O neurocientista brasileiro MIguel Nicolelis é referência no mundo nas pesquisas sobre a interação entre cérebro e computadores. É forte candidato a trazer um Prêmio Nobel para o Brasil. Formado em Medicina pela Universidade de São Paulo, é codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Nos Estados Unidos lidera um grupo de cientistas empenhados em ferramentas computacionais, robótica e métodos neurofisiológicos na pesquisa do desenvolvimento de próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia em partes do corpo.

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Bem-humorado e torcedor assíduo do Palmeiras, o neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, respondeu a reportagem por telefone, da cidade onde mora nos Estados Unidos. No Brasil participa nesta terça do projeto Fronteiras do Pensamento, em Florianópolis. Aberto ao diálogo, em uma conversa de quase 30 minutos respondeu todas as perguntas, inclusive o polêmico e curto episódio da apresentação do exoesqueleto durante a abertura da Copa do Mundo, 12 de junho, que teve pouco destaque por parte da Federação Internacional de Futebol (FIFA) para o projeto Andar de Novo. Sobre as críticas disse que “já se conformou com a selvageria”.

Nicolelis falou sobre a tecnologia que funciona por meio do pensamento e projetos futuros que estão sendo iniciados como, por exemplo, a comunicação por meio do pensamento. Citou os benefícios nos avanços tecnológicos, mas deixou um alerta sobre os limites de quando os avanços podem começar a prejudicar o homem.

– É uma equação é muito delicada – disse.

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DC – Em 2011 / 2012 você fez várias apresentações do projeto Andar de Novo, inclusive palestras emocionadas em eventos como a Flip. Interessante a tua intenção de aproximar a ciência do público leigo. Acha que tem funcionado?

Miguel Nicolelis – Sem dúvida. Tivemos milhares de pessoas acessando o site. Temos recebido correspondências do mundo inteiro.

DC – O projeto Andar de Novo baseia-se em estudos seus anteriores como o que fez com que a macaca Aurora movimentasse o braço de um robô apenas com o pensamento. Ainda mais impressionante que o próprio movimento é o feedback que a pessoa recebe, afinal ela consegue sentir o chão embaixo dos seus pés. Como essa tecnologia funciona? Como o cérebro pode ser capaz de controlar uma máquina?

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Nicolelis – Uma máquina registra os sinais cerebrais e um comando motor executa. Um outro nível é colocar sensores que informam ao paciente quando, por exemplo, a perna está suspensa ou toca no chão. É usar a interpretação do cérebro para gerar uma sensação realista. Nos oito primeiros casos que realizamos testes, eles tiveram esta sensação de andar novamente.

DC – O projeto gerou certa polêmica em relação ao que foi prometido e ao que foi mostrado na abertura da Copa. Ficou satisfeito com o resultado?

Nicolelis – A polêmica criada foi artificial e restrita a São Paulo e a razões políticas. Havia interesse no fracasso da Copa. O projeto teve repercussão mundial, tenho ido a palestras e tenho visto pessoas emocionadas, que assistiram e entenderam o simbolismo. É algo que ninguém jamais imaginou ser possível. A FIFA interpretou de maneira errada. Foi um trabalho que começou do zero, um feito que entrou para a história. Mas já me conformei com a selvageria. O fato entrou para história, um projeto brasileiro que é a esperança de milhões voltarem a andar.

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DC – O que se pode esperar agora? Quais são as novidades que essa tecnologia pode oferecer em um futuro próximo?

Nicolelis – Por causa da interface entre o cérebro e a máquina, o cérebro produz o comando e a atividade elétrica contem estes comandos. Extraímos estes comandos e transformamos em sinais digitais que pode ser lido por qualquer computador. Para um futuro próximo temos várias aplicações que vão ajudar na cura do mal parkinson e epilepsia, por exemplo, além de várias outras tecnologias que estamos trabalhando.

DC – Em Muito Além do Eu você traz à tona algumas ideias um tanto revolucionárias, entre elas a comunicação por meio do pensamento. Como será possível e até que ponto você acha que o ser humano está preparado para isso?

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Nicolelis – São ideias para daqui centenas de anos, para o futuro. Temos já trabalhos feitos com animais, mas que são ideias e experimentos para discussão teórica. Estamos discutindo a perspectiva e temos demonstrado conceitos simples, mas ainda é ciência abstrata e pura.

DC – O cérebro é tão misterioso quanto o próprio universo. O que você pode compartilhar dos avanços e pesquisas em tentar entender o órgão? De que forma você acha que aprenderemos a usar melhor o nosso cérebro?

Nicolelis – Estamos na infância da neurociência, conhecemos pouco o que ela faz. O estudo está sendo detalhado, mas é muito insipiente. Por isso é necessário o conhecimento. Teremos um impacto grande, mudanças muito profundas. Nos últimos 30 anos, este é o momento de maior ênfase de estudos no mundo.

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DC – Você acredita que a tecnologia vai transformar a sociedade como a conhecemos hoje. O que imagina de realmente aplicável e financeiramente viável para um futuro próximo?

Nicolelis – Veja o impacto da internet teve no mundo nos últimos anos e ainda tem, ainda que não completamente desenvolvida. Existem muitas coisas surgindo, mas a questão é até onde melhora e a partir de quando começa a destruir? Tem que haver um equilíbrio. Tudo é criado pelo cérebro, a máquina não cria nada, dependemos do cérebro para criar. E está equação é muito delicada.

DC – Em outro livro em que você é coautor, O Maior de Todos os Mistérios, você volta a falar que no futuro seremos capazes de usar o cérebro para nos comunicarmos, ligar máquinas etc. Já participou ou efetuou testes práticos?

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Nicolelis – Sim, isto já está acontecendo. Várias empresas nos Estados Unidos usam da atividade cerebral para interagir em alguns jogos. Pequenas interações estão começando. No Brasil ainda não temos, mas o país está muito antenado com estas novas tecnologias.

DC – Curiosa a tua descrição na Wikipedia: médico e cientista ateu brasileiro. O Brasil, especialmente, é um país místico e bastante espiritualizado (católicos, religiões afro, protestantes etc). Acredita que a ciência em algum momento se aproximará da religião? Algumas doutrinas já defendem essa aproximação e usam a física quântica para explicar alguns fenômenos.

Nicolelis – (risos) Não, sou da velha guarda. São coisas separadas, minha relação com Deus está ótima, eu não acredito nele e ele não acredita em mim.

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