O mês de junho começa com o desafio de retomada das operações, mesmo que a maioria dos pequenos e médios empreendimentos não tenha referências para esse momento. Com a paralisação de caminhoneiros foram dez dias de esvaziamento de estoques e de inviabilidade de receber e fazer entregas. Desde quinta-feira, quando o abastecimento em Joinville foi restabelecido, os proprietários de empresas e de estabelecimentos comerciais experimentam os primeiros dias após uma crise político-financeira que pegou a todos de surpresa. Outras paralisações do transporte de cargas ocorreram recentemente na história brasileira, mas nenhuma com essa intensidade e que preparasse empresários e empreendedores para esse tipo de problema.
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– No planejamento estratégico de uma empresa, normalmente as ameaças apontadas são problemas políticos e internacionais, alta do dólar, taxas de juros e crises sindicais. Dificilmente um empresário colocaria na lista uma situação como as manifestações que tomaram conta do Brasil nestes 11 dias – avalia o chefe do departamento do curso de Ciências Econômicas da Universidade da Região de Joinville, Ademir Demétrio.
Comerciantes e empresários buscam soluções para diminuir o impacto dos prejuízos com criatividade e ampliação de horários. Especialistas, no entanto, alertam para o perigo de medidas tomadas a partir da apreensão: se há uma lição após a surpresa que o mercado sofreu nas últimas semanas é a de estar preparado para qualquer situação. Por isso, planejamento é fundamental.
Segundo Demétrio, atualmente há uma relação de dependência muito grande entre os responsáveis por cada etapa que envolve da fabricação à entrega do produto ao cliente final. Por isso, é necessário conhecer todo o processo para encontrar soluções em momentos de crise.
– Agora, há uma relação de compreensão entre cliente e fornecedor, porque todos estavam com problemas. Mas, em uma situação em que o consumidor tem condições de adquirir, precisa haver condições para garantir a sustentabilidade – analisa Demétrio.
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A economista Eliane Martins salienta que ter uma reserva financeira é fundamental para manter a continuidade de um empreendimento em fases de restrições. Isso não significa que, passada a paralisação, esse dinheiro deva ser utilizado sem planejamento. Artigos de primeira necessidade serão procurados imediatamente e terão valores muito altos. Significa que os consumidores irão adquirir apenas o que é realmente preciso.
– É necessário ter estratégias mesmo que seja apenas para reposição, senão, o impacto não deixará de existir, apenas será transferido para outro setor da empresa – afirma Eliane.
Em outras áreas, o retorno dos ganhos será mais lento e, assim, é importante conhecer os processos e saber exatamente quem é o cliente. Dessa forma, será mais fácil criar diferenciação a partir da oferta de outros serviços ou promoções e obter um retorno.
Impactos serão melhor avaliados
Em pesquisa feita pela Fiesc, 46,33% das pequenas empresas e 43,70% da microempresas de Santa Catarina que responderam ao questionário afirmaram ter sido muito afetadas pela paralisação dos caminhoneiros. Joinville não tem um levantamento dos prejuízos registrados, mas a Associação de Joinville e Região de Pequenas, Micro e Médias Empresas (Ajorpeme) realizará conversas nos núcleos setoriais para avaliar o impacto em cada área da economia.
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– O que vimos foi muita apreensão, eventos cancelados e atividades paradas. Para as pequenas empresas é mais fácil recuperar, mas há muitas que dependem de fatores externos para reativar a produção – afirma o presidente da Ajorpeme, Victor Kochela.
Para ele, como a situação gerada pela paralisação dos caminhoneiros é atípica, é difícil transformar essa experiência em lição para outros momentos semelhantes.
– Não dá para mudar o jeito de fazer. Atualmente, ninguém atua com grande estoque, por exemplo, porque isso também pode gerar prejuízo – avalia Kochela.
Barbearia fará promoção por mais clientes
Diariamente, cerca de 50 pessoas passam pela barbearia de Allisson da Rocha, no Centro de Joinville, local com serviço especializado para homens, que vai do corte de cabelo até tratamentos estéticos. Mas, nos últimos dias, os sete profissionais que trabalham no estabelecimento tiveram que encarar as cadeiras vazias em alguns momentos.
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Segundo Allisson, aproximadamente 40% dos clientes desmarcaram horários agendados porque não tinham como chegar ao local. A falta de combustível esteve entre as principais consequências da paralisação dos caminhoneiros. O que preocupa o empreendedor é que nem todos remarcaram. Para Allisson, os clientes podem ter encontrado outros estabelecimentos, mais próximos de casa, para utilizar os serviços.
As perdas chegaram sem aviso, pois os profissionais não esperavam essa diminuição no movimento por causa da paralisação.
Nas próximas semanas, os barbeiros devem aumentar em uma hora o expediente diário. Além disso, a barbearia também irá oferecer pacotes promocionais, com combinados de serviços.
A expectativa de Allisson é atrair novos clientes e fidelizar os antigos com a promoção. Desta forma, ele espera suprir as perdas financeiras que foram observadas durante o protesto nacional dos caminhoneiros.
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Expediente maior para amenizar prejuízos
As máquinas de tecelagem de uma empresa localizada na Zona Oeste de Joinville trabalham dia e noite para produzir quase uma tonelada de golas, barras e punhos. Os fios – insumos usados para fabricar os produtos – vêm por transporte rodoviário, de fornecedores espalhados de Norte a Sul do país. Ademir Martinez Gomes, proprietário da empresa, viu a produção cair muito na última semana, já que os carreteis não chegaram até a indústria por causa dos bloqueios.
– A cadeia da área têxtil está parando aos poucos por causa da falta de insumos e ainda vai algum tempo até todos receberem a matéria-prima – conta o empresário.
Há 20 anos à frente do negócio, é a primeira vez que ele chegou perto de parar a produção. Sem a chegada da matéria-prima, a indústria abrirá as portas na segunda-feira para limpeza e manutenção do maquinário. Ele estima que em maio houve a diminuição de 30% no faturamento em decorrência desse problema.
Essa redução pode continuar a ocorrer em junho, porque mesmo com os desbloqueios nas rodovias, a retomada total da produtividade na fábrica demora a ocorrer. A recuperação do ritmo habitual depende da cadeia de produção, porque os clientes de Gomes precisam receber os insumos para repassar à fabricação na tecelagem.
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Ele visualiza alternativas para amenizar o prejuízo do freio na produtividade. Como as máquinas têm capacidade de produção limitada, o empresário negocia com o sindicato da categoria para conceder banco de horas ou horas extras aos funcionários.
Horário ampliado e negociação com fornecedores
Há um ano e dois meses, Márcia Daniela Schutel comprometeu-se com uma tarefa desafiadora: deixar o cargo de pizzaiola para virar a proprietária do restaurante onde trabalhava. O momento econômico não era fácil e, por isso, ela transformou o perfil do local para mudar horários e abrir somente durante o almoço.
– Quando o frio voltou, reabri com rodízio de pizza e deu certo: tinha casa cheia de quarta a sábado – recorda ela.
O sucesso dos últimos dois meses esbarrou na paralisação, há duas semanas. O número de clientes diminuiu gradativamente, ao mesmo tempo em que Márcia encontrava dificuldades para repor os ingredientes. Na segunda-
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feira, sem gás de cozinha, fechou as portas temporariamente e só reabriu para fazer pizzas no fogão à lenha na quinta-feira, após conseguir, a muito custo, comprar o principal artigo da receita: queijo.
A ideia dela agora é ampliar o atendimento, abrindo também na terça-feira, como forma de recuperar o valor perdido nos dias em que o restaurante ficou fechado. Além disso, não permitiu que o desespero tomasse conta na compra dos ingredientes.
– Não posso adquirir a preços muito altos, porque não irei mudar os valores do buffet e preciso que a comercialização compense o investimento – afirma.
Márcia viu, neste período, outros serviços serem afetados e clientes fieis, como representantes comerciais que ficavam hospedados em hotéis nas proximidades, não aparecerem por dias.
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Segundo o proprietário de uma rede de hotéis que possui dois estabelecimentos em Joinville, Geraldo Linzmeyer, o setor registrou 40% de cancelamentos. O impacto maior foi entre os “walk-ins”, hóspedes que não têm reserva e são, geralmente, profissionais em viagens que utilizam Joinville como ponto de parada na rota.
– Eles representam uma grande parte dos hóspedes e, neste período, a queda registrada foi de 80% – afirma Linzmeyer.
Orientações para evitar ou reduzir impactos:
Planejamento é sempre o primeiro passo. Identifique os processos e recursos necessários para traçar alternativas, como outros fornecedores ou formas de aumentar o nível de estoque em casos de emergência.
Tenha as responsabilidades de cada membro da equipe bem definidas para que conheçam seu papel e para que o plano de crise seja bem executado.
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Entre em contato com parceiros e fornecedores para se antecipar ao comprometimento dos produtos e pensar outros formatos de abastecimento.
No momento da crise, dispensar funcionários para férias coletivas temporárias é uma alternativa.
Reduza custos fixos e variáveis.
Mesmo depois dessa experiência, opere em sistema “Just in Time”, que é pautado na produção conforme a demanda, com redução de estoques e derivados.
Tenha uma reserva financeira, mas seja cauteloso nos gastos, mesmo quando se trata de investimento, especialmente em momentos de instabilidade econômica e política.
Ofereça serviços e ofertas diferentes, principalmente em áreas que não são de primeira necessidade.