*Por Ronda Kaysen

Minha casa não é mais o que costumava ser.

Ao atravessar a sala, em uma manhã qualquer, posso encontrar um pacote aleatório da Amazon aqui e uma pilha de máscaras descartadas ali. Há uma boa chance de que uma caixa aberta de material de arte para o acampamento de verão via Zoom da minha filha esteja em algum lugar perto da lareira, esperando que o conteúdo seja espalhado sobre a mesa de jantar em poucas horas – como se minha sala de jantar tivesse sido planejada para receber uma aula de arte.

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Minha sala de estar costumava ser relativamente arrumada, cheia de coisas que podem ser encontradas em qualquer sala de estar normal – uma seção de jornal perdida, uma xícara de café, pantufas. Agora, meses depois do surgimento do coronavírus, perdi o fio da meada. Os ambientes não têm mais um objetivo claro, pois qualquer espaço pode, a qualquer momento, tornar-se uma academia, uma sala de aula ou uma sala de videoconferência com a câmera habilmente inclinada para esconder a bagunça. Sem expectativa de recebermos uma visita em um futuro próximo, qual é o sentido de fingir? O normal não voltará tão cedo.

“No começo, pensamos: ‘Certo, precisamos entender como funciona essa história de ensino domiciliar. Afinal de contas, faltam apenas algumas semanas para o verão.’ Mas a realidade deixou muito claro que a vida é assim agora”, disse Joanna Teplin, proprietária da The Home Edit, uma empresa organizadora de Nashville, no Tennessee. E a vida agora não é bonita.

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Perla Mondriguez, de 41 anos, de West Orange, em Nova Jersey, mãe de três filhos em idade escolar, um dos quais tem necessidades especiais, comentou que passou a ver a pandemia pela lente de sua mesa de entrada. Costumava ser uma mesa tão bonita, com flores, uma vela, a correspondência do dia e uma pequena bandeja com alguns trocados. Agora é cada um por si.

Aqui estão alguns objetos que podiam ser encontrados lá no dia em que conversamos: uma grande concha da praia, um par de luvas de borracha, um par de óculos de natação, várias máscaras de algodão, uma fita métrica, um Nintendo Switch e uma pilha de recibos amassados.

“Os sapatos, caramba! Geralmente, não deixamos todos os sapatos lá”, afirmou Mondriguez a respeito das sandálias, chuteiras, tênis e chinelos amontoados debaixo da mesa.

Normalmente, os meninos, que têm 8, 11 e 13 anos, estariam fora de casa, fazendo coisas típicas do verão – jogando futebol ou brincando com os amigos. Em vez disso, o mais novo começou a construir uma fortaleza com enormes caixas de papelão que tem um túnel pelo qual ele rasteja para entrar em seu quarto – não exatamente um empreendimento para economizar espaço. O de 11 anos está montando um quebra-cabeça de 300 peças que tomou conta da mesa de jantar. E o de 13 virou um adolescente, que raramente sai do quarto, mesmo para as refeições. “Sinceramente? O quarto fede!”, exclamou Mondriguez.

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Até pouco tempo atrás, ela arrumaria a casa enquanto as crianças estivessem na escola. Mas aqueles momentos de solidão fazem parte do passado. Seu marido, David Acosta, de 45 anos, que trabalha em uma empresa de gerenciamento de imóveis em Manhattan, voltou ao escritório em abril, de modo que Mondriguez, uma passeadora de cães cujos negócios estão começando a reaquecer, está por conta própria em sua casa de quatro quartos. A arrumação despencou na lista de prioridades.

“Para quê? Não fico mais sozinha para ouvir música ou para me sentar por uma hora em frente à geladeira e tirar tudo de dentro para limpá-la. Isso requer energia. E é difícil ter energia quando há outros três seres vivos que precisam constantemente da minha atenção.”

À medida que os meses de vida pandêmica se prolongam, muitos de nós estamos nos sentindo cansados da casa da qual raramente saímos. Certamente, algumas pessoas fizeram de sua rotina de limpeza uma arte, com pias que brilham e mesas de café que exibem apenas livros de mesa de café. Mas não sou uma dessas pessoas.

Minha casa está em constante estado de uso e, por isso, a bagunça se acumula e a poeira se assenta. Sem prazos em vista – esqueça as festas de verão, nem sequer ansiamos sair de casa na segunda-feira de manhã –, os dias se misturam e cada um se torna uma versão surreal do dia anterior.

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Faith Roberson, organizadora doméstica em Manhattan, sugere escolher um dia para cada tarefa e manter o cronograma. Segunda-feira é o dia de organizar; terça-feira é o de lavar roupa e assim por diante. Mas mesmo uma organizadora profissional tem seus limites. “Quem se importa? Sei que você quer manter a mesa limpa, mas, se a mesa não estiver limpa, a mesa não estará limpa”, disse ela.

Só porque estamos em casa o tempo todo não significa que eles merecem toda a nossa atenção. Passamos da fase de produção de pão ao longo da pandemia e entramos em uma fase nova e amorfa, na qual não conseguimos enxergar a saída. Roberson sugere aceitar que nossa casa simplesmente não receberá todo o amor o tempo todo, e que assim seja.

“Você tem outras necessidades. Pode se interessar por artesanato, talvez por meditação.” E, certamente, pode não querer limpar todo o lixo da mesa de entrada. Que tal deixá-lo para lá e terminar um quebra-cabeça de 300 peças?

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