Mas, desde então eu nunca fui a mesma, eu nunca me curei — conta.

Médico foi julgado, mas ainda pode exercer a função

Antônio Teobaldo Magalhães Andrade foi condenado em duas instâncias pelo estupro em Joinville. Agora, ele recorre da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao longo desse processo, o médico conseguiu liberdade condicional. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) definiu que o acusado tivesse o registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) suspenso, o que não ocorreu.

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Natural da Bahia, Antônio Teobaldo tem CRMs registrados em SC e em seu estado de origem. Ambos continuam ativos, o que permite que ele exerça a função.

A reportagem do NSC Total procurou o CRM catarinense, que informou que “o processo ético-profissional do médico em questão já foi julgado na instância estadual e encontra-se em grau de recurso no Conselho Federal de Medicina (CFM)”. O CFM, por outro lado, informou que o caso tramita em sigilo.

O TJSC afirmou que a Justiça decide, mas não “fiscaliza” o cumprimento das decisões. A outra parte no processo, como o Ministério Público, deve comunicar à Justiça, para que ela se manifeste novamente, podendo aplicar uma punição mais severa.

Além de seguir com os registros de médico ativo, Antônio Teobaldo também está concorrendo ao cargo de vereador na cidade de Itabuna, na Bahia, pelo PMB (Partido da Mulher Brasileira). Até a tarde de quinta-feira (5), o candidato passava por um processo de indeferimento por conta de seu domicílio eleitoral e eventual condição de militar. 

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No entanto, após a publicação especial do NSC Total, o Ministério Público eleitoral fez uma petição junto ao Tribunal Regional Eleitoral da Bahia para também solicitar o indeferimento de sua candidatura, por conta da condenação pelo crime de estupro em Santa Catarina. O médico poderá apresentar defesa. Enquanto a decisão não for publicada, ele continua concorrendo.

— Eu acho que impunidade seria a palavra mais assertiva. Como é que um homem condenado por estupro pode se candidatar a algo? Um homem como esse deveria estar na cadeia. É o único lugar que ele poderia estar. E como que um partido pode ser regido por pessoas que, no caso, defendem a mulher brasileira, e ao colocar um candidato não pesquisam no mínimo os seus antecedentes criminais? Como se coloca um homem que fere a honra e tudo que uma mulher tem de sagrado. É incongruente — afirma “Rosi”.

Segunda condenação por estupro

Além do crime cometido em Joinville, o médico foi condenado em primeira instância pelo estupro de vulnerável de uma menina de 13 anos. O crime aconteceu em 2010, na cidade de Uruçuca, na Bahia, mas a sentença só foi publicada em 29 de agosto deste ano.

Foram 14 anos de espera. De lá para cá, “Lili” (nome fictício para proteger a vítima de violência sexual) tem convivido com o trauma, foi diagnosticada com problemas de saúde mental e, mais de uma década após o crime, conseguiu encontrar formas de combater alguns fantasmas.

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Aos 28 anos, ela sentiu o alívio e a felicidade de ver o seu abusador condenado. Ela acredita que a condenação serve como um sinal que de abusos sexuais não são toleráveis e abusadores não saem impunes, combatendo também que outros agressores ajam. “Lili” conseguiu transformar a dor em uma luta coletiva.

— Eu fiquei tão traumatizada, que eu não consegui falar sobre isso durante muito tempo. Eu não conseguia elaborar o que tinha acontecido. Demorou anos para conseguir de fato elaborar. O que aconteceu, hoje, eu encaro isso como um ponto de luta na minha vida, para que isso não aconteça mais. A gente vive numa sociedade que isso acontece com muitas mulheres — diz.

O resultado da sentença foi comemorado por toda a família. A mãe de “Lili” conta que chegou a perder as esperanças após anos correndo atrás do processo. Por isso, a condenação foi recebida com alegria e alívio:

— Foi uma sensação de vitória. Quando ela [advogada] falou, eu não acreditava. Eu que fui atrás dessa condenação, não foi fácil. Não é só denunciar. Infelizmente, eu passei seis anos ligando toda a semana para delegacia, fórum ou para o setor de registro de precatória, para entrevistar testemunha. Não foi fácil.
Junto com a filha desde o dia em que descobriu o abuso, a mãe lutou por justiça e, também, em defesa de outras vidas.

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— Eu tenho que falar, eu penso nas outras pessoas que eu estou protegendo e aí eu consigo falar. Fazendo isso eu penso na proteção de outras mulheres que podem sofrer isso na mão dele e até na mão de outras pessoas. Quando você prende um médico, tenente, político por estupro de vulnerável, as outras crianças se sentem fortalecidas e os outros estupradores se sentem com medo — ressalta a mãe. 

Por outro lado, a jovem levou um balde de água fria ao descobrir que o médico que a estuprou seria candidato a vereador.

— Sensação de impotência. Foram oito anos aí de processo, finalmente a gente está chegando no final e mesmo assim, como ele não foi “oficialmente” condenado, ele continua aí podendo ser candidato a vereador. Durante muito tempo, a gente se sentiu impotente porque ele podia continuar ainda exercendo a medicina. É uma sensação de medo, de quem pode ser vereador, de quem pode estar representando o povo e que não deveria estar — afirma “Lili”. 

Novamente, a jovem diz que quer transformar a revolta em luta e acredita que trazer o caso à tona é uma forma de impedir que o médico se eleja. 

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— É importante denunciar esse tipo de coisa, eu espero que dentro do próprio partido as pessoas tenham ciência do que ele fez e não permitam que ele de fato saia como candidato. No dia da votação, que ele não possa ser de fato votado. É uma perda para a sociedade e representa um atraso — afirma ela.

O Partido da Mulher Brasileira foi procurado pela reportagem do A Notícia por e-mail e por aplicativo de mensagem, mas não retornou até a publicação desta matéria.

A defesa de Antônio Teobaldo Magalhães Andrade também foi procurada, mas não enviou posicionamento ao NSC Total.

*Para proteger as vítimas, a reportagem decidiu por ocultar os nomes verdadeiros e utilizar nomes fictícios.

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