Uma área de 803,40 metros quadrados une uma investigação do Ministério Público, uma sindicância da Câmara de Vereadores e um inquérito policial na delegacia da cidade, em torno de fatos ligados ao prefeito de Palhoça, na Grande Florianópolis, Ronério Heiderscheidt (PMDB).

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Ele é apontado como beneficiário da falsificação de um projeto de lei da Câmara de Vereadores e ainda, para a Promotoria da Moralidade Administrativa da cidade, está envolvido na exploração de uma área pública pela iniciativa privada.

No terreno de pouco mais de 800 metros quadrados deveria existir uma rótula de retorno da avenida Mário José Mateus, no bairro Bela Vista. Mas hoje operam as câmaras frias da fábrica de sorvetes Ice Queen.

A fábrica tem um contrato com o prefeito, iniciado em 1º de julho de 2008, e que tem duração de cinco anos, por meio do qual Heiderscheidt recebe R$ 17.778 ao mês pelo aluguel de dois galpões laterais a esta área. O prefeito é o dono dos galpões, e quanto a isso não há irregularidade.

O objeto da investigação é a invasão da área em que deveria estar a rótula. Para o promotor da Moralidade Administrativa João Carlos Teixeira Joaquim, o contrato de locação é um só e o locatário, no caso o prefeito, e o locador, a empresa, são os responsáveis pela irregularidade, independentemente de quem construiu.

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Como prefeito, argumenta o promotor, ele tem ainda a obrigação de fiscalizar, proibir e tomar providências. O que não aconteceu até agora, pois a empresa continua funcionando, como o Diário Catarinense constatou na tarde de terça-feira.

Na avenida Mário José Mateus, uma via essencialmente residencial, cinco moradores contaram que a construção da fábrica iniciou há cerca de dois anos, antes da assinatura do contrato, que ocorreu em julho de 2008. A estrutura foi erguida de uma vez só, fechando o trecho final da rua com os portões da fábrica.

A promotoria deve concluir a investigação até semana que vem e, embora não queira adiantar os próximos passos, prefeito e empresa devem ser alvo de um pedido de demolição da parte da construção que está sobre a rua. O promotor pode ainda pedir a devolução do aluguel proporcional ao trecho construído.

Vereadores confirmam assinaturas adulteradas

Três vereadores confirmaram à promotoria e também à sindicância, que a assinatura que aparece no projeto de lei não é deles. O Diário Catarinense ouviu dois citados: o ex-vereador Adilson Francisco de Oliveira e o atual vereador Otávio Marcelino Martins Filho. Eles confirmaram que as assinaturas são falsificadas.

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Há indícios ainda, de que a assinatura do ex-prefeito Paulo Vidal, já falecido, também foi fraudada. As filhas do ex-prefeito procuraram o advogado Cassiano Stark. Ele aguarda a conclusão das investigações para entrar com uma ação de dano moral à imagem do ex-prefeito.

O projeto tem ainda a assinatura de uma funcionária da Câmara. Por causa da falsificação, o promotor da moralidade administrativa de Palhoça, João Carlos Teixeira Joaquim, solicitou à delegacia da cidade que instaurasse inquérito policial.

O inquérito foi instaurado há duas semanas e, segundo a delegada Andréa Pacheco, foi encaminhado ao Instituto Geral de Perícias para estudo técnico das assinaturas.

O terreno e a lei falsificada

O mesmo pedaço de terra é objeto de uma fraude constatada por uma sindicância interna da Câmara de Vereadores de Palhoça. Segundo Sônia Walfride Schmidt Salvador, contadora da casa e presidente da sindicância, um projeto de lei foi furtado dos arquivos da Câmara, entre janeiro e abril deste ano, e um novo foi colocado no lugar com o acréscimo de um artigo.

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No novo projeto, foi incluída a desafetação (o que significa descaracterizar como público para que possa ser usado economicamente como um bem particular – locar, vender, doar) do terreno público que está sendo usado pela empresa.

Também foi incluído um parágrafo único que autoriza a venda do terreno aos vizinhos. Neste caso, o proprietário do terreno vizinho é o prefeito Ronério Heiderscheidt, dono dos galpões alugados à Ice Queen.

A lei original deste projeto é a 1.739, de 24 de setembro de 2003, que trata da desafetação de 12 bens móveis, entre eles cadeiras, lixeiras e armários.

A fraude foi descoberta porque, em 24 de julho deste ano, a prefeitura lançou uma licitação para vender a área. O Ministério Público recebeu a denúncia de que a prefeitura tentava alienar um bem público. Foram consultados os arquivos da Câmara e foi encontrado o projeto de lei com o artigo novo (até então ninguém sabia da adulteração).

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Só que no site da prefeitura, a lei 1.739 disponível ainda era a original. Ela esteve disponível no site até pelo menos 14 de agosto, como é possível verificar na cópia nesta página. Hoje a lei possivelmente fraudada já está no site. Com a investigação da promotoria, a prefeitura cancelou a licitação.

Conforme adiantou a presidente da Sindicância, o relatório vai indicar que os vereadores retirem do projeto o artigo e o parágrafo incluídos, o que pode ser feito por meio de decreto legislativo.

O que diz Filipe Mello, advogado de Ronério, sobre a fraude da lei

– Eu confesso que desconheço totalmente a fraude da lei. Desconheço mesmo. Eu estou me baseando em uma lei constitucional (para a defesa do prefeito na investigação da promotoria).

Onde ficam os terrenos

São três terrenos. Os dois das extremidades, um com 1.698 metros quadrados (da direita) e outro com 1.583 metros quadrados (esquerda), são do prefeito. No meio, fica o trecho de 803,40 metros quadrados da rua. A frente da fábrica fica para a BR-282. O acesso aos fundos se dá pela avenida Mário José Mateus.

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O que diz Filipe Mello sobre os terrenos

– Os galpões foram construídos pelo prefeito. Mas a câmara fria, não. Ele alugou os galpões e a empresa construiu a câmara fria na área do meio, que é pública. Qual é a responsabilidade do prefeito? Ele alugou dois imóveis de sua propriedade para uma empresa se instalar em Palhoça. Apenas isso. Agora a empresa construiu aquela câmara fria. Essa é uma pergunta que você, com certeza, tem que fazer ao proprietário da empresa.

Empresa não quer falar

A Ice Queen foi procurada pela reportagem na quarta, quinta e sexta-feira da semana passada. Também foi procurada na segunda e terça-feira desta semana. Mas informou, por meio de atendentes, que não vai falar sobre o caso.

Novo sumiço

De acordo com o que apurou a reportagem da RBS TV, um pasta com documentos desapareceu do arquivo da Câmara de Vereadores de Palhoça nesta semana. O sumiço dos papéis foi constatado pela arquivista Sônia Walfrid, que registou um boletim de ocorrência.

– Entrou uma pessoa no arquivo e retirou uma caixa vermelha. Até o momento, não se sabe o que continha nesta caixa – diz.

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