Era uma vez um garoto que ajudava o pai na pequena fazenda de gado no interior do Sergipe. A família do menino vivia em constante apreensão por causa do terror espalhado por Lampião e capangas pelo Nordeste brasileiro. Com medo, o garoto já crescido decidiu refugiar-se na capital paulista. Parece enredo de filme, sinopse de livro, mas é a história de Miguel Feitosa, que hoje, com 104 anos, mora em Joinville e guarda viva na lembrança a época em que conheceu pessoalmente o personagem mais temido do sertão.

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– Amizade a gente não tinha, mas não podia ser inimigo, senão ele matava – lembra.

Quando foi para São Paulo, ficou um ano desempregado:

– Eu não tinha profissão, não tinha como arranjar alguma coisa.

Para manter-se em contato com as notícias da sua terra, deixava dinheiro na banca para os jornaleiros reservarem a revista “Noite Ilustrada”, que fazia ampla cobertura das ações do temível Lampião. Quando arrumou emprego, surgiram dois. Então, pela manhã, virou faxineiro da Associação Cristã de Moços. Miguel trabalhava lá em troca dos estudos. À noite, era lanterninha de cinema. Uma das poucas coisas que ele não recorda é quantos anos exatamente ficou neste emprego, até ir para um cartório vender selos.

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Lá, começou algumas coleções que mantêm até hoje. As moedas antigas, algumas do tempo do Brasil Império, foram compradas na praça da República, em São Paulo. Cédulas das várias moedas que o País já teve estão guardadas, assim como os segredos de quem só mexeu com dinheiro a vida toda para identificar os detalhes.

– Existem segredos nas notas que só quem conhece dinheiro encontra – ensina Miguel sobre o seu hobby.

Até hoje, ele procura atentamente imperfeições nas cédulas e moedas.

– Daí, a gente guarda, elas se tornam raridade.

Na juventude, Miguel teve de fugir da terra dele por causa da criminalidade. Idoso, a situação se repetiu. A filha única, Hilda Maria Feitosa Donat, mudou-se para Joinville, porque o marido havia conseguido emprego na cidade. Para escapar dos frequentes furtos em sua casa, em São Paulo, ele fez as malas em 1994 e também mudou-se para Joinville. Atualmente, as maiores companhias são a família, a coleção de moedas, notas e selos, a revista “Noite Ilustrada”, que guarda como relíquia, e um passarinho que todas as manhãs vem visitá-lo na janela.