Com casos de salários atrasados desde abril, centenas de mineiros da Carbonífera Criciúma recorrem à solidariedade da população para enfrentar a falta de recursos básicos. Desde a semana passada, ex-funcionários da empresa e integrantes do Sindicato dos Mineiros de Forquilhinha, onde atua a carbonífera, pedem doações no centro da cidade do Sul do Estado.

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Carbonífera Criciúma demite 240 mineiros

A categoria também protesta pela demissão de 370 funcionários desde o início de 2015. Eles teriam sido dispensados sem o pagamento dos valores em atraso e da rescisão contratual.

O mineiro Ricardo Furlan, 33 anos, trabalhou durante sete anos e meio na companhia antes de ser demitido em julho deste ano. Ele calcula que ainda tem a receber R$ 18 mil, valor referente apenas ao período trabalhado em 2015. – Eu peguei férias em abril, voltei de férias sem receber. De maio, recebi só alguns dias. De junho, poucos dias também. De julho, não recebi nada. E no dia 22 do mesmo mês fui demitido. Não pagaram rescisão. Nem o Fundo de Garantia tinham depositado – critica Furlan.

Casado e pai de três filhas, Furlan tem sobrevivido e sustentado a família fazendo bicos como auxiliar de marceneiro e com o seguro desemprego, que deve acabar neste mês. Também teve de recorrer às cestas básicas arrecadas pelo sindicato dos mineiros junto à população de Criciúma. Durante toda esta semana, a entidade transferiu suas atividades para a Praça Nereu Ramos, no centro do município. O ponto escolhido, próximo ao Monumento ao Mineiro, seria um símbolo do reconhecimento da região para a importância dos trabalhadores do setor.

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– É um quadro bem crítico, e a gente não sabe até onde isso vai pela revolta dos trabalhadores – diz o presidente do sindicato da categoria, Fernando Maurício Nunes.

De acordo com ele, a situação é complicada também para os funcionários que continuam na companhia. A mina original da empresa exauriu, não tem mais recursos minerais suficientes para exploração comercial, e parte dos 385 funcionários que seguem contratados pela companhia estão trabalhando em outra mina, também em Forquilhinha, da empresa Cooperminas. Os salários estão atrasados, mas, de acordo com Nunes, o último mês teria sido pago em envelopes individuais em vez de depósitos bancários – o que isentaria a empresa dos descontos previstos em lei, como o do fundo de garantia.

Justiça nega pedido do MP para garantir direitos

O problema é acompanhado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que buscou garantir o pagamento de salários com o patrimônio da carbonífera. O promotor Luciano Leivas, responsável pelo caso, pediu o congelamento de bens em um total de R$ 16 milhões, mas a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, o que impede o confisco de qualquer bem. Leivas tentou, então, a indisponibilidade de bens dos proprietários da empresa, que também foi negada pela Justiça.

A última tentativa foi solicitar que o rombo dos pagamentos não realizados fosse assumido pelas empresas do consórcio do qual a Carbonífera Criciúma faz parte ou pela única compradora de carvão mineral dessas companhias, a Tractebel. O pedido foi negado pelo juiz da 4a Vara do Trabalho, Erno Blume, responsável pela região de Criciúma.

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– Direitos trabalhistas estão sendo categoricamente descumpridos. É uma questão que já está sendo uma violação de direitos humanos. O pessoal está na praça pedindo comida para a população – afirma Leivas.

O promotor começou a atuar no caso em novembro do ano passado, quando surgiram as primeiras complicações. Desde então, não houve interrupção do fornecimento de carvão por parte da carbonífera, nem nos pagamentos da Tractebel à empresa.

Procurada, a Carbonífera Criciúma afirmou que responderia, por e-mail, aos questionamentos em relação às denúncias do Ministério Público do Trabalho. Até o fechamento desta edição, o setor jurídico da empresa não havia enviado resposta oficial.

Contratos preveem que consórcios e Tractebel assumam despesas, diz MP

A Carbonífera Criciúma integra o Consórcio Catarinense de Carvão Energético, composto por 11 mineradoras da região Sul. Elas se uniram para ter capacidade de fornecer o mineral à Tractebel, que o utiliza na geração de energia termelétrica. Por contrato, o consórcio é obrigado a garantir 200 mil toneladas de carvão por mês à empresa, que, contanto que avise o consórcio com um mês de antecedência, também pode exigir ampliação desse volume.

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De acordo com o promotor do MPT Luciano Leivas, responsável pelo caso, o mesmo contrato que exige obrigações do fornecedor, também aponta exigências a serem cumpridas por parte da compradora.

– Quando existe um grupo econômico, essa responsabilidade tem que ser ativa e passiva. O contrato da Tractebel prevê que a própria empresa tem o dever de exigir que as leis trabalhistas sejam cumpridas (pelo consórcio). Essa negligência da Tractebel já a torna responsável pela situação atual – diz Leivas.

No contrato que institui o Consórcio Catarinense de Carvão Energético, a cláusula 7 trata das obrigações das outras empresas integrantes no caso de falência de uma delas (veja abaixo).

Em nota, a Tractebel Energia diz que, por se tratar de um contrato de compra e venda, não há relação de trabalho entre a empresa e o pessoal empregado pelas mineradoras. A companhia também afirmou que está retendo pagamentos de mineradoras que não apresentaram as certidões de débito do FGTS, que só devem ser feitos após a apresentação dos documentos.

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Na resposta apresentada à reportagem, a Tractebel também afirma que, após o encerramento do contrato no próximo dia 31 de dezembro, substituirá o modelo atual por contratos individuais com as empresas carboníferas que estejam em dia com suas obrigações trabalhistas, ambientais, fiscais e previdenciárias.